Por José Eustáquio Diniz Alves.*
“O progresso é impossível sem mudança. Aqueles que não conseguem mudar as suas mentes não conseguem mudar nada” George Bernard Shaw
Não há mais como esconder que a estagflação da economia brasileira é real, está causando muitos danos e vai gerar mais sofrimento nos próximos anos. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil teve queda de 1,9% no segundo trimestre de 2015 contra o trimestre anterior e de 2,6% na comparação com o segundo trimestre de 2014. A cada semana, o boletim Focus do Banco Central aumenta o tamanho da recessão do biênio do segundo mandato da atual gestão do governo federal.
A crise vai se prolongar, pois, além do grande tompo de 2015, o ano de 2016 deve ser o segundo ano consecutivo de recessão. Com os enormes déficits no orçamento público e em transações correntes (mais a incapacidade do governo de governar e do legislativo de legislar) a crise deve ir longe, indicando um nova década perdida, pois estamos caminhando para a maior crise da história brasileira. O Brasil está numa armadilha fiscal, pois não consegue cortar gastos e nem aumentar impostos, enquanto os juros sobem e aumentam o déficit nominal. Recessão com aumento de juros é uma política que não está prevista nos manuais de economia.
A situação atual constrata com as altas taxas de crescimento do século XX, quando o Brasil apresentou uma das mais elevadas taxas de crescimento econômico e demográfico do mundo. A população brasileira era de 17,4 milhões de habitantes em 1900 e deve chegar a 206 milhões de habitantes em 2016, segundo as projeções do IBGE. Isto quer dizer que houve um crescimento demográfico de 11,8 vezes em 116 anos, o que representa um aumento de 2,2% ao ano.
No mesmo período, a economia brasileira cresceu 184,6 vezes, o que representa um aumento de 4,6% ao ano, segundo a série histórica de crescimento do PIB do IPEA e atualizado pela nova série de cálculo das Contas Nacionais, divulgada pelo IBGE, em março de 2015 (e considerando um variação do PIB de -3% em 2015 e -1,5% em 2016).
A renda per capita brasileira cresceu 15,6 vezes em 116 anos, o que representa 2,4% ao ano, no período. O FMI projeta uma renda per capita (em poder de paridade de compra – ppp) de US$ 16,2 mil em 2016. Ou seja, se o Brasil mantivesse o mesmo desempenho do passado, nos próximos 116 anos, poderia se tornar uma das nações mais ricas do mundo no século XXII. Porém, há diversos sinais que isto não deve acontecer.
O gráfico acima mostra as taxas anuais de crescimento do PIB entre 1901 e 2016 (linhas azuis) e a média móvel de oito anos – octênio (linha vermelha). A economia brasileira apresentou resultados negativos na primeira metade do século XX nos seguintes anos: 1902, 1908, 1914, 1918, 1930, 1931, 1940 e 1942. O único biênio de recessão foi em 1931 e 1932. Na segunda metade do século XX houve declínio do PIB nos anos de 1981 e 1983 (governo Figueiredo), pequena recessão em 1988 (governo Sarney) e outra enorme recessão em 1990 e 1992 (governo Collor). No século XXI houve uma pequena recessão em 2009 (governo Lula) e está previsto uma nova recessão no biênio 2015 e 2016 (governo Dilma). Só duas vezes na história, deste período de 116 anos, houve recessão por dois anos consecutivos.
Considerando a média móvel de 8 anos, em todo o período, o atual octênio (2009-2016) deve ser o que apresenta o pior resultado, seguido pelo octênio que cobre os governos Sarney e Collor. Todos os octênios entre 1901 e 1987 apresentaram crescimento médio anual acima de 2,9% ao ano. Até hoje, o pior octênio tinha sido o de 1987-1994 que apresentou crescimento médio de 1,56% ao ano. Todavia, se as previsões estiverem aproximadamente corretas (PIB de -3% em 2015 e de -1,5% em 2016) o octênio 2009-2016, com crescimento médio anual de 1,37%, será aquele de pior desempenho dos últimos 116 anos.
Segundo as projeções do IBGE, a população brasileira era de 193,5 milhões de habitantes em 2009 e deve ficar com 206 milhões em 2016, o que representa um crescimento de 0,8% ao ano no octênio em questão. Assim, o crescimento da renda per capita deve ficar em 0,6% ao ano, bem abaixo da média histórica de 2,4% nos 116 anos considerados. Neste ritmo, a renda per capita só dobraria em um espaço superior a 100 anos (sendo que no século XX a renda per capita brasileira foi multiplicada por um fator de 12,3 vezes).
Mas o quadro é ainda mais grave, pois no último sexênio (2011-2016) o crescimento do PIB ficou em 0,64% ao ano, abaixo do crescimento populacional. O Brasil deve ter redução da renda per capita entre 2011 e 2016 (como veremos em outro artigo). Ainda mais agravante, no último quinquênio (2012-2016) o crescimento do PIB deve ser nulo, enquanto o crescimento populacional deve ficar em 0,8%. Ou seja, vai ocorrer decrescimento acentuado da renda per capita no quinquênio entre 2012 e 2016.
De fato as condições macroeconômicas do país não são favoráveis. A inflação está bem acima do limite superior da meta do Banco Central. A dívida pública está crescendo em ritmo alarmante. O governo não consegue gerar um superávit primário para pagar parte do déficit nominal. A carga tributária brasileira já está em níveis elevadíssimos. O déficit em transações correntes deve cair um pouco este ano de 2015, mas ainda está em um montante que exige grande aporte de capital externo. O Brasil já perdeu o selo de bom pagador pela Standard & Poor’s e está no rumo de perder o grau de investimento em outras agências, o que deve dificultar a capitação de recursos externos. O endividadmento das empresas brasileiras em dólar é alarmante. A subida do dólar pressiona a inflação que pressiona os juros. Todo o ambiente econômico aponta para uma recessão e o agravamento do desemprego, com um colapso da população ocupada no mercado de trabalho. As exportações poderiam ser o caminho para ativar a atividade produtiva, mas a crise internacional e a queda do preço das commodities está fazendo o valor das exportações cairem de US$ 256 bilhões em 2011 para algo em torno de US$ 190 bilhões em 2015. Cai, conjuntamente, a taxa de investimento, as expectativas dos empresários e o nível de confiança dos consumidores.
Nos primeiros 87 anos do século XX todos os octênios tiveram média acima de 2,9% (como visto), sendo que os octênios de 1968-75, 1969-76 e 1970-77 apresentaram crescimento médio anual de 10%. Contudo, nas últimas 3 décadas, houve 7 octênios com crescimento médio anual abaixo de 2% e apenas 2 octênios com média de crescimento pouco acima de 4%. Sem querer ser pessimista, pode ser que o octênio que vai 2011 a 2018 apresente crescimento, de forma inédita, abaixo de 1% ao ano.
Assim, antecipando o fim do bônus demográfico, parece que o Brasil está flertando definitivamente com o baixo crescimento. Além da crise do mercado de trabalho, o país tem aumentado as dívidas gêmeas (interna e externa) e entrado numa situação de baixa produtividade permanente dos fatores de produção. Isto inviabiliza qualquer tipo de recuperação que não seja “vôo de galinha”.
O Brasil está na situação em que os economistas chamam de “Dominância fiscal”. É um quadro em que o desarranjo das contas públicas se auto-alimenta e as políticas monetárias e de renda perdem a capacidade de conter a inflação via aumento dos juros. Aliás, os juros altos só agravam as finanças públicas, aumentando valor da dívida e tornando ineficazes as propostas de ajuste fiscal. Ou seja, o Brasil entrou em uma situação de “déficit primário crônico” e como não possui governança para mudar a situação, a crise econômica tende a se agravar. Segundo Nouriel Roubini (FSP, 13/10/2015): “O Brasil está a beira do precipício”.
Por tudo isto, os brasileiros já estão assistindo a inesperada interrupção do crescimento econômico de longo prazo – caindo na estagnação do rendimento per capita – muito antes de ficar rico e ter uma estrutura etária envelhecida. Ou dito de outra forma, no ritmo atual, o país pode ficar preso na armadilha da renda média ou entrar em um período de submergência, apequenamento e empobrecimento. O Brasil, considerando os padrões internacionais, poderá jamais superar a condição de nação subdesenvolvida, carente e tristemente desigual em termos sociais.
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte: EcoDebate