O parasita monstruoso que os trabalhadores brasileiros sustentam. Por José Álvaro Cardoso.

Por José Álvaro Cardoso.

No começo da pandemia, ainda em março, o governo Bolsonaro, se negava a conceder qualquer tostão de benefício para os trabalhadores que tiveram seus empregos abatidos pelas crises (econômica e sanitária). Ao mesmo tempo em que se negava a conceder qualquer coisa aos famintos, o governo editou rapidamente a MP 927, ainda em 22 de março, que previa o repasse aos banqueiros no montante de R$ 1,2 trilhão. Esta deve ser uma das maiores transferências de dinheiro público ao setor privado, da história do país.

Teoricamente, esses recursos seriam emprestados ao setor privado a juros mais baixos, visando melhorar as condições de investimento do setor produtivo. Mas qual o sentido de o governo subsidiar os banqueiros privados, para que estes disponham de mais recursos para a concessão de empréstimos, tendo a estrutura de bancos públicos federais (Banco do Brasil e e Caixa Econômica Federal)?

Este dinheiro todo foi colocado no sistema financeiro sem nenhuma contrapartida social. Por exemplo, os bancos estão demitindo fortemente há anos, trocando trabalhadores por tecnologia, apesar dos lucros exorbitantes. A injeção dos recursos poderia ter, no mínimo, como contrapartida, a estabilidade no emprego para os bancários. Os banqueiros representam neste momento o segmento mais capitalizado da burguesia: o lucro líquido dos 4 maiores bancos do Brasil com ações na Bolsa (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander) cresceu 18% em 2019, na comparação com o ano anterior. Os ganhos acumulados chegaram a R$ 81,5, maior lucro consolidado nominal já registrado pelos grandes bancos na história do Brasil. Num ano como esse de 2020, onde a economia mundial desceu aos infernos, juntando os resultados de Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander no primeiro semestre, o lucro líquido atingiu R$ 24,3 bilhões. Isso vem sendo assim há muitos anos.

A diligência do Estado quando é para atender a burguesia, mostra quem é o dono do “pedaço”. Há trabalhadores que até hoje não receberam o Auxílio Emergencial por incompetência ou má vontade da burocracia estatal. No entanto, o dinheiro dos banqueiros foi garantido em março ainda, praticamente antes do isolamento social, através de uma MP redigida em tempo recorde. Uma solicitude e competência que é exclusividade dos 0,3% mais ricos da população. Ou seja, quando a serviço dos ricos o Estado brasileiro funciona que é uma maravilha.

Apesar da taxa Selic, (referência para pagamento dos juros dos títulos da dívida pública) ter diminuído, o país transfere fábulas de recursos, em forma de juros, todo ano, para o sistema financeiro. A Selic reduziu, mas é cobrada sobre um estoque da dívida muito mais elevado. O Estado brasileiro transfere para os rentistas todo ano, R$ 300 a R$ 400 bilhões, e os lucros e dividendos destes recursos, inclusive, desde 1995, a partir de decisão do governo FHC, não pagam nem impostos.

Esta alocação de recursos é decisão política, não tem uma base técnica que justifique o fato de que o Brasil seja um dos países que mais gaste com juros no mundo. O que vigora, na verdade, é uma espécie de sistema da dívida pública, mantido para retirar dinheiro da sociedade. No Brasil não são só os juros da dívida pública. Os juros pagos no varejo pela sociedade em geral nas operações de crédito (empréstimos, cheque especial, cartão de crédito etc.), historicamente são os mais elevados do mundo, com folga.

Sabe-se que mais de 90% da dinheirama entregue por conta da dívida pública são destinados ao sistema financeiro: bancos nacionais e estrangeiros, investidores estrangeiros, seguradoras, fundos de investimento e fundos de pensão. Ou seja, os títulos públicos nas mãos de pessoas físicas são muito poucos.

Há um evidente conflito entre o gerenciamento do chamado Sistema da Dívida, que transfere recursos fundamentais da sociedade para um grupo restrito de privilegiados, e os direitos da sociedade. Ao invés de financiar serviços públicos essenciais ou investir no combate à pobreza, bilhões de reais são destinados e pagar os serviços da dívida, servindo uma minoria parasitária, que não produz nada, a rigor. Qual é o sentido em destruir direitos em escala industrial, liquidar a previdência social, em nome das contas públicas, e repassar em um ano, 4% a 6% do PIB para 20.000 famílias, em nome de uma suposta dívida que já foi paga várias vezes.

Como o Sistema da Dívida beneficia pouca gente, mas muito poderosa, não há transparência sobre o funcionamento de detalhes do sistema. Há grande interesse de que a sociedade não saiba do que se trata. Essa falta de transparência, por si só, coloca em suspeição o sistema como um todo. Se a dívida fosse verdadeira, inquestionável, por que não pode ser abertamente discutida com a sociedade?

Um programa de investimentos em infraestrutura (tipo o PAC, de Aceleração do Crescimento, por exemplo) tem importância estratégica para o país. Viabiliza a construção de rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, hidrovias, habitação, equipamentos e obras para a defesa nacional, etc. Obras que servirão ao povo do País, por um século, talvez mais. O orçamento do PAC para cada ano em que ele vigorou, a partir de 2007, era de R$ 65 ou R$ 70 bilhões, o que representava sempre uma fração do gasto anual com a dívida pública.

Em 2015, quando foi inaugurada a ponte de Laguna, Anita Garibaldi, pela presidente Dilma, na BR-101, fiz uma continha: a obra custou R$ 777 milhões (valores época). Essa estrutura, que deverá servir à população de toda a Região Sul por um século (não sei qual a vida útil desse tipo de obra), custou o equivalente a 0,2% dos juros gastos em 12 meses com a dívida pública (R$ 388 bilhões, também a valores da época). Ou seja, a ponte, que beneficia o povo todo, comparado com o que foi repassado para os banqueiros naquele ano, significa praticamente nada. Se isso não é um sistema gigante de sucção de recursos do país, se não é um parasita gigante que trava o Brasil, não sei mais o que é!

Comparemos com outro programa, o gigantesco Minha Casa Vida Minha, que estava ajudando a resolver o crônico e estrutural problema do déficit habitacional no país, antes do golpe de 2016. Pois, para um dos maiores programas habitacionais do mundo, desde o início, em 2009, foram liberados R$ 139,6 bilhões em financiamentos dos bancos (principalmente da Caixa Econômica Federal). O governo ainda investiu no programa, R$ 114,9 bilhões, subsidiando famílias de menor renda. Se somarmos os dois tipos de financiamentos, eles não totalizam 1% do PIB por ano, desde 2009, enquanto com a dívida pública se transfere entre 5 e 7,5% do PIB para os rentistas, a cada ano.

Os rentistas apesar de estarem ganhando muito dinheiro, ajudaram a perpetrar um golpe de Estado em 2016, como se sabe, para interromper projetos como: Minha Casa Minha vida, investimentos em infraestrutura, aumento do salário mínimo, aumentos dos salários em geral, saída do Brasil do mapa da fome da ONU. Ou seja, a grande burguesia internacional não aceitou dividir um pouco dos frutos do crescimento do Brasil naquele período causado pelo boom de commodities, com os pobres brasileiros. No golpe de 2016, como fica cada vez mais claro à medida que os dados vão sendo divulgados, estão envolvidos inúmeros interesses (econômicos, geopolíticos, políticos, militares). Um interesse fundamental, sem dúvida, foi o dos banqueiros, que temiam o desmonte do chamado “sistema da dívida pública” pelos governos eleitos. Por isso trataram de garantir a presença de seus lacaios no governo federal, através de golpe de Estado.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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