Por Thiago Burckhart, para Desacato.info.
O título desse artigo faz referência ao clássico livro escrito por Sigmund Freud, chamado “Mal-estar na civilização”. Para Freud, o termo civilização não era visto como algo diferente de cultura, trabalhando os dois conceitos como sinônimos. Nesse livro, Freud descreve, em síntese, o preço que paga-se por viver em sociedade, sobretudo no que tange ao nosso distanciamento socialmente imposto dos desejos julgados como inatos aos seres humanos. Esse sacrifício dos instintos, somado a outros inúmeros fatores constitui o mal-estar na cultura.
Hodiernamente, a partir do aprimoramento dos instrumentos de controle (bio)políticos e econômicos, é perfeitamente possível fazer uma análise da realidade a partir dos elementos trazidos pelo texto, que apesar de ter sido escrito no final da década de 1920 mostra-se muito atual. A análise empreendida por Freud nos permite mergulhar num âmbito da psique humana que ainda se coloca como desconhecida para muitos, permitindo chegar a interessantes conclusões do ponto de vista científico.
Alienação como mal-estar
Pode-se contextualizar a obra de Freud nos tempos hodiernos pensando a partir de uma mal que assombra a condição humana, qual seja, a alienação. A alienação é um conceito amplo que nos permite fazer inúmeras interpretações. No entanto, essa é uma categoria que define em grande escala o momento pelo qual vivemos em sociedade, o que pode ser visto como o mal-estar na cultura contemporânea.
A palavra alienação, do latim alienatione, significa a transferência para outra pessoa de um bem ou direito. Na teoria marxista a alienação passa a ser interpretada como a entrega total do sujeito ao trabalho. No entanto, atualmente, a alienação pode ser entendida como a falta de esclarecimento, ignorância e imbecilidade.
De fato, vivemos hoje em condições jamais vistas ou mesmo imaginadas por nossos ancestrais, temos acesso a conteúdos que uma pessoa do século XIX e mesmo do século XX jamais teria. Temos condições materiais para que o mundo se torne mais culto, mais esclarecido, mais consciente, no entanto, a convivência nesse mesmo mundo mostra exatamente o contrário. Talvez, vivemos tempos de profunda alienação jamais vista na história da humanidade.
Alienação política
Dentre as formas de alienação a que mais se coloca como profunda problemática é a alienação política. Nesse tipo de alienação, o indivíduo perde por completo a noção de política, ou seja, corrompe-se a mente e a ação humana, o que leva a afirmar que corrompe-se uma parte da condição humana.
Denuncia-se o jogo da ideologia sem saber que se defende uma ideologia, e desse modo a materialidade da vida se transforma abruptamente em ideologia, o que torna difícil viver o real – mesmo sabendo das diferentes significantes que essa palavra pode ter – senti-lo e realizar julgamentos lúcidos sobre o mesmo.
Nesse contexto, troca-se o esclarecimento pelo medo e irracionalidade. Troca-se a democracia pelo oportunismo de alguns. Troca-se a resistência pelo conformismo. A alienação política, portanto, coloca-se como um mal-estar no nosso tempo, propagado pelos grandes monopólios de comunicação, e pela indústria cultural de massas.
Em termos políticos a alienação compromete a emancipação humana, pois cega o alienado dessa possibilidade. Trata-se de uma das grandes problemáticas atuais compreender a fundo esse processo bem como intervir em prol do esclarecimento, da emancipação e da liberdade.
Thiago Burckhart é estudante de Direito.