O mistério de Cláudio

A pergunta que corre o país também é feita dentro da cidade onde se iniciou a polêmica: por que 14 milhões para um aeroporto em um município com 25 mil habitantes?

Por Vinicius Gomes, de Cláudio (MG).

“Com quem tá a chave?”

“Não sei quem tem. Devia tá na prefeitura, né?”

“Não sei. Só sei que nunca na vida vi esse negócio de aeroporto trancado, só em Cláudio mesmo”.

Debaixo de uma garoa fria à beira da estrada MG-260, a conversa que acontecia em frente ao portão trancado do aeroporto de Cláudio (MG), a 180 km de Belo Horizonte, se mostra um perfeito exemplo do imbróglio que envolve um investimento de quase 14 milhões de reais no aeroporto em uma cidade com apenas 25 mil habitantes. Um episódio que ainda carece de explicações, envolvendo a desapropriação, uma disputa judicial sobre o terreno em que a pista foi construída e sua suposta utilização para fins privados, questões só parcialmente respondidas pelo candidato à presidência da República pelo PSDB, Aécio Neves, que possui uma fazenda a apenas 6 km do aeroporto, local que ele mesmo já denominou como o seu “Palácio de Versalhes”.

portão-claudioA entrada com os portões trancados do aeroporto de Cláudio (Vinicius Gomes)

Em 20 de julho, a edição dominical do jornal Folha de S. Paulo trazia em sua primeira página a manchete: Minas fez aeroporto em fazenda de tio de Aécio. Na matéria, lia-se que o governo do estado havia desembolsado R$ 13,9 milhões para construir o aeroporto de Cláudio dentro da fazenda de Múcio Guimarães Tolentino, tio-avô de Aécio Neves, na época governador e que a autorização de uso e as chaves de seu portão estavam sob controle dos filhos de Tolentino, primos do presidenciável tucano.

Essa cidade interiorana no coração de Minas Gerais agora promete figurar entre os nomes mais falados nesse segundo semestre, durante a corrida presidencial de 2014, e já dá dor de cabeça ao tucanato nas redes sociais, onde os índices negativos para a candidatura de Aécio chegaram a 85% nesta semana.

Cui bono com Cláudio?

Antes de ganhar notoriedade nacional, a pacata cidade de Cláudio já era “famosa” na região por ser a cidade dos apelidos. Praticamente todos os seus habitantes possuem algum. O prefeito José Rodrigues Barroso de Araújo (PRTB-MG), por exemplo, na falta de um, tem três: Zezinho do Zé do Juquinha. É esse clima de camaradagem e proximidade que existe na cidade na qual idosos e taxistas se reúnem atrás da igreja da praça para jogar truco, comerciantes sem troco dizem para clientes forasteiros voltarem no dia seguinte para pagar o almoço e onde praticamente todos se conhecem por seus… apelidos.

Localização da cidade de Cláudio, no centro-oeste de Minas Gerais (Wikipedia)

Localização da cidade de Cláudio, no centro-oeste de Minas Gerais (Wikipedia)

Mas o taxista Carlos*, como morou muito tempo fora da cidade, acabou não sendo brindado com a característica local de alcunhar seus filhos. No entanto, se ele é uma exceção a essa regra, não foge a uma concordância quase generalizada da cidade de que 14 milhões de reais (15, se for contar o valor previsto para a desapropriação do terreno) foi muito dinheiro gasto em um aeroporto que nem é aberto ao público, dentro de uma cidade que possui tantas carências mais emergenciais.

“Nunca levei nem busquei ninguém lá no aeroporto, você é o primeiro”, afirma Carlos. “A cidade com tanta necessidade de saúde e educação e os políticos dão essa ‘dinheirança’ ali [no aeroporto]. Quando alguém tem alguma emergência médica, é preciso ir para Divinópolis ou até Belo Horizonte.” João*, parente de um membro da administração municipal, também não entende por que precisam do aeroporto e, mesmo se precisassem, por que ele fica fechado? “Bom, quando eu tiver meu avião, se Deus quiser, eu vou querer uma cópia da chave para mim também”, brinca ele. ”Mas se for emergência, dá pra ir na prefeitura pedir a chave sim”, completa João. A reportagem de Fórum seguiu para a prefeitura da cidade para questionar a respeito das chaves do portão – apesar de ser um sábado -, mas não encontrou nem ao menos um segurança para a eventualidade de o repórter necessitar do aeroporto de maneira emergencial.

No mesmo dia da publicação da matéria da Folha, a assessoria de Aécio Neves prontamente emitiu uma longa nota apontando inúmeros “equívocos” do texto e acusando o artigo de querer passar um fato que não corresponderia à realidade. Em uma das passagens, a nota defendia a escolha de Cláudio para ser uma das cidades beneficiadas com o Programa Aeroportuário de Minas Gerais (o ProAero), em 2003, que tinha como objetivo fortalecer a infraestrutura dos aeroportos públicos do estado, seja em sua construção ou em seu melhoramento, sendo estes classificados como “regional” ou “local”.

O aeroporto de Cláudio pertenceria à última e foi escolhida por ser “um próspero município, conhecido por seu grande pólo de fundições e metalúrgica, considerado um dos maiores do Brasil e da América Latina”. Entretanto, segundo o deputo Pompilio Canavez (PT-MG), a cidade não é um pólo siderúrgico, existem ali 300 empresas de fundição que fabricam panelas, tampas de bueiro, portões de ferro, etc. “Nenhuma delas tem importância significativa regional que justifique um aeroporto e, mesmo que tivesse, o aeroporto tem cadeado e ninguém o usa”, diz. O deputado também mencionou o fato de que, se fosse o caso de impulsionar a economia local, o investimento não seria necessário, uma vez que a cidade vizinha de Divinópolis (30 minutos de distância), que possui uma população oito vezes maior, tem um parque industrial muito superior ao de Cláudio e já possui um aeroporto operacional que tem, inclusive, condições de receber aviões de grande porte.

Outro trecho da “defesa” do investimento em Cláudio, segundo a nota da assessoria de Aécio Neves, era de que “não se trata também de construção de um novo aeroporto, mas de melhorias realizadas em pista de pouso que existia há mais de 20 anos no local […] o que tornaria a obra muito mais barata”.

tabela-proaero

Não entrando no mérito de entender como pode ser mais barato usar 14 milhões de reais para asfaltar uma pista de pouso de 1 km, tal afirmação contradiz uma tabela oficial do ProAero, onde Cláudio entra na categoria de “Novo Aeroporto”.

Então, como diriam os italianos, cui bono (quem ganha?) com a construção de um aeroporto em Cláudio?

* Nomes alterados a pedido dos entrevistados.

Fonte: http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/07/o-misterio-de-claudio/

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