Por Cauê S. Ameni.
Nos primeiros dias de 2017, o presidente Michel Temer voltou as baterias do governo para as pastas responsáveis pela reforma agrária e políticas para indígenas. As nomeações e as medidas propostas pelo governo, visando saciar a fome por cargos das cúpulas do PMDB e do PSC e buscar apoio da bancada ruralista no Congresso, dão uma guinada na condução do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
UM GRILEIRO NO INCRA?
No dia 10 de janeiro, Clóvis Figueiredo Cardoso, presidente do diretório do PMDB em Cuiabá (MT), assumiu a direção do Incra. Em 2008, ele se tornou réu, acusado de irregularidades em sua primeira passagem pelo órgão, no Mato Grosso. O escândalo ocorrido entre 1988 e 2000 ficou conhecido no estado como “a farra com terras da União”.
Segundo o MPF, o novo diretor do Incra foi apontado como pivô de um esquema que fraudava a desapropriação de terras no município de Confresa, a 930 km de Cuiabá. Na época, pelo menos sete processos de desapropriação de fazendas foram investigados. Ao todo, 30 pessoas foram condenadas – mas Cardoso não.
Questionado pelo site Poder360, Cardoso disse que a ação não teve o mérito julgado e prescreveu.
Segundo o MST, a indicação de Cardoso é fruto da articulação dos deputados federais Carlos Bezerra (PMDB-MT) e Valtenir Pereira (PMDB-MT) com Eliseu Padilha (PMDB-RS), ministro-chefe da Casa Civil. Os deputados integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que defende o agronegócio.
Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, viu a nomeação com preocupação: “Para continuar a paralisia da obtenção de terras é nomeado novo diretor envolvido em escândalo de negociata de latifúndio. Por isso o MST vê com preocupação esse loteamento do Incra, agora sendo ocupado pelos ruralistas e seus agentes de negócios.”
ESTÍMULO À GRILAGEM
O enfraquecimento dos objetivos do Incra não para por aí. No fim de dezembro, o governo publicou no Diário Oficial a Medida Provisória 759. O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil, Patrus Ananias (PT-MG), chamou a atenção para os perigos da municipalização da reforma agrária: “A nossa história demonstra que a grande força contrária a reformar o campo sempre foi a das oligarquias rurais locais, costumeiramente ligadas aos poderes políticos locais. E este é o sentido de nacionalizar o tema, para se levar a sério uma reforma agrária”.
A proposta também não dialogou com as grandes entidades de camponeses e trabalhadores rurais, como Contag, Contraf, MST, CNS e Conaq. Ananias disse ainda que ela descaracteriza as Leis 11.952/09 e 8.666/93, borrando as fronteiras entre os agricultores familiares – que através do Programa Terra Legal regularizam suas terras – e os grileiros e desmatadores ilegais.
O presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, também denunciou na Folha, no artigo “O golpe e a reforma agrária“, as novas regalias aos latifundiários e especuladores. Segundo o engenheiro agrônomo, a medida atende a “antiga demanda dos ruralistas pela antecipação da emancipação dos assentados”, sem levar em conta o abandono, pelo próprio governo, de grande parte dos assentamentos. “Com isso, atiçou a cobiça pelos mais de 80 milhões de hectares obtidos pela reforma agrária”.
MINISTÉRIO DA SAÚDE DRIBLA FUNAI
No dia 12 de janeiro o Ministério da Justiça anunciou a nomeação de Antônio Fernandes Toninho Costa – dentista, pastor evangélico e assessor parlamentar do PSC – para presidente da Funai. O pastor Antônio, como é conhecido na Primeira Igreja Batista no Guará, já ocupava o cargo interinamente havia sete meses, após a exoneração do ex-senador João Pedro Gonçalves (PT-AM).
A nomeação foi feita ás pressas. Segundo informou a Globonews, ela foi feita 24 horas após Temer saber que a Funai estava sem um presidente efetivo, durante reunião em que discutia a retomada de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ao saber que algumas das obras estavam paralisadas e inacabadas por causa da demarcação de terras indígenas, Temer exigiu que o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, resolvesse a questão.
Desde maio de 2016, Costa trabalhava como assessor parlamentar do PSC na Câmara dos Deputados, na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência. A comissão tem como presidente e vice-presidente dois deputados do PSC, Victório Galli (PSC-MT) e Eduardo Bolsonaro (PSC-SP). Entre os integrantes está ainda o deputado Marco Feliciano (PSC-SP).
Costa trabalhou na Missão Caiua, conveniada com o Ministério da Saúde. Apresenta-se como especialista em saúde indígena. Por meio dos convênios com o Ministério da Saúde as igrejas vêm driblando a estratégia da Funai, que desde 1991 (quando expulsou as missões religiosas das terras indígenas) não realiza convênios com igrejas.
Um levantamento realizado pela Associação de Missões Transculturais mostra que a maioria dos missionários em missões evangélicas é batista, informa reportagem do jornalista Felipe Milanez na revista Rolling Stone.
MILITARIZAÇÃO E DESMONTE
O partido presidido pelo Pastor Everaldo Nascimento (PSC-RJ), acusado pela Policia Federal de pedir dinheiro de origem ilícita a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu emplacar outro nome na Funai: o general do exército Franklimberg Ribeiro de Freitas, também evangélico, como novo Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável.
Franklimberg assumiu a diretoria no lugar de Arthur Nobres Mendes, funcionário de carreira da Funai, que presidiu a Funai interinamente até setembro. Mendes foi demitido por decisão de Alexandre de Moraes após emitir uma carta de repúdio contra as ofensas aos povos indígenas durante o encerramento dos jogos Paraolímpicos no Rio 2016.
O desejo de colocar um militar na pasta vem desde 2016, quando consolidou-se o novo governo pós-impeachment. Na época, o PSC já tinha tentado indicar o general Franklimberg à presidência da Funai, mas a reação das lideranças indígenas freou a indicação. Em seguida, o PSC indicou o general filiado ao PSC Roberto Sebastião Peternelli Junior. Nova reação de lideranças indígenas fez o Planalto novamente recuar. Diante disso, o Ministério da Justiça decidiu procurar “outro perfil”.
A entrega da presidência e diretoria da Funai para evangélicos é estratégica. Em texto publicado na CartaCapital, Milanez explicou por que o PSC investe tanto na pasta: “É onde se definem investimentos em parcerias (como ONGs ou missões religiosas) e, sobretudo para os interesses econômicos por trás do golpe, é onde se operam os licenciamentos ambientais.”
Em entrevista à agencia Amazônia Real, Nara Baré, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), afirmou que o governo Temer está colocando a Funai contra os indígenas. “Não vamos permitir que nosso próprio órgão indigenista, que existe para proteger e promover nossos direitos, venha contra nós”, disse.
O líder indígena Ailton Krenak, disse ao G1 que o principal problema está nas emendas, mais do que nos cargos. “O governo não respeita a Constituição, não implementa as obrigações que o Estado tem com as terras indígenas. Fica fazendo terrorismo o tempo todo, ameaçando tirar atribuição do Executivo, e entregar para o Congresso, do que é terra indígena e do que não é.”
Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudiou a militarização e o desmonte do órgão indigenista. Lembrou que o PSC faz parte do batalhão de parlamentares que compõem a CPI da Funai/Incra e apresentou o projeto de lei do infanticídio (PL 1057/07), que, sob o pretexto de combater o infanticídio, criminaliza os povos indígenas. Segundo Felipe Milanez, para favorecer missões proselitistas que atuam nas aldeias.
AS INVESTIDAS DO MINISTRO DA JUSTIÇA
Em outra frente, Alexandre de Moraes tentou enfraquecer o papel da Funai no processo de demarcação de terras indígenas por meio da portaria nº 68 do Ministério da Justiça. Movimentos indígenas e juristas reagiram e o Ministério Público Federal (MPF) pediu a revogação da portaria, por considerá-la inconstitucional. Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA), o subprocurador-Geral da República Luciano Mariz Maia disse que o objetivo da portaria não é assegurar certeza e segurança jurídica para as demarcações, “mas assegurar que elas não se realizarão”.
Após o embate, o governo revogou a portaria, mas manteve a criação de um Grupo Técnico Especializado (GTE) para tratar dos processos de demarcação. Juliana de Paula Batista, advogada do ISA, avaliou que a medida dá ao GTE o poder de modificar os estudos conduzidos pela Funai e interferir politicamente nas análises técnicas: “Com essa sucessão de atos, o governo mostra a total falta de compromisso com a obrigação legal do Estado brasileiro de demarcar Terras Indígenas”.
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Fonte: De Olho Nos Ruralistas.