Por Urda Alice Klueger.
(Para Roland Klueger, meu pai, que hoje faria 89 anos.)
A sensação era de aquecimento, de corpo e de alma, e de alívio: o trem parara, e tenho certeza, hoje, que só aquilo já significava um grande alívio, pois a maior parte da minha vida passei enjoando terrivelmente dentro de qualquer coisa que se movimentasse.
Sei minha idade: era o tempo dos três anos, e sei que usava um casaquinho de lã vermelha, abotoado até o pescoço, e àquele alívio do trem parado se somava o conforto do casaquinho vermelho e a amplidão da ternura que havia junto ao peito do meu pai.
Eu passei hoje lá e reconheci o lugar. Tudo é novo e construído onde outrora só houvera arrozeiras, mas permanece de pé a casa que fora a estação de trem. Se aquela era a estação do trem, de algum dos lados houvera uma casa que servia xícaras de leite gordo e sanduíches de pão de casa com manteiga de casa e amarelo queijo cheio de furinhos – coisas que eu rejeitara quando meu pai me dera, pois o enjôo do movimento do trem ainda permanecia em mim.
Então, meu pai passeou comigo do lado de fora daquelas casas ligadas ao trem, e o lugar está lá até hoje, e hoje e eu o vi e prestei a maior atenção.
Ali é Ascurra, e ali, no passado, só havia, na minha mente, além da estação do trem e da casa que servia o leite gordo e pão de casa com queijo de furinhos, uma grande igreja e a misteriosa mancha daquele verde único que eu nunca mais veria sequer em preciosas jóias usadas por famosas princesas.
O que poderia ser assim tão absurdamente verde e lindo para deixar sem fôlego uma criança de três anos, a ponto de ela pensar na magia que existe no país das fadas, a ponto de ela se sentir dentro de uma irrealidade?
Ternamente aconchegada junto ao aconchegante peito do meu pai, que decerto amava muito aquela pequena menina que um dia eu fui, eu o ouvi explicar:
– É uma plantação de arroz! É a cor do arroz novo…
E era bem como estar imersa no país das fadas, tal a magia daquele misterioso verde inigualável e o aconchego dos braços daquele pai jovem que hoje, fazendo as contas, sei que tinha só 33 anos, embora me parecesse alguém tão velho e sábio quanto um profeta bíblico.
Foi no aconchego dos braços do meu pai que eu aprendi sobre aquela cor única que é a cor do arroz novo formando campos totalmente encantados para o saber de uma criança, e que é uma cor que me encanta ainda quase do mesmo jeito até os dias de hoje.
Então ontem passei lá em Ascurra, não mais de trem, mas na estrada asfaltada, e lá ainda está a casa que era a estação do trem e as tantas lembranças, e como numa voragem eu voltei ao meu casaquinho vermelho abotoado, ao leite cheio de nata na xícara branca, ao colo agora tão dolorosamente distante do meu pai, e àquela cor do arroz novo que já não existe ali naquele lugar, mas que ficou dentro da minha alma para sempre, como talvez a cor mais linda que já tenha visto, e doeu, como doeu.
Um monstro chamado progresso tem devorado a dentadas gulosas paisagens e coisas que nem imagino, ao meu redor, mas quando vi aquela velha casa de estação, lá em Ascurra, soube que nem a tudo o tal monstro tem poder para engolir, pois, aninhada nos braços confortadores do meu pai, eu pude viajar para o passado e mergulhar de novo no mistério daquele verde fresco e inigualável que lá houve um dia, aquele verde único que a gente só encontra nos campos de arroz novo!
Atalanta, 17 de Janeiro de 2011.