O peso das correntes que nos prendem

Por Maurício Mulinari, para Desacato.info.

Rosa Luxemburgo, grande revolucionária alemã do início do século XX, vaticinava que “quem não se movimenta não sente o peso das correntes que o prendem”. Vivemos mais um capítulo da guerra de classes brasileira no último dia 19 de fevereiro, a mais recente greve geral convocada por parte das centrais sindicais do país. Apesar do esvaziamento dos atos pelo Brasil (fato que não ocorreu em Floripa, onde tivemos um dia de excelentes atividades políticas), a classe trabalhadora continua em movimento, sentindo o peso de suas correntes e , certamente, criando a consciência da necessidade de rompê-las.

A guerra de classes já está em curso há longa data. Desde que os preços dos produtos de exportação da economia brasileira despencaram a partir de 2011, começamos a sentir os efeitos da crise capitalista que já estava em pleno vigor em outras partes do mundo desde 2008. A crise do capital se apresenta quando capitalistas já não conseguem atingir uma taxa de lucro necessária para reproduzir sua estrutura de capital fixo, remunerar com fartura seus acionistas e manter o luxo de suas vidas privadas. Não tem relação alguma com os trabalhadores, que tanto no período de crise quanto no de bonança, são brutalmente explorados. Entretanto, quando estoura a crise baseada na queda da taxa de lucro, o capital sabe muito bem de onde tirar a sua recuperação: do sangue, suor e lágrimas da classe trabalhadora.

Ampliar a taxa de exploração e intensificar o assalto contra o Estado, eis a forma clássica de recuperar as taxas de lucro. Em uma crise poderosa como a atual, esse recurso é utilizado com maior agressividade, configurando uma guerra de classes contra o povo. Aumento do desemprego, piora nos salários, retirada de direitos trabalhistas, privatizações, destruição da previdência pública, tudo entra na pauta da classe dominante. Em tempo recorde, iniciado com o ajuste fiscal de Dilma e radicalizado por Michel Temer, a classe trabalhadora brasileira e, principalmente, parte expressiva de suas lideranças, presenciou a queda de todas as ilusões que até então lhes anestesiavam. Se antes, no Brasil dominado pelos magos do marketing, chegou-se a acreditar na ideologia nefasta do país da nova classe média, rapidamente nos defrontamos novamente com o Brasil real, aquele do profundo drama e sofrimento da maioria do nosso povo.

“Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.” Marx já apontava com toda sua lucidez para a natureza desses momentos. Enquanto que antes a política do país era regida pela ilusão do fim ou redução do conflito social, que ficava quase que oculto, agora vivemos em plena guerra de classes, a primazia do conflito que salta aos olhos. Caem as ilusões e os sujeitos políticos honestos são obrigados a verdadeiramente encararem a sua posição social diante do mundo capitalista. Se antes a política da classe trabalhadora era hegemonizada pelo falso e enfadonho discurso de que estávamos nos transformando em um país desenvolvido, agora estamos em pleno front de batalha, sentindo na pele o peso das correntes que nos oprimem.

A guerra aberta, no entanto, impõe a resistência e a reação. Até mesmo os setores mais refratários ao movimento são lançados para a luta. Começamos a reagir, nos mobilizamos, mas ainda não temos as forças suficientes para romper todas as correntes. Alguns, cansados ou desinteressados, vão ficando pelo caminho. Mas, aqueles que permanecem, ao perseverar, ao não deixar de se movimentar, passam a melhor entender o processo em que estão inseridos, aprendem na marcha a decifrar os intrincados labirintos da política. Passam a entender o papel primordial da organização coletiva e saem em busca de recrutar mais soldados para as batalhas. O exército vai ficando mais forte, das derrotas tiramos aprendizados, todos adquiridos no calor do conflito.

Do outro lado, a classe dominante também bate cabeça, perdendo a governabilidade diante em um país em ebulição social. Não podemos parar, o domínio capitalista se degenera e abre brechas para a ruptura social. A guerra, por sua vez, é feita de ciclos de tensão e repouso, sendo a agitação sempre crescente. Nos momentos de tensão, lutamos com as forças que temos, nos momentos de repouso, nos organizamos para ampliar nossas forças. Se a classe dominante nos joga de volta às condições de vida que tínhamos no início do século XX, que reinauguremos o que houve de mais grandioso naqueles tempos: a era das revoluções, do rompimento das correntes.

[avatar user=”Mauricio Mulinari” size=”thumbnail” align=”left” link=”file” target=”_blank” /]Maurício Mulinari é economista no Dieese de Santa Catarina.

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