Por Isaías Albertin de Moraes, para Desacato.info.
Dividir a bipolaridade político-social do Brasil e de parte do Ocidente entre esquerda X direita é muito reducionista e superficial. A questão passa por uma dicotomia mais ampla e profunda. É um embate entre Ciência X Insciência. Tanto entre os militantes e eleitores de esquerda quanto nos de direita há avanço do obscurantismo. Isso é perceptível nos constantes ataques ao legado Iluminista e aos princípios da modernidade recentemente.
O Iluminismo e o modernismo estabeleceram o método científico como instrumento para desvendar os segredos da natureza e da sociedade. O pensar moderno tem sua origem em meados do século XVII com os estudos de René Descartes e Galileu Galilei, porém se consolidou no século XVIII e XIX com os pensadores Iluministas: John Locke, Adam Smith, David Ricardo, Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Montesquieu, entre outros. O mundo estava tentando entrar na modernidade, isto é, a busca de uma compreensão secular e racional da natureza, da sociedade, do direito, da economia e da política. Esse processo de racionalização e de adoção de um método científico foi responsável pela maioria das mudanças que instauraram melhorias na vida da humanidade de modo geral, elevando, assim, o bem-estar.
Entretanto, recentemente, um movimento que começou dentro das universidades chamado de pós-modernismo relativizou o método científico. O pós-modernismo, em suma, defende que o conhecimento é determinado e originado pelas estruturas de enredo próprias da natureza sociocultural e estética daquele que o constrói. A subjetividade e a abstração predominaram em detrimento do pensamento racional e da segurança epistemológica. A pós-modernidade passou a questionar as certezas e o almejar emancipatório dos intelectuais modernos. Acredita-se em tudo como um conjunto de meras hipóteses ou especulações. Em virtude disso criaram-se “verdades”. Isso aliado ao excesso de informação, mas de péssima qualidade, bem como a carência de conhecimento de procedimentos metodológicos pela população como um todo, fez com que cada um tem a sua própria teoria. Cada um constrói sua verdade ou até mesmo sua pós-verdade.
O relativismo, o individualismo e o excesso de subjetividade fizeram com que tanto as pessoas que se intitulam de esquerda quanto as que se consideram de direita estabelecessem suas tribos e suas crenças. Por exemplo: Terra é plana, vacina contra sarampo e poliomielite causa autismo, comer placenta é recomendável, Holocausto não existiu, economia totalmente planificada funcionou, neoliberalismo é capaz de desenvolver economicamente um país ou que não aumenta a desigualdade, a ditadura (1964 – 1985) no Brasil não foi corrupta e não torturou, e assim vai. Nada disso foi comprovado cientificamente, pelo contrário foi refutado.
O relativismo e o revisionismo pós-moderno e que se espalhou pela sociedade estão jogando fora construções científicas construídas ao longo de décadas. Tentam redefinir a verdade histórica do processo civilizatório. A Ciência é democrática e humilde, os cientistas nem tanto, logo odeiem a arrogância nossa, mas não a Ciência. A Ciência avança com o passar dos anos. Há erros e acertos. O processo é lento, ainda mais nas Ciências Humanas, mas há avanços sim. O sentimento anti-Ciência pode barrar esse avanço. Na política e na vida negar a Ciência não é uma virtude. Quando as pessoas expressam um desdém por fatos, rejeitam a razão e a Ciência; a sociedade como um todo entra em decadência.
O mal-estar social e político que está se vivenciando não é meramente um conflito entre esquerda X direita. É um embate entre quem defende o projeto modernista e os que rejeitam. A ideia de usar o acúmulo de conhecimento gerado por milhares de pessoas trabalhando livre (respeitando os direitos humanos) e criativamente em busca da emancipação humana, do enriquecimento da vida diária e do domínio científico do Ser e da Natureza está em risco. A insciência avança a passos largos.
É preciso combater quem difama, desdenha, menospreza ou utiliza imoralmente a Ciência. Não se pode cessar o projeto de libertação das irracionalidades do mito, da superstição, do fanatismo, da crendice, do obscurantismo, do uso absolutista do poder, bem como do lado sombrio da própria natureza humana. A modernidade deve ser reafirmada na sua forma humana, ou seja, a defesa de um pensar científico, racional e secular, mas eticamente responsável.
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Isaías Albertin de Moraes é economista. pesquisador do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Economia Solidária, Criativa e Cidadania (NEPESC/Unesp). Professor Substituto do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Políticas Públicas da Unesp/Franca. Doutorando em Ciências Sociais pela Unesp/Araraquara.