Por James Ratiere, para Desacato. info.
Lembro-me até hoje de quando começaram a construí-lo, ali, onde antes eu brincava de destruir monstros ferozes com meus primos, onde éramos os guerreiros mais fortes de valentes do mundo, o tal lugar chamado Morro da Macumba em Interlagos, Zona Sul de São Paulo.
Era um descampado enorme onde todas as crianças e adolescentes da favela tinham seu lazer, futebol, pipas, bolinha de gude e outras brincadeiras. Passávamos horas e horas desbravando o imenso lugar, e nas férias, era nosso afazer favorito.
Um dia chegaram os homens, e começou o alicerce de algo na frente de nossas casas. O Muro. Deixando espaço apenas para uma calçada onde poderíamos sair por dentro, atravessando a favela para chegar ao mercado, ao shopping ou escola, tirando nossa mobilidade, nos cercando. Foi assim que fomos isolados da parte rica do local onde foi construído um mercado atacadista e uma loja de construções de uma grande rede.
As crianças perderam seu lazer, nossas casas viam o cinza dos blocos e agora estávamos excluídos, como um grande gueto, enquanto o outro lado havia virado um gramado lindo e inútil, pois ninguém passava lá.
E ele existe até hoje, na favela Boa Vista em Interlagos. E mesmo sem perceber isso hoje ao lembrar do fato sei que nessa época lidei com a primeira situação de exclusão por ser pobre e desfavorecido. Por ter nascido de uma família descendente de nordestinos que sonhavam com uma vida melhor na grande metrópole, cidade cujo engoliu-nos e separou-nos levando cada um para um lado.
Hoje não vivo mais lá e fazem muitos anos que não piso os pés no chão que vivi até os onze anos de idade. Alguns de meus amigos nem existem mais, e pra falar a verdade, não sei o que aconteceu a nenhum deles.
Depois de mudar para o litoral minha mente excluiu o excluído, mesmo vivendo em áreas mais pobres. O muro de minha infância ainda me assombra, como deve assombrar a todos os que estavam lá, por que não nos querem ver? É a pergunta que permeia nossas vidas e permanece incrustada na mente.
Não sei responder até hoje, e o muro permanece excluindo não só a mim, mas todos os indesejados da sociedade.