O novo velho continente e suas contradições: Liberdade e independência: os movimentos separatistas da Europa

Manifestantes pedem reconciliação no País Basco (La Nación)
Foto: La Nación

Por Celso Japiassu.

Além das ameaças de fratura da própria União Europeia, agravadas pelo Brexit, de que tratei na coluna da semana passada, alguns dos 27 países que hoje a constituem também enfrentam movimentos de secessão dentro do próprio território. São as lutas por independência de nações subjugadas ao poder central das capitais, organizadas em ações e movimentos políticos que assumem contornos algumas vezes revolucionários. Questões mal resolvidas desde a Idade Média continuam como sombras incômodas ao desejo de paz de um velho continente cansado de conflitos que teimam em continuar a lhe perseguir.

Do pequeno Bolzano, no Tirol do Sul, às Ilhas Faroé, na Dinamarca, passando pelo País Basco e a Catalunha, a Irlanda e a Escócia, são quase em número de vinte os diversos territórios que dizem abrigar povos-nações que são diferentes do poder central e por isso reivindicam autonomia e liberdade.

Os bascos

A luta revolucionária do País Basco representada pelas ações do ETA-Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade) foi o mais longo conflito da Europa Ocidental, durou mais de 50 anos e contou mais de mil mortos entre policiais, políticos e os próprios membros do ETA. Em 2011 foi anunciado um cessar fogo definitivo, abandonada a luta armada, mas a campanha pela independência continua, dizem as lideranças bascas que não pretendem deixar de exigir a plena liberdade.

Os bascos são um dos povos mais antigos da Europa, onde sua presença se registra desde antes de 2.500 a.c. Resistiram ao assédio e invasões de romanos, visigodos, francos, normandos e mouros. Seu idioma não se relaciona com nenhum outro ramo linguístico conhecido e é o mais antigo entre todos os que são falados no continente. Não tem a mesma raiz de nenhum outro ramo linguístico existente. O euskera, ou euskara, é a única língua de origem pré-indo-europeia falada na Europa ocidental e é, seguramente, a mais antiga do continente.

A disposição de luta do povo basco talvez esteja representada na declaração do deputado basco Oskar Matute no dia em que tomou posse nas Cortes Generales, o parlamento espanhol: «Nuestros sueños no caben en vuestras leyes. Estamos aquí para demostrarles con nuestra presencia que ni nos vencieron ni nos domesticaron. Nunca nos equivocamos ni de adversario ni de trincheras».

Os deputados da extrema direita ficaram de pé e lhe deram as costas enquanto ele falava.

Os catalães

A Espanha vive também o temor de radicalização da Catalunha, a região mais rica do país e que representa em torno de 20 por cento do PIB. Encara a possibilidade de ações terroristas gestadas pela violência com que a polícia tem reprimido os movimentos populares. A causa dos últimos protestos antes da pandemia e que pretendem continuar no futuro são fruto da Declaração de Independência da Catalunha, aprovada em 2017 pelo Parlamento da Catalunha (Parlament de Catalunya, em catalão) que não foi aceita pelo governo espanhol.

A mobilização organizada do povo catalão começou em 1930 com a fundação em Barcelona da ERC-Esquerda Republicana da Catalunha (em catalão: Esquerra Republicana de Catalunya,), que conseguiu a autonomia dentro do território espanhol mas foi posteriormente reprimida com violência pela ditadura de Francisco Franco. Desde então cresceu o desejo de autonomia que evoluiu para o movimento que reivindica a total independência. Seus líderes estão alguns presos e outros no exílio. Mas o povo, que protesta nos enormes movimentos de rua, pretende mudar o rumo que tem tomado até agora a sua história.

Manifestantes pedem a independência da Catalunha (Reprodução/RTVE)

Além dos bascos e dos catalães, a Espanha ainda enfrenta o desejo de secessão da Galícia, Andaluzia, Aragão, Astúrias, Cantábria, Leão e das Ilhas Canárias. São movimentos que contam com partidos organizados com o objetivo de conquistar a independência, a afirmação de suas culturas e de suas línguas nacionais. Até hoje não se conformam com o domínio de Castela, uma insatisfação que só fez crescer depois da guerra civil, a queda da República e os vários anos de domínio autoritário e repressivo da ditadura de Franco.

BolzanoIlhas Faroé e outros

Pequenas províncias também querem ser independentes, como é o caso de Bolzano, província autônoma da Itália também conhecida como Alto Ádige, Tirol do Sul ou, em alemão, Autonome Provinz Bozen-Südtirol. Possui 500 mil habitantes cuja maioria fala a língua alemã. Ocupada pela Itália durante a ascensão do fascismo, já foi testemunha do terrorismo do BAS – Befreiungsausschuss Südtirol (Comité pela liberação do Tirol do Sul) e continua na luta para deixar de ser italiana e voltar de novo a fazer parte da Áustria.

Ilhas Faroé (Esbern Christiansen)

As Ilhas Feroe, Ilhas Féroe ou Ilhas Faroé(s), um arquipélago no Atlântico Norte, rico em petróleo, com 47 mil habitantes, constituem um território pertencente à Dinamarca. São autônomas desde 1948 e decidiram não aderir à União Europeia. Reivindicam a total independência. Existem sete partidos políticos, com apenas um de esquerda, o Partido da República ((Tjóðveldisflokkurin, em faroês), que tem sido o mais votado nas eleições e defende, além da autonomia, a completa independência. Os outros definem-se como de centro ou centro-direita.

Mas não são apenas estes os territórios da Europa que pretendem ser independentes. A lista é longa, com destaque para o Condado de Istria, na Croacia; Moravia, República Checa; Silésia, Polônia; Székely, Roménia; Bornholm, Dinamarca; Lombardia, Vêneto e Sicília, na Itália; Córsega e Bretanha, na França; Região Flamenga e Valónia, na Bélgica; Baviera, Alemanha; País de Gales e Irlanda do Norte, no Reino Unido. A Irlanda tem lutado pela independência, às vezes com violência, como foi na guerra desenvolvida pelo IRA-o Exército Republicano Irlandês (Irish Republican Army), desde 1917 até 2005, quando depôs as armas mas continua, agora legalmente, a lutar pela independência.

Apoiadores da independência escocesa marcham pelas ruas de Glasgow (John Devlin)

Escócia

No Reino Unido, que depois do Brexit já não faz parte da União Europeia, a Escócia volta a reivindicar independência e alega que a saída da União Europeia foi realizada contra a sua vontade. “Estamos a passar por um Brexit duro contra a nossa vontade, no pior momento possível, no meio de uma pandemia e recessão económica”, declarou a primeira-ministra Nicola Sturgeon na página oficial do seu partido pró-independência, o SNP, dois dias após a concretização do Brexit. Ela anunciou a disposição do governo de realizar um novo referendo sobre a independência do país. Em 2014, 55 por cento dos escoceses disseram não à separação do Reino Unido. A disposição do país parece ter mudado, segundo uma pesquisa patrocinada pelo jornal The Scotsman, em dezembro passado. Agora, 58 por cento são a favor de romper os laços com o Reino Unido.

A Escócia tem eleições no próximo mês de maio e, se o SNP obtiver uma vitória expressiva, o projeto de independência seguirá seu curso. Sem fronteiras, os escoceses voltarão a ser novamente europeus.

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