De Antissionista a Apoiador de um ‘Estado Judeu’
[Esta é uma brilhante refutação da posição de Norman Finkelstein, Ilan Pappe, e-mail 18.2.12.]
No começo de sua carreira, Norman Finkelstein era a estrela mais brilhante do firmamento. Suas análises e dissecações de vários propagandistas sionistas e suas fraudes eram incomparáveis. Seu trabalho de demolição do livro fraudulento de Joan Peter From Time Immemorial (De Tempos Imemoriais), que fora publicado em 1984, foi uma maravilha a ser contemplada. A tese principal de Peter era que os palestinos eram recém chegados à Palestina que tinham para lá migrado apenas como resultado da imigração sionista da primeira metade do século passado, ou seja, eles não eram refugiados genuínos.
A crítica de Finkelstein mostrou que o uso das estatísticas demográficas do livro era falho e desonesto, e que o livro era tão somente uma peça de propaganda. Isto deu a dica para que respeitáveis escritores tais como David & Ian Gilmour, que mencionaram erros de Peter do tipo de citar um historiador medieval árabe, Makrizi, que falecera em 1442, em apoio a suas afirmações sobre os movimentos populacionais da metade do século XIX (London Review of Books, 7.2.85. “pseudoviajantes”).
Na verdade, a evidência que sustentava a tese de Peter era refugo que, de maneira equiparável aos métodos dos negadores do holocausto, provêm dos próprios sionistas. Por exemplo, Ahad Ha’am ou Leon Motzkin, um líder sionista que em 1912 apelou aos árabes da Palestina que se mudassem a outros países. No 2º Congresso Sionista, em 1898, ele disse aos delegados como “Estatísticas completamente precisas sobre o número de habitantes não existem atualmente. É preciso admitir que a densidade da população não dá ao visitante muitos motivos para contentamentos. Em trechos completos por todo o território constantemente encontram-se grandes quantidades de aldeias árabes, e é um fato inegável que a maioria das terras férteis de nosso país estão ocupadas pelos árabes…” (Protocolo do 2º Congresso Sionista, pg. 103).
Esta crítica foi amplamente divulgada por Noam Chomsky e assim que o livro foi lançado na Grã-Bretanha ele foi destroçado (diferentemente dos EUA, onde os jornais e as organizações midiáticas cantavam da mesma folha do hino e se recusavam a publicar críticas desfavoráveis, até que tanto historiadores britânicos como israelenses tacharam o livro de uma fraude risível).
Pela mesma veia, a crítica de Finkelstein à apologia do fascismo e do nazismo de Daniel Goldhagen, Os carrascos impulsivos de Hitler: Os Judeus Comuns e o Holocausto, não tinha como ser melhorada. Goldhagen defendia que o nazismo era benigno, exceto para os judeus. O problema não era tanto o nazismo, mas o antissemitismo “eliminacionista” inerente à formação dos alemães. “A Tese “Maluca” de Daniel Jonah Goldhagen: Uma Crítica dos Carrascos Impulsivos de Hitler” – New Left Review I/224, Julho-Agosto 1997.
Embora fora um cientista político, Finkelstein era um dos poucos antissionistas que podia encarar os historiadores do holocausto sionistas. Com seus dois pais sendo sobreviventes do Gueto de Varsóvia e de campos de concentração, ele era capaz de impor autoridade ao escrever sobre a questão. Finkelstein claramente decidiu analisar a fundo as principais fontes e os debates da historiografia do holocausto, e entendeu como agiam pessoas como o Prof. Yehuda Bauer, do Yad Vashem, o Museu da Propaganda e do Holocausto Sionista.
Com seu livro “A Indústria do Holocausto”, que descrevia como o movimento sionista tinha cinicamente usado o extermínio de milhões de judeus a fim de justificar o tratamento bárbaro que Israel aplicava aos palestinos, Finkelstein consolidou sua reputação. Finkelstein revelou como a sionista Conferência de Queixas Judaicas (Jewish Claims Conference) tinha roubado e defraudado por via das contas de despesas boa parte das reparações pagas pela Alemanha Ocidental que deveriam ser destinadas aos sobreviventes do holocausto. Em vista disso, hoje, tais sobreviventes vivem principalmente na pobreza. Seu segundo livro, “Beyond Chtzpah: On the Misuse of Anti-Semitism and the Abuse of History” reforçou ainda m ais a sua reputação. O livro também provava que Alan Dershowitz, o Professor de Direito de Harvard, tinha cometido plágio e copiado, sem admiti-lo, de outras fontes em seu livro “The Case for Israel”. Ele também tinha copiado fielmente os seus erros!
No livro estava incluída uma detalhada refutação da tese principal de Dershowitz fazendo referência a inúmeras fontes de direitos humanos. Aqui havia uma pista, a qual eu notei naquele momento, para a subsequente degeneração política de Finkelstein. A Questão Palestina não é em primeiro lugar uma questão de direitos humanos, embora muitas pessoas chegam ao movimento por causa do abuso dos direitos dos palestinos por parte de Israel. Ela é acima de tudo uma questão política. A debilidade primária de Finkelstein é sua incapacidade de situar o desrespeito dos direitos dos palestinos por Israel dentro de um contexto político.
Uma das consequências de seu ataque a Dershowitz, o Professor da Tortura (ele uma vez tinha proposto dar à polícia o direito de solicitar uma Licença para Torturar uma pessoa), foi lhe terem negado o cargo na Universidade DePaul. Um bom exemplo de como, em consequência da “Guerra ao Terror”, a liberdade acadêmica foi relegada ao status de um artefato curioso nos centros acadêmicos dos EUA.
Portanto, é triste que Norman Finkelstein, que indubitavelmente vai sobreviver por muitos anos mais no circuito de conferências, já tenha pouco, ou nada, a oferecer à causa palestina. Ao contrário, tudo o que ele agora anda fazendo está na verdade contribuindo para socavar a solidariedade com os palestinos. Seu ataque ao movimento BDS ao tachá-lo de seita é uma arrogância imperdoável que leva junto todas as marcas de um acadêmico frustrado. Finkelstein não apenas abandonou muito daquilo em que ela acreditava, mas espera que outros, inclusive os palestinos, venham a proceder de igual maneira.
Eu critiquei Finkelstein pela primeira vez após assistir a uma palestra sua para mil pessoas no Institute of Education em Londres, em 11 de novembro de 2011. Finkelstein passou a maior parte das duas horas destrinchando o ponto de porque deveríamos apoiar uma solução de dois estados. Foi só recentemente que uma entrevista com o ativista Frank Barat prévia a uma palestra veio à tona.
Minha primeira reação à entrevista foi achar que Finkelstein está sofrendo de uma crise da passagem da meia idade para a uma idade maior. Ele fala repetidamente sobre como ele dedicou sua vida à causa, como ele está ficando cansado e saturado. Numa parte de sua entrevista ele diz:
“Sim, o BDS tem algumas conquistas, mas o modo como as pessoas as promovem, como se estivessem a ponto da vitória, é pura bobagem – é uma seita. Estou cansado disto, Eu passei pela minha fase de seita. Eu era maoísta. Havia duas possibilidades em competição – Você podia ser maoísta/leninista e perder 20 anos de sua vida. Ou você podia trabalhar com o Ralph Nader e ter muitas leis aprovadas no Congresso. É bom que temos cintos de segurança e air-bags – Isso foi pelo Ralph Nader. Eu não vou participar de seitas novamente. Gurus em Ramala enviando ordens para marchar.”
Não dá para deixar de detectar um sentimento de que Norman Finkelstein crê que ele desperdiçou sua vida numa causa que não parece estar dando frutos. Em sua frustração, ele está se voltando a seus próprios seguidores e buscando por uma ou qualquer solução pragmática. Em sua juventude, Finkelstein era maoísta. O maoísmo colapsou sob suas próprias contradições. O que ocorreu com a política de Finkelstein não é coisa nova. Ele se tornou atraído por aquilo que ele julga imediatamente alcançável, daí ser Ralph Nader seu herói político consumado por ter conseguido que o Congresso aprovasse leis a favor do cinto de segurança. Uma questão importante, sem dúvidas, uma vez que eu pessoalmente testemunho que se não fosse por um cinto de segurança eu provavelmente estaria morto. Mas decididamente não é algo que signifique uma mudança para as ca racterísticas do mundo. Finkelstein tornou-se cínico da mudança revolucionária, que é o que a libertação palestina exige, e, ao invés disso, acredita que uma solução de dois estados, posta em vigor pela “comunidade mundial” é a única solução. Sustentada, logicamente, pela opinião mundial.
Finkelstein diz que “Se você for sério em política, você não pode ir além do que o público aceita, e isto é a lei internacional”. Aqui está seu erro mais importante, e realmente não importa se a propaganda palestina está de fato baseada numa exigência de que Israel cumpra a lei internacional. Os fracos geralmente olham para a lei em sua frustração. No entanto, ela raramente os serve bem, pois ela não foi gerada para ajudar os pobres e os destituídos de poder.
Israel não manda hoje sobre de 4 a 5 milhões de árabes palestinos porque o nebuloso conceito de “lei internacional” lhes outorgou permissão para isso. Como o próprio Finkelstein escreveu quando era um antissionista, “De fato, os sionistas mantêm-se desde muito cedo numa estratégia de “etapas” para a conquista da Palestina por partes – uma estratégia pela qual eles mais tarde iriam vilipendiar os palestinos.” Por exemplo, a Liga Anti-Difamação (ADL), uma organização sionista notória, reconhece que a maioria dos sionistas se concentraram em “criar fatos sobre o terreno: imigração, colonização agrícola da terra, uma economia de base judaica, etc.” Foi daí que vieram as leis, e não ao contrário.
Não havia nada na lei internacional que permitisse aos colonialistas invadir um país, apropriar-se da terra, expulsar o povo e instalar um estado com base no nacionalismo étnico do colonizador. A colonização ocorre pela força em todos os lugares, e desta é que vem a lei para regularizar a situação. Assim é com a lei internacional, a menos que a lei internacional seja, no melhor, um conceito nebuloso e fluido.
Uma das principais falhas da lei internacional, além do fato de que ela serve aos interesses do imperialista e não do colonizado ou ocupado, é que ela não tem nenhum mecanismo para forçar sua entrada em vigor. Quem vai levar os EUA à Corte Internacional pelo que fizeram no Iraque e no Afeganistão? Quem vai multar os EUA em bilhões de dólares? Quem vai processar George Bush e Tony Blair? Comparado com eles, Slobodan Milosevic era um santo. O que impede que a Corte Internacional em Haia emita uma ordem contra Bush e Blair? Bem, os EUA nunca ratificaram o tratado que estabelecia a Corte Criminal Internacional e não aceitam suas resoluções quando se referem a seus próprios líderes. Talvez esta seja a razão, mas ela não impede que a CCI persiga figuras menores que os líderes ocidentais.
A lei internacional é impotente contra os drones dos EUA que atacam o Paquistão. Não há nenhuma autoridade legal que permita que jogadores de computador em Nebraska exterminem famílias inteiras na fronteira noroeste do Paquistão. É o poder e somente o poder o que está no coração das relações de poder pelo mundo afora. No fim das contas, o capitalismo rege por meio da força bruta. E podemos ver como, mesmo nos EUA, quando banqueiros e capitalistas são desafiados, a polícia lança mão de força nua e brutal, como quando o grupo de Ocupantes recebeu jatos de pimenta diante das câmeras de todo o mundo em Oakland, California. É claro que a lei dá um semblante de autoridade e racionalidade para o ditado do capital. Ela legitima as ações dos EUA e aquelas do imperialismo ocidental, não menos por meio de seu instrumento, as Nações Unidas. Mas a ONU s ó pode atuar onde os EUA permitem que atue. Mas quando Israel viola a lei internacional ao transferir populações, ao explorar os recursos naturais dos territórios ocupados e colonizar a terra, os EUA vetam todas as resoluções que sejam críticas disso.
Dizer portanto que as Nações Unidas são a joia da administração da lei internacional é deixar de reconhecer que a ONU é um instrumento político à disposição dos EUA. Quando a Rússia e China vetam uma resolução sobre a Síria, o Ocidente dá voltas à procura de socavá-la com a introdução de forças especiais no país, armando as forças fundamentalistas do país, etc.
Da mesma maneira, o genocídio russo na Chechênia passou sem objeções pela ONU ou pela lei internacional. Há certamente algumas convenções internacionais, como a Convenção sobre a Criança, com respeito as quais os estados se uniram para concordar em um Protocolo sobre como lidar com certas situações sobre o rapto de crianças, mas isso não é colocado em vigor internacionalmente e sim pelas cortes de cada país.
A libertação nacional é o ato do próprio povo e não uma consequência da lei internacional. O apartheid da África do Sul não foi derrubado pela lei internacional, e a descolonização não ocorreu porque uma corte legal ordenou ao Ocidente que saísse de suas colônias. A emancipação é o ato das classes trabalhadoras e exploradas, não de advogados internacionais.
Assim que, quando Finkelstein diz “Tudo o que eu quero é colocar a lei em vigor. Não é complicado”, ele está errado. É muito complicado. E, além disso, a lei internacional não pode ser posta em vigor porque não há mecanismo para tal. A menos que Norman Finkelstein aceite que as forças militares dos EUA sejam o mecanismo de fato para tal posta em vigor.
Um dos maiores temas de Finkelstein é que “Você não pode ser seletivo com a lei.” Ele diz que “A lei é um pacote”, parte boa, parte ruim. Mas isto não é verdade. A lei é e sempre foi seletiva. Como diz um velho ditado:
Eles enforcam o homem, e açoitam a mulher,
Que rouba o ganso do lugar;
Mas fica solto o vilão maior
Que rouba o lugar do ganso.
A lei não é neutra nem está por cima da sociedade. Ela reflete e sempre refletiu o interesse das classes dominantes da sociedade, os poderosos e os ricos. Até mesmo na Grã-Bretanha é notável como os chamados golpes de benefício são demonisados e processados pelo estado com grande vigor. Diferentemente daqueles que roubaram milhões através dos bancos ou MPs que regem suas contas. A caça da raposa é ilegal, mas a polícia está mais interessada em processar os sabotadores da caça do que os caçadores. Seu interesse é ficar contra aqueles que ameaçam os interesses dos donos de propriedade que caçam e matam raposas como passa-tempo. Isto dá ênfase a que a lei na sociedade capitalista está preocupada não com os direitos humanos ou a justiça, mas com a proteção e os interesses dos dominadores. Podemos ver isso na indiferença da lei rendição extr aordinária. A tortura é ilegal, mas ela nunca floresceu tanto.
Norman Finkelstein cita o norte da Irlanda como exemplo de como um acordo de paz pode ser alcançado. Mas ele falou adiantado demais. As causas subjacentes do sectarismo e da divisão não terminaram. A partilha ainda está em questão, embora o unionismo tenha se enfraquecido por sua própria falta de importância estratégica para o estado britânico de hoje e sua fraqueza política e isolamento. Em resumo, ele sobrepassou sua utilidade. Há também um cansaço de guerra mas os problemas causados pela divisão da Irlanda permanecem para gerações futuras.
Norman Finkelstein diz que “O conflito tem sido sobre dois estados desde a partilha – Arafat falou sobre ‘negócios inconclusos’ de 1948”. Isto é bobagem. a Transjordânia anexou a Cisjordânia em 1948 em um acerto com os sionistas (ver Avi Shlaim em Collusion Across the Jordan). Embora a ONU tenha assinalado uma área, cerca de 46% da Palestina para um estado palestino, ela não tomou medidas para prover um mecanismo que fizesse valer a partilha, menos ainda para propiciar a internacionalização de Jerusalém. Portanto, era inevitável que a área designada para um estado palestino seria disputada por Israel e os estados vizinhos. Dois estados nunca estiveram na ordem do dia em 1948, muito menos agora. A ideia de dois estados foi criação de oportunistas da OLP, liderados por Arafat, que viam a solução para a Questão Palestina como uma rápida solução ‘diplomática’ para a crise palestina de 1973.
Em 1948, ¾ de milhão de árabes palestinos foram expulsos a fim de que se pudesse criar uma maioria judaica em Israel. O que Norman Finkelstein está dizendo agora é que o sionismo deveria ter sua vitória reconhecida. O problema é que os 1,5 milhão de árabes de Israel ainda estão sujeitos às mesmas forças de discriminação e opressão.
Norman Finkelstein diz que “Não há nada no consenso internacional que diga algo sobre a minoria palestina em Israel. Você quer arrastar aquela minoria e começar a falar sobre ela. Você não vai chegar a nenhum lugar. O mundo inteiro persegue suas minorias. Ou todo país do Oriente Médio”.
Enquanto que muitos estados têm problemas com minorias nacionais, Israel é um estado de seus cidadãos judeus e dos judeus do mundo todo. Nisto, ele é exclusivo. É uma etnocracia, um estado de apartheid. Sim, de fato muitos estados têm problemas com minorias nacionais, e frequentemente a separação, como no caso da Checoslováquia e os tamils de Sri Lanka. Mas em Israel os árabes não são uma minoria nacional, nada mais do que os judeus da Alemanha não eram uma minoria nacional. Eles são cidadãos israelenses, eles deveriam ter direitos iguais mas, ao invés disso, são tratados como convidados tolerados, um ‘problema demográfico’ e que deveriam ser expulsos quando a oportunidade certa surja. Isto é muito diferente de um problema de minorias nacionais. É sobre a purificação da raça. É por isto que Israel é exclusivo ao não ter uma nacionalidad e israelense. Há uma nacionalidade judaica, a qual inclui Norman Finkelstein e a mim mesmo. O conflito na Palestina não tem nada a ver com diferentes nacionalidades, e tudo a ver com a corrente política do sionismo, que trouxe à existência um estado baseado nos mesmos princípios que motivaram o antissemitismo europeu.
Por exemplo, na maioria dos estados ocidentais há em nível oficial uma tentativa de erradicar a discriminação racial direta e óbvia. Na Europa tem havido diretivas raciais e legislação individual com o objetivo de tornar ilegal a discriminação racial. É claro que às vezes os estados têm sido insinceros e todas as vezes seu comportamento têm estado, pelo menos até certo ponto, em conflito com sua posição declarada. Mas qualquer um que viva na Grã-Bretanha hoje sabe que o racismo interpessoal, por exemplo, nos estádios de futebol é ilegal e reprimido. Isto veio após o Relatório Scarman em começos da década 1980, o qual informava sobre as revoltas na Grã-Bretanha. O custo do racismo vai avaliado como alto demais. Contratemos isso com Israel, onde o estado e os partidos em seu interior competem para ser os maiores racistas. O estado introduz deli beradamente legislação abertamente racista. Uma lei de unificação que impede árabes israelenses de se casar com a pessoa de sua escolha, se são árabes, e continuar vivendo no país de seu nascimento. Ou a passagem da legislação The Community Standards Act (Ato dos Padrões Comunitários), o qual permite que comitês de atuais residentes vetem novos moradores que não se conformem às normas e práticas existentes nessas comunidades. Não é preciso ser um gênio para deduzir que isto é uma receita para a discriminação aberta contra os árabes e uma maneira de subverter a decisão da Suprema Corte de 2005, que diz que a Administração de Terras Israelense e o JNF não poderiam barrar não-judeus do arrendamento de suas terras. Em lugar de implementar esta decisão, os sucessivos governos vêm fazendo o máximo para subvertê-la. Em outras palavras, o governo de Israel faz o máximo para aumentar o racismo e, como vimos nos Palestine Papers, a Ministra de Exterior es Tsipi Livni negociando com a Autoridade Palestina com base na transferência de cidadãos israelenses árabes a qualquer dos novos bantustões que se estão formando. Um ponto sobre o qual Norman Finkelstein, em seu desejo de dois estados, se mostra esquecido. Fingir que o racismo israelense contra os árabes não tem nenhuma diferença dos de outros países é deixar de entender os imperativos e ditados do sionismo.
É por isso que Norman Finkelstein está errado em sugerir que o movimento de solidariedade é uma imagem de espelho da Autoridade Palestina. É marcante que, apesar de caracterizar a AP como uma “gangue de colaboracionistas corruptos e desprezíveis”, ele apoia a aspiração deles de criar um bantustão na Cisjordânia.
Norman Finkelstein insulta e caricaturiza o movimento BDS de “pequeno gueto” e de “seita”. No entanto, se isso fosse assim, seria improvável que Israel criasse uma lei que efetivamente criminaliza as chamadas ao boicote de Israel e dos assentamentos. O fato é que o BDS, à diferença de outras ações de solidariedade, pela primeira vez deixou os sionistas com o pé atrás. Ele socava e questiona a legitimidade do estado sionista e suas instituições de apartheid. E muito longe de ter conquistas que podem ser contadas nos dedos de duas mãos, o BDS vem causando enorme impacto.
Veolia acaba de sofrer a perda de um contrato de £500m em Londres Ocidental e está tratando de sair do projeto de ferrovia rápida de Jerusalém. A decisão dos sindicatos britânicos e irlandeses de apoiar o boicote indubitavelmente feriu o moral do estado israelense, e para nós a tarefa é transformar essas resoluções em realidade. O crescimento do boicote a supermercados é um reflexo do crescimento do apoio à Palestina, a despeito dos esforços de fazedores de leis internacionais de blindar o estado israelense. Uma cadeia completa de artistas e músicos, tais como Elvis Costello e Santana, têm apoiado o boicote cultural e se recusado a tocar em Israel. Outros têm desorganizado concertos israelenses em Londres. Nós até mesmo temos tido boicotes de grupos de dentro do próprio Israel.
Norman Finkelstein faz muito das resoluções da Corte Internacional de Justiça, que declarou que o Muro do Apartheid é ilegal. Ela também ditaminou que as fronteiras pré-1967 são as fronteiras legais de Israel. Mas Israel nunca definiu suas fronteiras. A normativa da CIJ, embora seja útil para fins de propaganda, vem sendo ignorada, sua normativa é totalmente redundante. Com efeito, suas normativas são consideradas recomendatórias. Assim que, quando Norman Finkelstein diz “Você quer implementar a proposta de um estado, não finja que você quer implementar a lei”, então nós temos de dar volta e dizer claramente que não estamos lutando para implementar nenhuma lei e sim para obter justiça para os palestinos, uma coisa muito diferente.
No entanto, Norman Finkelstein colocou seu dedo em certas áreas problemáticas para o movimento de solidariedade palestina. Há um apelo generalizado à lei internacional e aos direitos. Os palestinos e as organizações palestinas não são de esquerda ou grupos socialistas. Os palestinos são uma população de refugiados e não os rebentos de uma classe trabalhadora. Esta é uma fraqueza de grande peso dos palestinos em comparação com os negros da África do Sul. Na África do Sul os bancos e os capitalistas temiam que se persistissem em seu apoio ao apartheid poderiam colocar em risco o capitalismo como um todo. Outra fraqueza dos palestinos é que os brancos eram uma minoria na África do Sul, mas os judeus israelenses estão numa dura paridade com os palestinos de Israel e dos territórios ocupados.
O problema real que os palestinos enfrentam é que, comparados às massas negras em sua luta contra o apartheid, eles são incrivelmente fracos. Eles não têm nenhuma retaguarda, nenhum Moçambique ou Angola de onde operar. Eles não têm uma classe trabalhadora politicamente consciente. Eles têm um leste árabe que ainda é subserviente, a despeito da Primavera Árabe, ao imperialismo dos EUA. De fato, os EUA e seus aliados puderam subverter as revoluções, como na Líbia, ao patrocinar grupos particulares, geralmente fundamentalistas islâmicos.
Os direitos que as pessoas têm, até mesmo o direito do voto da mulher na Grã-Bretanha, foram obtidos não através da lei, mas por meio do desafio à lei existente. A melhor maneira de fazer uma boa lei é quebrando a lei ruim. É isto que o bom Professor Norman Finkelstein, com sua senhorial advertência aos palestinos de que ele não está preparado para desperdiçar o resto de sua vida, não entendem.
Norman Finkelstein diz que “Eu estou metido nisto há 30 anos, eu conquistei o direito de falar abertamente, e eu não vou tolerar posturas esquerdistas, infantilidades.” Deixando de lado que outros, incluindo a mim mesmo, vêm se dedicando ainda há mais tempo ao movimento, não é infantilidade ou postura esquerdista trabalhar para um boicote a Israel. O que fica mais evidente é uma virada à direita de Norman Finkelstein. Finkelstein confunde sua própria crise pessoal com aquela dos palestinos.
Logicamente, a luta palestina se enfrenta com problemas maiores em comparação com o movimento anti-apartheid de F. W. de Clerk. Lá, as forças de libertação eram conduzidas por um movimento, o ANC e o Partido Comunista. Os palestinos vêm sendo em sua maior parte conduzidos por colaboracionistas, fanáticos e opressores Wannabee. Não há grandes diferenças entre a AP em Ramala, que tortura os que estão sob seu controle, e o Hamas, que também tortura seus opositores. Tanto o Hamas como a AP se opuseram ao movimento contra Mubarak e reprimiram as demonstrações de palestinos. Mas por que deveríamos ficar surpresos? A Irmandade Muçulmana egípcia são os progenitores do Hamas. Ela é também a última cartada dos militares egípcios, e não de surpreender que somente tenha aderido às demonstrações contra Mubarak numa etapa bem avançada.
Não é surpresa que o Centro para o Retorno Palestino (Palestine Return Centre), que organizou a última gira de Finkelstein pela Grã-Bretanha, não tenha nada a dizer sobre o conteúdo da palestra de Norman Finkelstein ou de sua entrevista.
Sobre o movimento BDS e a política de Um Estado, Norman Finkelstein diz que “Eles estão sendo desingênuos. Três camadas, muito espertos – fim da ocupação, direito de retorno, direitos iguais para os árabes em Israel. Eles sabem que o resultado é o fim de Israel.”
É um ponto interessante, direitos iguais para os árabes em Israel significa o fim do estado israelense. Norman Finkelstein está correto e é aqui que reside o problema. Se direitos iguais e o direito de retorno dos refugiados palestinos significam o fim de Israel o que isto quer dizer sobre Israel? Por que deveríamos aceitar a continuação da existência de um estado baseado na iniqualidade? Especialmente quando a primeira coisa que ele fará é transferir sua atual população árabe para o novo bantustão palestino. Está claro que a maioria das pessoas não entende que a existência de Israel como um estado judeu significa a permanente iniqualidade dos árabes israelenses. Esta é uma das razões pelas quais o movimento de solidariedade deveria realmente explicitar-se em favor de um só estado.
Norman Finkelstein resume seu caso assim: “Vocês são muito espertos em sua seita. Aqui eles têm um caso – Eles só querem destruir Israel – Eu creio que eles estão corretos. Eu tenho um padrão. Posso defender minha posição em público? E não, posso defendê-la em minha seita?”
Norman Finkelstein foi atrapado por seu próprio passado em política maoísta e não consegue enxergar que em sua reação ele adota a linguagem dos sionistas. Ninguém que eu conheça sugere seriamente “a destruição” de Israel. Nem deveriam. A implicação é em si mesma de que a população será destruída ou dispersada. O que nós buscamos é a destruição ou derrubada do estado israelense. O povo de Israel, seus cidadãos judeus, são e deveriam ser bem-vindos a permanecer como cidadãos iguais, com direitos nacionais garantidos, tais como língua, cultura e religião. Mas as estruturas de apartheid criadas pelo próprio estado sionista devem ser eliminadas.
Norman Finkelstein também abandonou o apoio ao direito de retorno dos refugiados palestinos. Ele pergunta:
“Será que alguém do público achará razoável a exigência de que 6 milhões de palestinos voltem a um país com 1, 8 milhão de palestinos e 5 milhões de judeus?” Bem, colocando-se a coisa nesses termos, provavelmente não, mas não é essa a escolha. Se receberem a oportunidade de voltar, a maioria dos palestinos não a tomará. Provavelmente, eles vão preferir ficar onde estão, mas eles deveriam ter o direito de voltar caso queiram fazê-lo.
Norman Finkelstein até alega que apoia o BDS, embora seja difícil entender o porquê, mas “até que eles sejam explícitos quanto a seus objetivos e isto tem de incluir o reconhecimento de Israel…” Quando eu escutei o Norman Finkelstein falar pela primeira vez, há cerca de 4 anos, na Universidade de Sussex, ele deu a melhor explicação que eu já tinha ouvido sobre as origens do sionismo e de como ele não era nada complicado. Norman Finkelstein é um orador clínico e metódico, ainda que ele tenha a tendência de se repetir.
É uma lástima que ele agora tenha sucumbido ao derrotismo e ao desespero. Além de tudo, não é seu direito e quando ele ataca o movimento BDS é imperdoável. Norman Finkelstein diz que “Não é um acidente fortuito que o BDS não menciona Israel. Isso dividiria o movimento. Há um grande setor que deseja a eliminação de Israel.” Deixando de lado a caricatura “eliminar Israel”, ele está certo em seu sentido de que há desacordo entre os apoiadores do BDS quanto à política de dois estados ser uma solução viável. Mas, e daí?
A maioria dos defensores de dois estados são amigos vacilantes e frequentemente motivados pelo desejo de preservar uma maioria judaica em Israel. Mas a política de Dois Estados está baseada em defender uma solução imperialista par a Questão Palestina por meio de um reajuste de fronteiras e a imposição de um bantustão palestino. Mas, eu concordo, a clareza política é importante. A Linha Verde não ao menos existe nos mapas israelenses. Já existe um único estado. O problema é que são negados à metade de seus habitantes seus direitos democráticos mais elementares. Aqueles que propagam ilusões sobre uma solução de dois estados estão, conscientemente ou não, ajudando a prolongar a agonia dos que vivem na Cisjordânia e em Gaza.
A rota pela qual Norman Finkelstein está viajando foi traçada pelo sionismo. Ele diz “Se nós pusermos fim à ocupação, se trouxermos de volta 6 milhões de palestinos e se tivermos direitos iguais para árabes e judeus, não haverá Israel. É sobre isso que é a questão, e você acha que está enganando alguém?”
Se direitos iguais para árabes e israelenses significam o fim de Israel é porque Israel por sua própria natureza está baseado em discriminação racista, então a maioria das pessoas concordariam de que o Israel na maneira como está constituído atualmente deve acabar. É claro que isto também significa desfechar um golpe aos sectários do lado palestino. Hamas é uma organização islâmica, não pode tornar-se uma organização de libertação nacional. Hamas e o Islã Político são um reflexo do sionismo e do imperialismo e não seus adversários. Mas também é necessário colocar Israel em perspectiva. Ele não é apoiado pelos EUA por causa de um amor pelos judeus ou culpa pelo holocausto, mas porque Israel é o principal cão de guarda e base do imperialismo na região. Sobre o papel de Israel no Oriente Médio Norman Finkelstein, em sua fase pós-maoà sta, nada tem a dizer.
Como Finkelstein diz, “Eu tenho 58 anos, eu dei minha vida à causa e não vou ser joguete de ninguém. Já perdi a paciência com isso.” É um fato que as pessoas, mesmo Norman Finkelstein, podem se queimar e até serem perdidas para o movimento. A atual posição de Norman Finkelstein é daquelas de uma curiosidade histórica, uma relíquia de batalhas passadas. Seus livros são relevantes pelo que Finkelstein costumava crer e não pelo que ele prega atualmente. Norman Finkelstein hoje é um urso de espetáculo, dançando com as melodias do imperialismo enquanto as letras antigas permanecem ser serem cantadas.
ADENDO
Eu não tinha visto o artigo de Jewish Chronicle quando postei isto. Embora os sionistas tratarão de usar qualquer debate ou desentendimento dentro do movimento de solidariedade com a Palestina para seus próprios fins, tendo visto como manipularam meus próprios artigos em numerosas ocasiões, eu não creio que devamos abandonar o debate vigoroso. O ataque de Finkelstein ao BDS e ao movimento mais amplo é uma arrogância imperdoável. Ele deve ter tido ideia de como isso seria usado, e se o portal Lenin’s Tomb estiver correto, ele tentou parar a circulação deste vídeo daninho. Entretanto, isso não é desculpa para seus odiosos ataques e sua condescendia com aqueles que discordam dele.
Versão em português: Jair de Souza.
As polêmicas declarações de Norman Finkelstein
Parte 1
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Parte 2
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Legendas: Jair de Souza.