Por Clarissa Peixoto
A arte moderna mexicana não foge ao espírito pujante das vanguardas do início do século XX. Refletindo o momento histórico mundial, mas também as condições locais de um país onde triunfara a revolução, o México da arte engajada deixa como legado mundial referências importantes, como a tão aclamada Frida Kahlo. Também é coerente dizer que entre os principais muralistas do século XX estão mexicanos como Diego Rivera e David Siqueros.
“El lider campesino Zapata”. Diego Rivera, 1933
O México é um país marcado por intensa luta e pelo protagonismo da classe operária. E seus principais artistas inspiraram-se nos temas de cunho político, fazendo da arte um meio para a reprodução de ideias revolucionárias. O povo mexicano é zeloso com sua memória, o que nos permite observar a presença das simbologias da revolução na contemporaneidade. Murais repletos de símbolos da saga socialista ainda podem ser contemplados em espaços públicos, como o Palácio da República, na Cidade do México.
A capital mexicana foi reduto de figuras emblemáticas para o século XX, como o surrealista André Breton e o polêmico Leon Trotsky. Foi lá que, em 1938, ambos escreveram o Manifesto por uma arte revolucionária independente.
André Breton, Diego Rivera e Leon Trotsky, na Cidade do México, em 1938. Foto de Manuel Álvarez Bravo, exposição no Palacio de Bellas Artes
Frida, uma artista da revolução
Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon é uma das artistas do século XX transformada em símbolo pop. Mas, o conjunto de sua obra é invariavelmente mais valoroso que a sua imagem reificada. Embora a artista resgate muito do seu universo particular em suas telas, tudo que produziu revela uma Frida atenta às ideias de seu tempo e ao papel politizador da arte.
Polêmica e criativa, Frida é uma artista filha de seu tempo. A ousadia, aliada a uma vida de inúmeras decepções, são marcas fundamentais de toda a sua obra. Até os últimos dias, Frida foi uma mulher de posicionamento crítico. Com Rivera viveu uma relação conflituosa, mas também dividiu os ideais socialistas. Foi uma grande defensora da cultura do México e das causas revolucionárias. Dias antes de falecer, em sua última aparição pública, Frida participou de uma manifestação contra o golpe norteamericano ao governo da Guatemala democraticamente eleito.
Surreal, controversa, apaixonada. Sem dúvida, Frida Kahlo sintetiza o espírito crítico mexicano e seu trabalho faz jus às referências da contemporaneidade. Faleceu aos 47 anos, em 1954, no mesmo lugar em que nasceu, em Coyoacán.
Colete usado por Frida com símbolo do comunismo. Exposição Museu Frida Kahlo
Frida y Stálin, 1954. Museu Frida Kahlo, México.
Diego e o homem na encruzilhada
Do conjunto da obra de Diego Rivera, parece fundamental ressaltar o polêmico “El hombre controlador del universo” ou “El hombre en el cruce de caminos”. Rivera fora contratado, em 1933, para criar um mural no Rockfeller Center, em Nova Iorque, mas após a aprovação do projeto, o artista fez alterações na proposta, tornando difícil sua relação com a família contratante. Como inconteste observador da realidade, Diego incluiu elementos de forte crítica social ao modelo capitalista. Entre os símbolos da propaganda comunista presentes na obra, a imagem de Vladimir Lenin aparece em destaque.
Os Rockfeller, por sua vez, demitiram Diego e destruíram os painéis, o que provocou uma série de manifestações em defesa do artista. A polêmica teve repercussão em diversos países e gerou debates sobre liberdade de expressão e propriedade da obra.
Em tamanho menor que o original, o mural também conhecido como “El hombre en la encrucijada” foi reproduzido numa das paredes do segundo andar do Palacio de Bellas Artes, em 1934.
Réplica da original, exposta no Museu Anauhacalli.
A imagem de Lenin no detalhe do mural “El hombre en el cruce de caminos”, no Palacio de Bellas Artes.
Expoentes do muralismo: José Orozco e David Siqueros
Para os muralistas, utilizar a técnica não era apenas uma questão de estilo. A prática estava intimamente ligada a fatores políticos e de identidade cultural. Segundo suas ideias, os murais eram uma forma de diálogo com o povo, além de resgate da cultura dos antepassados indígenas que, séculos antes, já produziam imponentes afrescos. José Clemente Orozco, ao lado de Diego Rivera e David Siqueros, figura entre os principais artistas mexicanos do gênero. De estética influenciada pelo realismo, a obra de Orozco é fortemente inspirada na luta da classe trabalhadora e nos temas de cunho político. Também retratou, a exemplo de Rivera, a história do México.
O demagogo, 1946. Museu Nacional de Arte, Cidade do México.
Os artistas modernos mexicanos também se preocupavam em retratar os grandes feitos da Revolução Mexicana de 1910. Entre eles destaca-se – talvez como o mais engajado politicamente – David Alfaro Siqueros. Sua obra é fortemente marcada pela luta da classe operária.
O Palacio de Bellas Artes guarda em uma de suas paredes o mural “Nueva Democracia”, de Siqueros. Uma obra de forte apelo político e de grande intensidade artística.
Detalhe do mural “Nueva Democracia”, 1944.
Em Autorretrato (1944), David Siqueiros se identifica enquanto um trabalhador. A obra faz parte do acervo do Museu Nacional de Arte, na Cidade do México.
O intenso ativismo político desses artistas, seus talentos e as condições objetivas férteis para o florescimento da sua arte, fazem do México não somente um mural vivo da sua própria história, mas um espaço que ainda alimenta os sonhos por um mundo de homens e mulheres livres de toda a forma de opressão. O México da arte moderna deixou impresso para as futuras gerações símbolos que mantém viva as esperanças na revolução protagonizada pela luta da classe trabalhadora.