Por Holly Lewis, traduzido por Nícolas Duarte e Diana Capella.
Em LavraPalavra.
Esse texto é uma seleção de trechos do livro The Politics of Everybody: Feminism, Queer Theory and Marxism at the Intersection (em tradução livre, “A Política do Todo: Feminismo, Teoria Queer e Marxismo na Intersecção”), de Holly Lewis sobre o feminismo radical/de segunda onda. Neste livro, Holly Lewis propõe uma política revolucionária do universal, capaz de unificar todos os setores interessados na superação do capitalismo e superar a fragmentação neoliberal; para isso, trata dos principais problemas teórico-políticos que estão ao redor da conexão entre o movimento de trabalhadores, antirracista, LGBT e do feminismo. O feminismo radical está longe de ser o principal tema do livro; porém, outros temas tratados pelo livro escapam dessa primeira seleção. A crítica de Lewis ao feminismo de terceira onda e à teoria queer pós-estruturalista, a partir do marxismo, por exemplo, está concentrada nos capítulos 1 e 3 do livro; aqui, trata-se principalmente de um tópico do Capítulo 2.
Nota preliminar de tradução: Nos Estados Unidos, o termo queer possui muitos significados. O significado mais antigo da palavra (1) é algo como ‘estranho’, ‘excêntrico’, ‘desviante’; era e é utilizado como uma palavra direcionada a pessoas não-heterossexuais ou não-cisgênero ou, então, que escapam em algum nível às normas de gênero e sexualidade vigentes. Logo, o termo se transformou em um termo “guarda-chuva” para todas as pessoas LGBT+ (2). Porém, há pelo menos dois outros sentidos correntes da palavra no movimento LGBT: queer como uma identidade específica (3), que não se encaixa nas demais denominações (lésbica, gay, trans, bissexual etc.) e queer no sentido que adquire dentro da teoria queer (4). Na teoria queer, “queer” é uma mistura do primeiro e terceiro signficados, é como “uma anti-identidade transgressora que se opõe às identidades lésbica e gay” (Lewis assim define na página 34 do livro), uma identidade anti-identitária, que se propõe como não-coerente, não-estável, por natureza disruptiva. Escolhemos não traduzir a palavra, exceto em algumas ocorrências do significado 2, de termo guarda-chuva. Lewis utiliza “queer”, aqui, na maioria das vezes nos sentidos 3 e 4. Igualmente, quando fala em ‘política queer’, ‘modelo queer’ etc., está se referindo a movimentos/conceitos associados à teoria queer. Por fim, termos da população LGBT+ americana (butch, femme etc.) foram mantidos no original, com explicações logo em frente ou nas notas de rodapé.
Capítulo 1. “Os termos do debate”; I. Debates na política de gênero ocidental; tópico “Sexo e gênero social: dicotomia ou dialética?”
A teoria queer do século XX emergiu, em parte, como uma reação e resposta à tendência anti-gênero do feminismo radical de segunda onda. As mulheres eram definidas – por este feminismo – como pessoas possuidoras de uma herança biológica particular sofrendo nas mãos do patriarcado. A feminilidade era considerada uma arma para manter as mulheres sob o controle patriarcal. O gênero não era mais considerado como uma essência emergindo de um tipo corporal específico; ao invés disso, era considerado um construto cultural, uma forma de ideologia e, portanto, não-natural. O objetivo de uma grande porção do feminismo da segunda onda [second-wave feminism] era a libertação do corpo das mulheres da ideia do feminino. Assim, se comportar de forma feminina era ser atávica, anti-feminista, cooptada. Se comportar de forma masculina era evidência de ódio internalizado de si mesma e uma violação das normas sociais mulher-centradas [women-centered], centralizadas na valorização das mulheres. Para separatistas lésbicas divorciadas das condições sociais e materiais que impulsionavam uma vida heterossexual compulsória, ‘comportamento masculino’ e ‘comportamento feminino’ viraram termos pejorativos altamente policiados e abstratos. Era esperado que todos fossem ‘livres’ e ‘sem-gênero’ [genderless]. Uma grande reação contrária queer emergiu da impossibilidade deste projeto [13]. A teoria queer inverteu o roteiro: o sexo que era construído pelo gênero, sendo o último inscrito na realidade social através da repetição.
Desde a virada do milênio, narrativas entre mulheres trans (que estão certas de sua mulheridade, independentemente de sua identidade social imposta) e teóricos/as queer (que defendem que tanto a mulheridade quanto a feminilidade são construções sociais e, portanto, instáveis) começaram a reproduzir alguns dos debates altamente disputados sobre sexo/gênero dos anos 1970, mas com os argumentos e posições invertidos. A nova disputa sublinha o fato de que tanto os adeptos da teoria queer quanto as feministas radicais consideram que gênero é um construto; as duas posições se dividem apenas no significado social do construto. O feminismo radical considera que o gênero é uma expressão internalizada do patriarcado, e vê o corpo como um fato irredutível – afirmado que a distinção entre os corpos do sexo masculino e os corpos do sexo feminino é o que realmente constrói a dinâmica política da vida cotidiana. Para as feministas radicais, a responsabilidade das mulheres pelo parto e a vulnerabilidade das mulheres ao estupro produzem as condições para a ascensão do patriarcado. A definição de mulheridade do feminismo radical, como uma situação definida pelas consequências sociais de se possuir órgãos reprodutores específicos, coloca suas proponentes em uma rota de colisão com a política e o movimento trans. Deduzindo sua política do dimorfismo sexual e reduzindo gênero a ideologia, as feministas radicais trans-excludentes têm insistido, de forma militante e fervorosa, não apenas que as mulheres trans não são mulheres, mas ainda que elas são os homens mais violentos de todos: homens com a intenção de colonizar os corpos das mulheres; homens que desejam tanto estuprar mulheres lésbicas que estão dispostos a transformar seus corpos para fazer valer seus planos sinistros [14]. As feministas radicais trans-excludentes [Trans-exclusionary radical feminists] (referidas aqui pela sigla TERFs) já se aliaram com a direita religiosa em suas tentativas de impedir mulheres trans de utilizar os banheiros que refletem seu gênero vivido. TERFs proeminentes já criaram sites destinados a ridicularizar mulheres trans e homens trans, e até mesmo tentaram dissuadir a Organização das Nações Unidas (ONU) de reconhecer direitos trans [15]. […]
Capítulo 2. “Marxismo e Gênero” (Marxism and Gender)
- Não seja vulgar…
O termo ‘marxista vulgar’ é frequentemente atribuído àqueles que reduzem, imediatamente e sem pensar, a causa direta e os efeitos de todos os eventos a processos capitalistas – quando não às intenções obscuras dos próprios capitalistas –, independentemente dos verdadeiros mecanismos causais que estão em jogo. Caso ocorra um trágico acidente em uma escalada de montanha, o marxista vulgar resmungará sobre como o capitalismo facilita a produção de equipamentos de má qualidade e perderá o interesse no tópico quando descobrir que foi o simples tempo rigoroso que selou o destino dos alpinistas. A reação é vulgar não apenas porque utiliza o desastre para levantar um ponto político de forma preguiçosa; ela também ignora as condições reais da situação dada; e tais saltos brutos de lógica são, no final das contas, nada convincentes, mais evangelizadores do que explicativos, mais desdenhosos do que baseados em solidariedade, ou mesmo em preocupação humana genuína. Isso não é realmente marxismo vulgar, no entanto. Marx demorou décadas para desvendar os mecanismos do capitalismo; ele não atribuiu culpa aleatoriamente ao capitalismo de uma forma quase religiosa. É verdade que o modo de produção capitalista produz uma miríade de obstáculos, apesar do desfile de invenções supostamente úteis que ele dispara em nossa direção. Entretanto, é importante investigar como o modo de produção realmente afeta fenômenos e eventos sociais reais. É verdade que as condições econômicas influenciam as leis, a arte, a mídia e as instituições. Mas elas o fazem de formas diretas e indiretas com relações complexas de causa e efeito.
A libertação das mulheres [a*] tem sido sujeita a leituras reducionistas parecidas em nome de Marx. Isso não é uma questão de economicismo (isto é, reducionismo econômico); na verdade, muito pelo contrário: essas leituras reducionistas em particular tendem a se apoiar na redução da economia política a análises de consumo, onde o principal culpado pela ausência de liberdade de gênero é o capitalista sedento por consumidores que rouba sua autoestima para vendê-la de volta a você em um pote de gel de cabelo ou em um tubo de batom. Obviamente, essa acusação não está incorreta – qualquer adolescente angustiado pode atestar isso. Mas, anti-consumismo [anti-consumerism] não é o mesmo que compreender as complexidades das condições de produção e reprodução capitalistas. O anti-consumismo acaba sendo uma espécie de desdém irritado (ou, algumas vezes, de compaixão benevolente) pela consumidora em si. Coextensivo ao desenvolvimento do feminismo ocidental de meados do século XX, o nascimento da publicidade em massa submeteu as mulheres a novas linhas de produtos que moldavam seus corpos para o mercado de trabalho e para o mercado de casamentos. A resposta do feminismo de segunda onda [b*] para isso foi, em parte, a criação de um movimento de mulheres que era cético em relação ao gênero, sendo gênero entendido – após a publicação de O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir – como uma feminilidade socialmente fabricada, teoricamente separada do corpo. Mas esse modo de resistência via consumo estava melhor ajustado a mulheres de classe média com educação superior, e melhor ajustado a mulheres brancas do que a mulheres de minorias étnicas, para quem uma “aparência bem-cuidada” [“good grooming”] era uma forma de resistência pessoal contra a desumanização racista.
O debate intra-partidário sobre cosméticos no interior do Socialists Workers Party americano [c*] (Hansen e Reed, 1986; ver também a nota 71 do capítulo 1) é um exemplo perfeito de desprezo por consumidoras femininas e de como tal desprezo dificilmente ressoa com mulheres da classe trabalhadora. Em um artigo principal para uma das edições do jornal do grupo, o autor masculino faz um registro lírico e cheio de floreios sobre os dias de outrora, quando tudo o que todas as mulheres precisavam era um pouco de suco de morango e pó de arroz para se embelezar antes do baile (Bustelo, 1954, reimpresso em Hansen e Reed, 1986, p. 29). A nostalgia pelos costumes de aldeia pré-industriais não tem absolutamente nada a ver com o marxismo; na verdade, pega mais emprestado de Justus Möser, o economista político conservador do século XVIII que lamentava a destruição dos costumes e do artesanato local pelo capital internacional; do que de Karl Marx. Nem todo anticapitalismo é progressista. Entretanto, esse não é o único conservadorismo que está por trás desse debate sobre beleza e embelezamento. Essa mudança no objeto de análise – do trabalho reprodutivo e produtivo para os regimes de beleza – transforma uma questão política e econômica em uma questão moral, onde moças e damas pintadas passam a significar tanto como as mulheres trabalhadoras seriam “fáceis” e “baratas” [d*] quanto como as mulheres ricas seriam fúteis e superficiais. Em última instância, o feminismo ocidental de classe média não toleraria nenhum dos dois grupos. Como consequência, a crítica da beleza (tanto dos produtos de beleza quanto das consumidoras deles) se deslocou para uma crítica da própria sexualidade, durante o início da chamada revolução sexual. O moralismo político transformou-se em pânico moral e o feminismo americano devorou a si mesmo nas insuportáveis [morose] ‘Guerras Sexuais’ [‘sex wars’ – e*] do final da metade do século [XX].
Os dois lados do pelotão de fuzilamento circular [f*] das Guerras Sexuais (uma geometria estranha, certamente) têm sido notavelmente estáveis por décadas: de um lado estão as feministas de segunda onda, brancas, de classe média, que protestam ferrenhamente contra a pornografia e a cultura popular [g*], e que possuem uma estranha obsessão por proteger a santidade do sexo lésbico de pessoas gender queer, femme [pessoas LGBT afeminadas] e trans; do outro, há as feministas de terceira onda, queer e trans-afirmativas, consideradas colaboradoras da própria opressão pelas feministas de segunda onda [1]. Acima de tudo, o objetivo do feminismo de segunda onda é acabar com a sexualização e objetificação dos corpos das mulheres, e garantir que as mulheres sejam mais do que apenas corpos à disposição dos homens. O feminismo de terceira onda também está preocupado com a mercantilização e sexualização dos corpos das mulheres, mas também com como a manutenção da narrativa da ‘mulher de bem’ ou da ‘boa mulher’ condena mulheres sexualmente dissidentes [sexually non-conforming] e mulheres não-cisgênero ao status de ‘vadias monstruosas’; o objetivo da terceira onda, então, é que as mulheres criem sua própria imagética, reivindiquem a sexualidade para si mesmas, quebrem a aporia do paradigma da mulher pura/impura. O movimento lésbico radical, dentro da segunda onda, tentou combinar ambos os argumentos através do desenvolvimento do separatismo lésbico: a [ideia da] criação de uma sociedade politizada composta apenas de mulheres, onde elas seriam capazes de criar uma sexualidade livre de exploração. Entretanto, quando o feminismo de terceira onda emergiu, o movimento separatista lésbico já havia se dissipado. As feministas teriam de ‘criar espaço’ dentro do mainstream [h*], sem a fantasia de que seria possível construir uma economia separada, ou construir uma sexualidade divorciada dos símbolos dominantes – incluindo os símbolos do gênero social. Esses símbolos seriam incorporados à identidade das mulheres, não como elementos da cultura popular a serem consumidos, mas como elementos da cultura heterossexual a serem transformados e feitos próprios de cada um, isto é, queerificados [i*]. À medida que a reescrita cultural, em vez do utopismo separatista, tornou-se o modo de resistência política, os aspectos sociais da biologia vieram à tona: não apenas o gênero social era construído, mas descobriu-se que a tipagem sexual biológica era mais arbitrária do que se admitia anteriormente. Homens e mulheres não eram como maçãs e laranjas, ou como cachorros e gatos; eles eram uma forma humana existindo em um spectrum. Então, embora a queerificação demandasse espaços para auto-exploração, iniciativas saudáveis e desenvolvimento cultural; esferas biológicas separadas e policiadas para mulheres que excluíssem homens LGBT+ ou queer e pessoas não-cisgênero não eram mais uma opção. Pessoas queer que se identificavam enquanto mulheres tinham mais em comum com pessoas queer que se identificavam enquanto homens do que com homens ou mulheres heteronormativos.
Então, onde os marxistas se encaixam em tudo isso? O anti-consumismo superficial sugere que a abordagem do feminismo de segunda onda representa um curso de ação coletivo, mais militante, onde mulheres se juntam para lutar contra a hipersexualização capitalista; é fácil perceber como o modelo queer poderia ser lido como uma forma de feminismo liberal individualista, absorvido em si mesmo. De acordo com essa leitura, pareceria que a abordagem correta para os marxistas seria continuar com a tradição da segunda onda, contra a terceira onda. Eu gostaria de argumentar que o paradigma poderia facilmente ser virado de cabeça para baixo: em uma sociedade integrada desprovida de fantasias separatistas, uma extensão da abordagem da segunda onda pode promover apenas a política da respeitabilidade. A abordagem da terceira onda, embora não sem suas limitações, lida melhor com o problema da expressão sexual mercantilizada das mulheres; apenas mediante a escolha coletiva por autodeterminação individual as mulheres podem se libertar da economia da troca e afirmar sua própria existência como seres humanos verdadeiros, em vez de objetos a serem trocados por sexo, trabalho doméstico e maternidade. Designar mulheres como ‘porcas’ e ‘colaboradoras’ [j*] por causa de suas escolhas sexuais reforça a ideia de que são as próprias mulheres as responsáveis, em última instância, por desvalorizar umas às outras. Se preocupar com a possibilidade de que outras “desvalorizem” você caso “se vendam fácil” sexualmente é a lógica de alguém que vinculou resignadamente sua autoestima e seu valor pessoal a uma economia libidinal. Os homens não quebram a cabeça se preocupando com a imagem sexual ou o comportamento sexual de outros homens porque os homens se consideram os sujeitos soberanos de suas próprias vidas, não objetos em uma troca social. Eles são ameaçados pela fantasia de que o poder de compra de outros homens possa ser maior do que o deles, mas é difícil imaginar um movimento político de homens que fazem campanha contra outros homens por causa da adequação desses últimos a estereótipos sexuais masculinos. Por outro lado, o medo de emasculação dos homens não se trata de um tabu estranho e existencial com a homossexualidade, mas existe precisamente porque tal feminização significa ser um objeto de troca. Desde que não sejam convertidos em mulheres-objeto, os homens não poderiam ligar menos para o comportamento sexual ou a forma de se vestir de outros homens. Isso porque eles são compradores com dinheiro em mãos, não objetos com valores subindo e caindo [2].
É apenas por meio da insistência coletiva no direito de autodeterminação – incluindo o direito de decidir sobre trivialidades, como roupa e maquiagem, e o direito de expressar-se sexualmente ou se recusar a fazê-lo – que uma mulher consegue subverter sua posição como um objeto de troca e se afirmar como possuidora de si mesma [self-possessed]. Essa autodefinição não requer, de nenhuma forma, a compra de bens de consumo; entretanto, o mercado certamente explora o desejo das mulheres por autodeterminação, da mesma forma que explora todos os desejos.
As alegações de que mulheres que usam o véu e mulheres que usam roupas ‘provocantes’ estão prejudicando todas as mulheres são dois lados do mesmo argumento. As mulheres que usam roupas ‘reveladoras’ são colaboradoras que dão aos homens o que eles querem sem exigir vínculos ou comprometimentos (isto é, ‘de graça’), enquanto as mulheres que usam o véu estão colaborando com os homens por afirmar que os corpos das mulheres exalam sexo. Nenhuma das duas escolhas é considerada legítima porque, pelo menos de acordo com os padrões eurocêntricos de classe média, tais escolhas são escolhas feitas contra si mesma. Mas isso não responde à pergunta: como alguém escolhe a si mesmo? Outra dimensão da linha política feminista ‘nem a burca, nem o biquíni’ é que ambos os trajes sexualizam as mulheres. Na primeira situação [burca], as mulheres são consideradas tão sobrecarregadas de conteúdo sexual, tão sexualmente irresistíveis, que elas devem ser cobertas; na última situação [biquíni], as mulheres são pressionadas socialmente para radiar sexualidade. Mas, como qualquer pessoa do campo ‘nem a burca, nem o biquíni’ te diria, elas dificilmente são puritanas, elas amam sexo etc. Então, portanto, qual exatamente é o problema de expressar sexualidade? O problema é que elas interpretam a sexualidade dos corpos das mulheres, tanto as que usam véu quanto as que não usam [both veiled and unveiled], como um reflexo puro do desejo masculino. A mulher é apagada tanto pelo véu quanto pela nudez, substituída pelo próprio olhar masculino [3], ou, como o feminismo psicanalítico lacaniano coloca, pelo olhar, já que todo desejo é codificado como masculino (Campbell, 2004). Quando não é considerado uma verdade eterna sobre gênero ou biologia, mas, ao invés disso, uma descrição da vida burguesa, o argumento ‘todo desejo é masculino’ parece sim refletir suposições de dentro da economia libidinal moderna – e, claramente, as feministas do ‘nem a burca, nem o biquíni’ concordam. Então, não sobra nada a não ser um dilema. Não há revelação pública de sexualidade que seja legitimamente feminista: usar uma burca é se submeter à ideia patriarcal de que uma mulher é super sexy por baixo de todo aquele tecido; usar um biquíni é revelar essa sexualidade. Ser interpelada (isto é, socialmente inscrita, independentemente dos desejos da pessoa) para a sexualidade pública é uma frustração dada.
A prática feminista insipirada pela segunda onda tenta subverter isso de duas formas: 1) através da política da respeitabilidade e do profissionalismo de classe média, complementados com o policiamento da sexualidade pública e/ou uma rejeição do que a cultura LGBT+ [americana] chama de ‘high femme’ [k*]; ou 2) mediante uma nudez militante, onde a mulher se desnuda para provar que o corpo é uma coisa não-sexual, da natureza, uma mera ferramenta biológica para urinar e dar à luz, apenas a casca com a qual uma pessoa experimenta o mundo – eu me despirei para você, mas apenas para te provar que não há nada para se ver a não ser minha biologia. De fato, essa prática é efetiva para desfazer pressuposições patriarcais (embora o faça por meio do fortalecimento de pressuposições cisnormativas). Mas, mais uma vez, onde está a sexualidade das mulheres? A sexualidade das mulheres ainda é relegada à privacidade e ao sigilo – misteriosa até mesmo para as próprias mulheres – e completamente invisível. Roland Barthes disse uma vez a famosa frase, ‘Nos Estados Unidos, o sexo está em todo lugar, exceto na sexualidade”. O feminismo do nem-a-burca-nem-o-biquíni corrige esse problema através da demanda de que o sexo não esteja em nenhum lugar fora do ato sexual em si, que acontece na santidade do lar com o namorado ou marido, ou talvez com um grupo em um retiro lésbico separatista. O desejo dos homens comanda as ruas, e a sexualidade das mulheres se expressa em casa: a dinâmica geral permanece inalterada.
O feminismo de terceira onda estava particularmente preocupado com ir além desse impasse. Sua solução tem sido a celebração tudo que existe como existe – ao invés de rejeitar a burca ou o biquíni, queerificar a burca colando adesivos feministas nela [4], e queerificar o biquíni ao torná-lo uma escolha aceitável independentemente do tamanho, formato ou número de pelos de uma mulher. O objetivo da terceira onda era a liberdade de escolha; não a escolha correta, nem a escolha legítima, mas a escolha aleatória, sem significado, a escolha existencial. É a escolha aleatória que coletivamente impulsiona as mulheres para a posição de sujeitos autodeterminados no lugar de objetos dessa escolha. Esse é o motivo pelo qual não-muçulmanos, mesmo nos ramos mais ‘sex-positive’ (que valorizam o sexo como algo inerentemente positivo) da comunidade queer não fazem campanha contra o hijab como se ele fosse algum tipo de concessão vergonhosa ao patriarcado [5]. O hijab é uma escolha como qualquer outra, e é a escolha que conta. O feminismo de terceira onda está correto no entendimento de que a raiz de toda a misoginia, incluindo a transmisoginia, não pode ser o fato de que as mulheres são objetificadas, são o objeto do olhar de um sujeito. Intersubjetividade significa que todos são sempre, potencialmente, objetos de algum sujeito. A raiz da misoginia, por outro lado, é que a própria mulheridade tem um valor de troca que pode ser aumentado ou diminuído por vestir o véu ou por não o vestir, por manter o sexo sagrado ou por ingenuamente entregá-lo facilmente. Porque as mulheres são definidas coletivamente pelo valor de seus serviços sexuais e emocionais, a insinuação de que todas as mulheres devem manter um conjunto comum de comportamentos ditos “dignos” para manter o valor do coletivo tão alto quanto possível não rompe com a lógica patriarcal. Posto de forma simples, a lógica política da segunda onda é que todas as mulheres (cis) devem se unir enquanto uma ‘classe’ e agir ‘em solidariedade’ umas com as outras para manter o valor emocional, libidinal e até mesmo de mercado do coletivo, alto: ou então elas têm que fugir para a floresta. Por esse motivo, o inimigo político da segunda onda não são os homens – como tão frequentemente assumido pelos conservadores – mas sim as mulheres que não se adequam ao programa. Na verdade, os homens podem até mesmo adicionar suas vozes feministas à crítica do comportamento e expressão sexual das mulheres [6].
Esse criticismo aparece mais explicitamente nos debates sobre trabalho sexual. Em nenhum outro lugar o paradigma da pena/ódio está mais evidente. Trabalhadoras sexuais são dicotomizadas em: vítimas absolutamente boas (mulheres traficadas, corpos animados por puro abuso) e vitimizadoras (no sentido de pessoas que causam sofrimento a outras pessoas) absolutas (mulheres que vendem seu trabalho sexual livremente, portanto perpetuando a sexualização das mulheres). A outra categoria de vitimizadora absoluta é a mulher trans, a quem as feministas radicais trans-excludentes (TERFs) geralmente identificam com a trabalhadora sexual. Este é um exemplo claro do que os proponentes da psicanálise chamam de “deslocamento metonímico de significado/significante”: mulheres trans são caricaturadas como explícita e afetadamente femininas, feminilidade explícita e afetada sugere sexualidade explícita e aberta, sexualidade explícita e aberta quer dizer “ser fácil”, “ser fácil” sugere prostituição. E então elas utilizam o fato de que muitas mulheres trans são forçadas economicamente à prostituição como evidência para o que estão sustentando.
Mas e as críticas de que a ênfase do feminismo de terceira onda (o feminismo queer, por exemplo) na escolha individual reflete um culto liberal do eu? Primeiro, é importante distinguir entre ter opções [choices] e ter escolha [choice], ou, colocado de outra forma, entre objetos e agência. O capitalismo nos dá uma série de opções. Nós podemos ser estrelas do rap, possuir iates, comer qualquer coisa do menu, viver em qualquer lugar que quisermos. Nós podemos pintar nossas casas de azul e estudar em qualquer área do conhecimento na faculdade. Mas essas são só as opções; elas não são a escolha. Apesar de todas as opções disponíveis, a vasta maioria de nós não se tornará estrelas e nós nunca conseguiremos escolher um iate. Nós até podemos conseguir pagar para comer em um restaurante, mas não temos nenhuma escolha real sobre como nossa comida é produzida. Nós podemos viver em qualquer lugar, desde que consigamos um emprego por lá e tenhamos condições de nos realocar. Nós podemos possuir uma casa, mas, sob o capitalismo, estaremos sempre sob os caprichos do mercado imobiliário. O capitalismo nos dá muitas coisas para optar, mas pouca agência. Existe uma diferença entre celebrar um mercado que produz coisas, opções; e promover o direito de fazer escolhas.
Isso posto, a ênfase coletiva no desenvolvimento do sujeito deixa lacunas enormes na discussão: o tráfico sexual quase não é teorizado [7]. Entretanto, o tráfico de seres humanos – sexual ou não – é uma questão de economia política, não uma questão de maldade ou sobre patriarcado. O eufemismo de mulheres vendendo a si mesmas é complicado porque todas as pessoas trabalhadoras vendem a si mesmas. A distinção entre o mercado de trabalho e o tráfico global de pessoas está na diferença entre vender sua força de trabalho e ser vendido como uma mercadoria; passar da alienação e da exploração para a completa desumanização é cruzar uma linha tênue, muito embora esse movimento signifique uma mudança dramática de paradigma. Nenhum feminismo consegue teorizar o tráfico moderno sem recorrer à economia política. Não é a ênfase no desenvolvimento do sujeito que impede as feministas queer de teorizar o tráfico sexual de pessoas, nem o fato de recusar a disciplina comportamental coletiva através do paradigma da respeitabilidade e da compaixão: é a falta de entendimento de economia política que fica no caminho.
Consequentemente, analisar a dimensão econômica não é ser reducionista; o pensamento reducionista advém de confundir o moral com o político e de substituir a análise das condições do trabalho dentro de um modo de produção pela análise de hábitos de consumo. Também advém do fracasso em distinguir entre a razão prática e teórica; como com o Programa de Erfurt [l*], o fracasso em lembrar que há uma distância entre a retórica política agitativa e a ciência.
Capítulo 4. Conclusões. Parte II: “Dez axiomas rumo a um futuro marxista queer”.
- Os marxistas devem enfrentar o feminismo radical trans-excludente
Embora os marxistas tenham pouco terreno compatível com as visões do feminismo radical, especialmente na ideia de que o patriarcado é a origem de todas as opressões de classe, algumas vezes feministas-marxistas operaram através de um quadro teórico de segunda onda, irritadas com as insuficiências decorrentes do fracasso do feminismo de terceira onda em tratar integralmente de temas como: a gestação de substituição comercial [barriga de aluguel] no sul da Ásia, as contribuições econômicas do trabalho doméstico e reprodutivo, e o feminicídio.
Entretanto, a libertação das mulheres não está ameaçada pela libertação de homens que são capazes de engravidar e de mulheres que não são capazes de engravidar. A visão paranoica do feminismo radical trans-excludente, que enxerga mulheres trans como [homens] estupradores e predadores de banheiro – reminiscente não apenas de opiniões de conservadoras de direita, mas também de pânicos antigos sobre lésbicas em banheiros e vestiários – não tem lugar na teoria marxista. Também não há lugar para a histeria moralista em que mulheres culpam outras mulheres por sua própria opressão – as acusando de serem ‘porcas chauvinistas’ [female chauvinist pigs] ou ‘colaboradoras’ [female collaborators] –, atitude que sempre posiciona as trabalhadoras sexuais como as inimigas que vendem sexo [sex-selling enemies], ao invés de tratá-las como trabalhadoras, como sujeitos operando em um sistema econômico. Historicamente, conjuntamente a mulheres heterossexuais cisgênero, mulheres trans e lésbicas femininas [femme lesbians] da classe trabalhadora foram as mais afetadas por essa misoginia. O marxismo é uma política baseada em solidariedade e ação em um dado contexto econômico; não uma combinação de acusações absurdas e pânico moral em relação a gênero. Os marxistas também não deveriam se curvar para a acusação de que as pessoas trans estão tentando apagar a palavra ‘mulher’ em tempos de ataque às mulheres. O capitalismo não é simplesmente, abstratamente, misógino; ele está interessado em promover o sexismo tradicional e oposicional [the traditional and oppositional sexism – m*] que assegura e mantém o sistema. Um prejuízo a uma é um prejuízo a todes [An injury to one is an injury to all].
NOTAS (Capítulo 1)
- Carol Queen descreve o “uniforme” feminista-lésbico não como não-generificado [ungendered], mas como “Butch Lite” [algo como levemente bofinho/caminhoneira/masculino] (Queen 1997: 154). Judith Butler celebremente desmistificaria a ideia da “genderlessness” [uma vivência sem-gênero, a possibilidade de viver uma existência ausente de gênero no agora] como uma impossibilidade, com base no fato de que o sujeito é sempre interpelado na e pela estrutura da linguagem, sempre é chamado a prestar contas por seu corpo, é sempre “lido” por meio de condições discursivas. O próprio ponto da denúncia do gênero criaria uma cisão essencialista entre gênero/sexo (ver Butler 1990; sobre a materialidade do corpo, ver Butler 1993).
- The Transsexual Empire [“O Império Transexual”] de Janice Raymond (1979) é o texto clássico do feminismo anti-trans. De forma paranoica, Raymond imagina um “império” socialmente poderoso de mulheres transexuais. A escritora e inventora de mídias pós-moderna Sandy Stone chamou sua resposta espirituosa a Raymond (o trabalho de Raymond fora um longo ataque pessoal a Stone) de “The ‘Empire’ Strikes Back” [“O ‘Império’ Contra-ataca”] (em Stryker e Whittle 2006).
- Certificar-se de que as mulheres trans não tenham onde urinar tem sido o trabalho da vida da advogada Cathy Brennan. Ver a ‘2011 Letter to the UN on “Gender Identity” Legislation’, de Cathy Brennan e Elizabeth Hungerford em http://sexnotgender.com/gender-identity-legislation-and-the-erosion-of-sex-based-legal-protections-for-females/.
NOTAS (Capítulo 2)
- O feminismo de segunda onda continua a identificar outras mulheres como “colaboradoras” do patriarcado. O exemplo mais recente é o livro Female Chauvinist Pigs [‘Porcas Chauvinistas’] (Levy 2005), que, após longas seções de escrita angustiante sobre as vítimas de tráfico sexual, passa para um capítulo sobre trabalhadoras sexuais intitulado ‘Pigs in Training’ [‘Porcas em treinamento’]. Claro, o termo ‘pig’ deve se referir à frase ‘chauvinist pig’ [porco chauvinista, termo popular de escracho contra policiais, figuras institucionais, homens machistas etc.], mas quando as mulheres são chamadas de “pigs” (porcas) por seu comportamento sexual, o termo conota claramente o uso do termo para significar uma mulher “suja” e promíscua. Há também um capítulo altamente sintomático intitulado “From Womyn to Bois”, que usa algumas entrevistas jornalísticas como evidência para pintar homens trans, butches [bofinhos, caminhoneiras], femmes [sapatilhas, ladys, lésbicas femininas] e pessoas genderqueer como misóginos supersexuais e superficiais.
- A troca das mulheres como uma característica estrutural da existência humana é um argumento principal no texto fundamental do estruturalismo, As Estruturas Elementares do Parentesco de Claude Lévi-Strauss, especialmente a Parte Um, Capítulo V: ‘O Princípio da Reciprocidade’ (Lévi-Strauss 1969). O trabalho de Lévi-Strauss informou as perspectivas psicanalíticas lacanianas sobre sexo e gênero. Gayle Rubin critica Lévi-Strauss por vários motivos, incluindo que sua teoria não leva em conta o tráfico de homens e meninos e que o incesto não é o único tabu relacionado ao sexo ou gênero (ver ‘The Traffic of Women’ [‘O Tráfico de Mulheres’] e ‘The Trouble with Trafficking’ em Rubin 2011). Para refutações materialistas do tráfico universal de mulheres, ver Leacock (2008) [trata-se do livro “Myths of male dominance” (Mitos da dominação masculina)].
- O texto clássico sobre o “male gaze” [olhar masculino] é o ensaio de Laura Mulvey “Visual Pleasure and Narrative Cinema” (em Mulvey, 2009).
- A personagem Rabeya é uma riot grrrl, feminista pró-LGBT, que usa uma burca e usa proibições religiosas para dominar o espaço na casa punk onde vive com outros punks muçulmanos (ver Knight 2009).
- A feminista radical trans-excludente Julie Bindel escreveu artigos sobre o fardo do niqab. Bindel não quer ver o niqab banido porque ela argumenta que não é função do Estado ditar o que as mulheres devem vestir; o propósito político de seus escritos é criticar outras feministas que não criticam o niqab. Ela rejeita a ideia de que usar o niqab possa ser uma “escolha”, dizendo que não é uma escolha genuína. Esse argumento pinta as mulheres muçulmanas como vítimas entorpecidas demais por sua cultura para fazerem suas próprias escolhas de indumentária – vítimas que devem ser salvas, não pelo Estado, mas pelo feminismo branco europeu.
- Um ótimo exemplo disso é Getting Off: Pornography and the End of Masculinity, de Robert Jensen (2007).
- Conta-se que, ao defender os direitos das trabalhadoras sexuais, o feminismo de terceira onda não pode advogar pelas vítimas do tráfico [de pessoas]. Mas a realidade é muito mais complicada. As campanhas de combate ao tráfico têm que ser coordenadas com o complexo militar-industrial. As vítimas de tráfico não têm sua falta de agência estampada em suas testas, então, quando se manifestam, são frequentemente processadas como trabalhadoras sexuais ilegais e não como escravas
NOTAS DA TRADUÇÃO
[a*] A expressão “libertação das mulheres” [women’s liberation] nesse caso e daqui para frente, refere-se ao movimento e à teoria que objetivam a emancipação das mulheres; não ao ato em si.
[b*] Feminismo de segunda onda aqui, de acordo com as demais partes do livro, se refere às tendências dominantes do feminismo no pós-Segunda Guerra e que sobrevivem até hoje (com menos força): principalmente o feminismo radical e o feminismo cultural (que, por sua vez, é só uma ramificação do feminismo radical).
[c*] O Socialist Workers Party (SWP) [‘Partido dos Trabalhadores Socialistas’ ou ‘Partido Socialista dos Trabalhadores’] é uma organização trotskista estadunidense, que foi muito famosa, especialmente por sua atuação no movimento sindical e de massas entre os anos 30-70.
[d*] No original, “the ‘cheapness’ of working women”. Em inglês, é uma gíria próxima da ideia machista de “mulher fácil” no Brasil; traduzimos dessa maneira. Entretanto, no contexto desse tópico e de mulheres como objeto de troca, o “cheapness” também é uma brincadeira/analogia com preços.
[e*] Disputas feministas sobre sexo, sexualidade, pornografia, trabalho sexual, transexualidade, práticas lésbicas, BDSM etc. que estouraram nos anos 70-80; entre feministas de segunda onda e o grupo que posteriormente daria origem ao feminismo de terceira onda.
[f*] No original, “circular firing squad”, uma situação sem saída em que todo mundo ataca todo mundo.
[g*] “Cultura popular” aqui não tem o mesmo sentido do que no português, de cultura produzida pelas massas, que reflete suas preocupações e sofrimentos. Do inglês, “popular culture” significa cultura produzida pela indústria cultural capitalista; “popular” no sentido de fazer sucesso.
[h*] “Criar espaço” na cultura popular (no sentido esclarecido na nota g*), nos discursos estabelecidos, se utilizar dos símbolos conhecidos e hegemônicos etc.
[i*] De acordo com o sentido de queer da teoria queer, “queerificar” seria subverter; quebrar a estabilidade, coerência, sentido dominante de um símbolo, traço identitário ou elemento; torná-lo algo próprio, ambíguo, instável, radicalmente contingente, particular; desconstruí-lo no sentido derridiano ou torná-lo uma paródia de si mesmo, no sentido de Butler.
[j*] No original, “pigs and collaborators”. “Chauvinist pig” (porco chauvinista) – ou simplesmente “pig” (porco) –, é um termo comum na esquerda anticapitalista estadunidense para designar de forma pejorativa policiais, figuras institucionais e no geral pessoas ‘opressoras’ e/ou entendidas como fundamentalmente comprometidas com a nação ou com o sistema (‘chauvinista’ significa supremacista nacional, racial etc.). Feministas formularam a expressão “male chauvinist pig” – porco “macho” chauvinista – para designar supremacistas masculinos ou homens poderosos entendidos como proponentes fundamentais do sexismo. Depois, feministas de segunda onda inventaram a expressão “female chauvinist pig”, porca chauvinista, para se referir a mulheres que estariam explicitamente comprometidas com a própria a opressão, que seriam cúmplices ou sustentadoras do patriarcado. Traduzimos como “porco” ou “porca” por conta das explicações da nota 1 do capítulo 2.