Por Almir Albuquerque.
Somos condicionados a acreditar desde sempre que vivemos no melhor dos regimes de poder — o democrático — onde uma gama de partidos políticos disputam em relativo pé de igualdade os corações e mentes dos eleitores, em oposição aos regimes “totalitários” de Coreia do Norte e Cuba, por exemplo. Será verdade?
Muitos partidos, uma só ideologia
Quando um país apresenta um regime político baseado em um partido político apenas, trata-se de um unipartidarismo; dois partidos antagônicos com propostas diferentes para dirigir o país, podemos afirmar que se trata de um bipartidarismo legítimo; vários partidos políticos de tendências diversas e alternância de poder são características de um pluripartidarismo, que é, supostamente, uma das vantagens do sistema democrático.
Mas quando este mesmo pluripartidarismo apresenta uma alternância entre alguns poucos partidos que revezam entre si no poder, com pouquíssimas diferenças de conduta e que na verdade seguem uma mesma linha ideológica na política e na economia, não podemos afirmar que trata-se de um sistema que disfarça a hegemonia de uma vertente política sobre as demais?
Criando dificuldade para correntes divergentes da ordem
Existem várias maneiras de se alijar a participação política no poder de partidos políticos indesejáveis para camadas das classes dominantes e sua democracia liberal-burguesa.
Uma delas é a proibição pura e simples de que existam. Foi o que aconteceu, por exemplo, no governo de Getúlio Vargas, que durante o Estado Novo instituiu o bipartidarismo, com o verdadeiro intuito de não permitir a legítima participação política das classes trabalhadoras através de partidos representativos de seus interesses; outra maneira é através do unipartidarismo oficial, como no caso dos partidos comunistas, que assumem claramente essa característica sem maiores problemas.
Mas existe ainda uma outra forma, mais dissimulada, mais disfarçada de se implementar um regime hegemônico. Um regime que tem cara de democracia, jeito de democracia… mas que não é democracia. É o caso de Brasil e Estados Unidos e seus regimes “pluripartidários”.
Polarização não de opostos, mas de convergentes
Poucas pessoas duvidariam de classificar Brasil e Estados Unidos como países onde imperam as normas de uma razoável democracia. Ambos apresentam uma série de partidos políticos registrados — o Brasil, por exemplo, possui 33 — eleições regulares, sufrágio universal, etc. O problema é que, assim como já ocorre nos EUA há séculos, de uns tempos para cá o Brasil vinha sofrendo de uma polarização forçada entre dois partidos políticos que representam uma mesma linha, uma mesma conduta política: PTe PSDB.
Qualquer semelhança com os partidos Democrata e Republicano estadunidenses não deve ser encarada como uma mera coincidência.
Fica claro perceber que essa situação afeta diretamente a escolha livre dos cidadãos eleitores de ambos os países. Quando esse eleitor está em dúvida e procura na mídia informações sobre candidatos a presidente da República, por exemplo, só vai encontrar informações sobre A ou B, os hegemônicos da vez. Todos os outros desaparecem do debate político. O que é uma outra forma de excluir partidos políticos sem ter que cassá-los.
Alguém poderia argumentar que esta polarização entre PT e PSDB se deu de forma espontânea pelo eleitorado brasileiro. Eu chamaria essa pessoa de iludida ou ingênua.
Esse sistema de influência que a mídia exerce já é bastante conhecido no Brasil. Em 89 ela inventou Collor, até então um ilustre desconhecido governador de Alagoas; em 92 o tirou do poder, ao incentivar aquela coisa patética do movimento dos Caras Pintadas; em 94 ela inventou o FHC, um sociólogo que ganhou notoriedade com o controverso Plano Real, no qual pegou carona; e em 2002, tendo em vista o fracasso retumbante do neoliberalismo tucano, foi obrigada a aturar o operário que ela não queria em 89, 94 e 98, mas que veio para oxigenar o executivo brasileiro e apaziguar as massas, já corroídos pela desconfiança e pela desilusão dos 8 anos desastrosos de FHC, depois de assumir compromissos com o grande capital.
Fim do “bipartidarismo” brasileiro?
Agora as elites brasileiras e seus políticos derrubaram Dilma e o PT do executivo federal, abalando a hegemonia do partido. As últimas eleições depois do Impeachment indicaram o enfraquecimento do PT, mas não o fortalecimento do PSDB, seu antagônico tradicional. Em ascensão está o PMDB, que, no entanto, encampou a cartilha neoliberal tucana de corpo e alma, mantendo intocados os preceitos da ordem política e econômica no Brasil.
Tudo indica que, nas próximas eleições presidenciais, a mídia empresarial dominante vai manter o foco em dois concorrentes, agora ainda mais parecidos: PMDB e PSDB.
A ascensão de uma vertente crítica de oposição ao modelo hegemônico, seja de esquerdaou uma “terceira via”, representada por Ciro Gomes do PDT ou Marina Silva da Rede, respectivamente (dificilmente Lula terá condições de se candidatar pelo desacreditado PT), sofrerá para emplacar sua candidatura.
O resultado de tudo isso é que a democracia e sua característica marcante, qual seja, a alternância de poder de acordo com a vontade do povo, fica extremamente prejudicada pelo que eu venho chamando de bipartidarismo de partido único: com o apoio dos meios de comunicação, dois partidos siameses, PSDB e, agora, PMDB, que tocam na mesma cartilha – salvo um item diferente aqui ou ali – se alternam no poder, enquanto os demais partidos e suas respectivas propostas são alijados do cenário político de forma não oficial, mas tão contundente quanto qualquer sistema unipartidário oficial.
Desde que conseguiram concretizar sua visão de mundo e seu modo de produção, derrubando o Antigo Regime e implementando a democracia de viés burguês-liberal, não obstante as conquistas políticas pontuais dos socialistas desde meados do século XIX e início do século XX, os capitalistas naturalmente acabariam impondo a sua política e suas regras faceiras, que são as mesmas em que vivemos hoje, onde um(a) candidato(a) indesejável pode simplesmente ser destituído do poder através de golpes militares ou subterfúgios ridículos como os levantados para o Impeachment de Dilma Rousseff.
Quando o povo, vez ou outra, consegue romper este sistema que foi desenhado para favorecer os herdeiros das oligarquias e das revoluções burguesas aliadas e chegar ao poder, defendendo um modelo mais voltado para os interesses da maioria, como chegou na Venezuela, na Bolívia e no Equador, por exemplo, é simplesmente massacrado com ataques verbais e ameaças.
Se este nosso sistema fosse realmente democrático, suas elites aceitariam os governos progressistas da América Latina, legitimamente eleitos pelo voto popular, como mais uns entre tantos outros possíveis no contexto da autodeterminação, em vez de criticarem os projetos sociais destes governantes.
Está provado que “democracia”, para as elites governantes de Brasil e EUA, só é democracia se for a deles, de viés elitista, corrupto, desigual e desumano, sob a qual vivemos. Também é indispensável, para esta nossa democracia, apresentar uma imagem falsa de pluripartidarismo, onde muitos partidos supostamente convivem e disputam o poder de forma igualitária, quando na verdade apenas dois – apenas um pegaria mal, pois isso é coisa de “totalitaristas” – de fato exercem o poder e tocam os mesmos projetos em benefício deste ente chamado Mercado.
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Fonte: Panorâmica Social.