Por Elaine Tavares.
A Prefeitura Municipal de Florianópolis chamou uma audiência pública para essa segunda-feira, oito horas da manhã, na qual discutiria a nova proposta para o transporte coletivo e o projeto de licitação das empresas. A audiência se fez sem maiores chamamentos públicos, sem mobilização das comunidades e, por conta disso, com muito pouca presença de usuários do sistema. Afinal, a maioria dos trabalhadores está no trabalho a essa hora da manhã. Ainda assim, representantes de entidades e alguns usuários se fizeram presente e fizeram suas reivindicações.
O representante da prefeitura, Domingos Bonin, abriu sua fala mostrando tabelas que mostram como o número de passageiros no transporte coletivo diminuiu de 2008 (4 milhões e 700 mil) para cá (4 milhões e 400 mil), observando que essa diminuição começou pouco depois da implantação do sistema integrado de ônibus. O que não é novidade, uma vez que a integração, em vez de melhorar, piorou a vida dos usuários, principalmente daqueles que moram nos bairros mais afastados do centro que agora precisam usar três veículos diferentes para chegar em casa. Além disso, com a integração também o tempo de percurso aumentou significativamente, ocupando muito mais vida das gentes. Trajetos que levavam 40 minutos, hoje são feitos em duas horas e meia, com trânsito bom. Ele também mostrou que apesar da diminuição do número de passageiros, aumentou o quilômetro percorrido bem como a frota de ônibus ( de 359 em 2006 para 436 em 2013). Logo, argumentou que um dos desafios da prefeitura é justamente baixar o preço da tarifa, apenas dos números que revelam o aumento do custo do sistema.
Apresentados os números, Bonin falou cerca de uma hora sobre as novidades do novo sistema de transporte pensado pela prefeitura. Segundo ele, Florianópolis terá uma dos mais modernos do país, totalmente informatizado, com informações on line para usuários, trabalhadores do sistema e operadores. “O foco de tudo é o usuário e nossa intenção é diminuir o tempo nos terminais e o tempo do trajeto”. Para isso será criado um Centro Integrado de Gestão que vai comandar todo o sistema, inclusive com os novos modais que forem se agregando. Todas as informações serão disponibilizadas via internet e os usuários poderão acompanhar o ônibus através de aplicativos nos tablets e smartfones. Rotas, horários, tempo de chegadas, atrasos, enfim, tudo estará disponível na tela de quem tiver a sorte de ter um equipamento eletrônico. Os que não tiverem poderão ter as informações nos painéis que ficarão nos terminais e também nos pontos de ônibus.
Ainda segundo Bonin, o sistema integrado terá como se comunicar com o motorista, informando sobre situação do trânsito e outras situações de emergência e é a prefeitura quem vai comandar toda a operação. Bonin salientou que com, essa novidade, a licitação vai ter em conta todo o sistema e não só as linhas. Também deixou claro que o novo edital dá mais poder ao poder concedente, no caso, a prefeitura, de intervir no sistema em caso de paralisação envolvendo os trabalhadores.
A apresentação que apontou as maravilhas das inovações tecnológicas do novos sistema frustrou os usuários e representantes de movimentos sociais que estavam na audiência, uma vez que quando a conversa chegou no ponto que realmente interessava, como o traçado das linhas, os trajetos, a lógica da integração, Bonin remeteu o tema a alguns anexos da lei, que não forma mostrados, apenas citados. E por aí acabou a fala, sem qualquer menção aos problemas reais vividos pela população.
O representante da UFSC, Werner Kraus, foi o primeiro a se manifestar e alertou à prefeitura sobre o fato de que a população precisa tomar conhecimento do projeto inteiro. Salientou que a modernização do sistema vem em boa hora, mas o que realmente importa é o desenho das linhas e toda a problemática que envolve a integração. Sugeriu que esse debate não ficasse só nessa reunião e que a população tivesse mais tempo para conhecer o edital, para poder opinar sobre ele. Os representantes do movimento Passe Livre, bem como várias outras lideranças políticas da cidade se manifestaram alegando que é chegada a hora de o sistema se municipalizar, afinal, essa é uma luta histórica e os problemas que hoje a cidade vive estão intimamente ligados ao fato de que esse serviço público está na mão da iniciativa privada, e aos empresários o que está em primeiro lugar é o lucro, não o bem estar dos usuários. Também foi sugerido que a prefeitura avance para a lógica da tarifa zero, uma realidade em muitas cidades do Brasil e de outros países.
Causa muito constrangimento em quem sofre o transporte coletivo todos os dias observar que quem pensa o sistema não sabe como ele é no cotidiano, não vive a realidade das filas quilométricas, da integração ineficiente, do absurdo das demoras de trajeto. São decisões tecnocratas, totalmente desconectadas da realidade das ruas. Foi lembrado que ao usuário não basta saber, pelo tablet, onde está o ônibus e todas as demais maravilhas da tecnologia de informação que foram cantadas na apresentação. O que realmente importa é que o sistema funcione, que não se tenha o monopólio das linhas, que a integração seja eficiente, que o tempo do percurso diminua consideravelmente e que a cidade inteira se modifique para o uso do transporte coletivo em vez do carro. Sem isso, não adiantará de nada um Centro de Gestão ultra moderno.
Também foi solicitado que a prefeitura disponibilizasse o restante do projeto, os tais anexos que só foram nominados, mas não explicitados, para que se pudesse ter uma visão geral da proposta no que realmente importa ao usuário. De resto, a audiência foi uma grande decepção para os que usam o sistema, porque não foi possível saber o que está reservado à cidade. Ficou acertado uma nova audiência para a semana que vem, na qual, espera-se, sejam apresentados os anexos e todos possam discutir o sistema real.
No que diz respeito à repercussão da audiência na mídia comercial, foi tão superficial como a própria apresentação do edital. A maioria dos comentaristas se limitou a reproduzir as loas sobre a “maravilha tecnológica” que foi apresentada, e também o destaque para o fato de que a prefeitura será mais dura contra a paralisação de trabalhadores. Nenhuma novidade, é claro. Nos jornais, nada que pudesse realmente informar ao público sobre o sistema real. Seguimos então, reféns das informações não prestadas.
Agora, é esperar que a prefeitura libere o conteúdo total da proposta para que se possa ter uma análise clara do que muda ou não.