Enquanto explodem as graves denúncias de corrupção envolvendo gente muita próxima ao governo central, o ministro da Economia, Paulo Guedes, continua trabalhando para operar a contrarreforma da Previdência. A entrega da Previdência Social para o setor privado (assunto sobre o qual Guedes sonha dia e noite) foi uma das poucas medidas que o governo de Temer não conseguiu entregar aos patrocinadores do golpe, conforme estava combinado.
Muitos ingênuos estranham que a inspiração do governo, de contrarreforma da previdência, seja o modelo chileno, adotado há 37 anos, em plena ditadura sanguinária de Augusto Pinochet. Modelo que, do ponto de vista da população, foi um desastre. No país vizinho, cerca de 80% dos aposentados recebem menos de um salário mínimo (cerca de US$ 424) de benefício. Quase metade dos aposentados (44%) se encontra abaixo da linha da pobreza, ou seja, sobrevive com até US$ 5,5 por dia, ou R$ 660 por mês, segundo o critério do Banco Mundial. Os valores médios das aposentadorias correspondem a 33% do salário da ativa, segundo a Superintendência de Pensões do governo chileno. No caso das mulheres, o percentual cai para 25%. Um trabalhador (homem) que se aposente ganhando, por exemplo, US$ 700 por mês receberá US$ 231 de aposentadoria. Na previdência chilena a cobertura é razoável: 85% dos idosos recebem uma aposentadoria, mas o valor das pensões é muito baixo: 79% dos aposentados ganham menos que o salário mínimo.
Possivelmente é por conta deste contexto que o Chile se encontra na vergonhosa posição de primeiro lugar no número de suicídios entre os idosos. Decorrência direta do desespero de quem, após 30 ou 35 anos de trabalho duro, alocando 10% do seu salário para a aposentadoria, percebe que receberá uma soma inferior ao salário mínimo, insuficiente, às vezes para comprar os remédios necessários. É um modelo, portanto, que não deu certo para o povo chileno. Mas no Chile o modelo não foi adotado para “dar certo” para os trabalhadores e o povo em geral, e sim para garantir os lucros dos capitalistas. E deu mesmo “certo”: das seis Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs) que administram a previdência chilena, cinco são controladas por empresas financeiras multinacionais: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA); BTG Pactual (Brasil); Grupo Sura (Colômbia). Estes grupos administram 10 milhões de contas, e certamente estão faturando muito alto.
Essa é a lógica de Paulo Guedes para a implantação do modelo de capitalização no Brasil. Mas todo o discurso governamental sobre o assunto é dissimulado. A estória de que a adoção do novo sistema criará empregos e irá provocar crescimento do país é conversa para boi dormir. Que, como vimos nos últimos anos no Brasil, acaba convencendo muita gente. É importante considerar que a contrarreforma da previdência, dependendo de como vier (se livrar militares, juízes, etc.), unifica a burguesia. É no programa econômico de uma forma geral que pode estar a unidade de quem deu o golpe em 2016, e dar um rumo para o governo atual (com ou sem Bolsonaro). Depois do que aconteceu no país nos últimos cinco anos já deveríamos saber: a privatização da previdência interessa principalmente aos grandes bancos, que ambicionam um filão de negócios que, no caso do Brasil representa a “bagatela” de R$ 740 bilhões (receita da Seguridade Social, aproximadamente).
As políticas neoliberais são, antes de tudo, suculentos negócios para o grande empresariado. A entrega da previdência para os bancos, as privatizações de uma forma geral, a privatização da educação e da saúde, significam, antes de mais nada, a possibilidade de aumentar lucros do setor privado, especialmente o estrangeiro. Compensando assim um pouco a crise mundial do capitalismo, que é o fator explicativo principal dos golpes que estão ocorrendo em toda a América Latina.
Quem achar que a avaliação acima é uma espécie de “teoria da conspiração” deveria prestar um pouco de atenção no caso do petróleo no Brasil. Venderam a ideia de que a Petrobrás estava quebrada em função do “maior caso de corrupção da história” do país. Montaram uma grande farsa, fora do país, chamada Operação Lava Jato. As petroleiras internacionais jogaram dinheiro pesado na estruturação do golpe, nos dando a oportunidade de verificar na prática o que se chama de “poder do dinheiro”. Em dois anos de vigência do golpe de 2016 (meados de 2018), com quatro leilões realizados no Pré-sal, sob o regime de Partilha, do total de 51,83 bilhões de barris leiloados, 13 multinacionais arremataram reservas equivalentes a 38,8 bilhões de barris de petróleo (75% do total). Com dois anos e meio de vigência do golpe, já entregaram boa parte do Pré-sal, a preço de banana, comprometendo o futuro da nação, como até as pedras já previam. Os neoliberais, neste caso, destruíram a frágil democracia brasileira, e a oitava economia do mundo, com o objetivo de saquear a maior descoberta de petróleo do milênio. Para nós, trata-se de um Projeto de País que foi duramente golpeado, para eles é apenas o “Negócio Brasil”.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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