Há livros que valem pela primeira página e outros pela última linha. Há livros íntegros, dos quais as palavras, de ponta a ponta, se atam ao leitor, indispensáveis e vitais após ter-se iniciado o périplo de sua leitura. Há aqueles, também, em que logramos captar duas ou três sentenças que marcam de verdade e para sempre.
Os dois casos iniciais, para sorte dos autores, dependem absolutamente de quem está à frente das letras ordenadas em sequências de ritmo, de sonoridade ou de sentido. Variam, pois, de momento para momento, de lugar para lugar. Têm a sorte de encontrar eco em vozes variadas que, às vezes, se alastram. Deixemo-los, então, à deriva na constância ou inconstância das ondas.
Dos livros íntegros se diga: neles não há nada que falte, nem tampouco nada que sobre. São muitos? Certamente, não. Leitores diversos terão opiniões distintas frente ao desafio de nomeá-los. Por mim, em meditada inquietação, atrevo-me a dizer que cabe nesta “áurea” o pequeno grande romance de Ernest Hemingway (1899-1961), O velho e o Mar. Ou, com ímpeto de afeto, o esmerado Vidas Secas, do brasileiríssimo Graciliano Ramos (1892-1953). De dois em dois, que outros caberiam nesta sina?
Dos livros, enfim, dos quais captamos frases “de vida”, iluminadoras de alguma paixão encoberta ou de alguma verdade desperta, podemos listá-los “à mão cheia”, pra usar uma expressão de Castro Alves (1847-1971). Não há livros de ficção, de poesia ou de memória dos quais não se possa colher o fruto doce ou amargo da vida. Aqui, para apenas dar testemunho do acaso ungido em lembranças, adentro os diários de Susan Sontag (Diários – 1947-63, Companhia das letras, 2009), em dois correlatos momentos:
“Para escrever, é preciso permitir-se ser a pessoa que você não quer ser (entre todas as pessoas que você é).”
“Escrever é um bonito ato. Cria algo que dará prazer aos outros mais tarde.”
As duas citações, dos diários, foram feitas na idade madura da escritora e filósofa americana.
Na primeira, evidencia-se o mistério que sempre ronda a identidade do escritor. Aquele que assina os escritos representa uma parte de um corpo/espírito, em sua essência, múltiplo. O escritor representa essa força da natureza e é ela que o rege nas opções e escolhas.
Na segunda citação, explicita-se a leitura como fonte de prazer. Sem dúvidas, é esta força motriz que enlaça autores, livros e leitores. O grande leitor é aquele, antes de mais nada, que busca nos livros a fruição prazerosa da atividade intelectual.
Susan Sontag (1933-2005) é exemplar: buscou nos livros, especialmente nos literários, a sua formação filosófica, os seus conceitos e valores a respeito da história. Ler com acerto e sensibilidade é dispor do mundo e ao mesmo tempo dispô-lo dentro de si. É, em suma, engrandecer-se pelo viés da beleza.
*Alcides Buss, escritor, professor de Teoria Literária na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Coordenador do Círculo de Leitura de Florianópolis.