O machismo sutil da classe média “cult” jaraguaense

Por Ana Paula Abel.

Jaraguá é bem conservadora e machista. Novidades?

Não. Mas o interessante é que as formas como o povo jaraguense externaliza seu machismo é diferente. Cada grupo tem suas maneiras.

A classe média conservadora que paga pra ver palestra do Bolsonaro na Scar se expressa de uma forma, por exemplo, dizem que mulher tem que ficar em casa, tem que ganhar menos porque engravida, adoram pedir uma ditadura militar, e falam que mulher apanha porque gosta, porque saiu de saia.

Só que existe uma outra classe média jaraguaense. Essa é um pouco diferente – talvez ela também goste dos ideais do Bolsonaro, porém, não expressa por questões de manter uma imagem imparcial.

Vamos falar de uma classe média que lê clássicos vitorianos e poesia, a classe média que vai na Scar não só pra levar o filho na aula de violino, mas sim, pra ver palestras de poetas e escritores conceituados.

Essa classe média vai em eventos mais “cult“, porque afinal, ela é uma classe leitora. Porém, a quantidade de conhecimento que ela possui em comparação com os outros grupos não a torna mais inteligente quando a questão é estruturas sociais de opressão.

Essa classe média discute sobre opressões, mas de um modo superficial, afinal, ela não quer perder os privilégios que possui.

Ela não possui aquele machismo que a gente sente cheiro de longe. O machismo dela é mais sutil, mais guardadinho. Ele só aparece em alguns determinados momentos, mas principalmente, naqueles onde se reforçam papéis de gênero.

As mulheres são independentes, empresárias, mas reforçam padrões de beleza e externalizam por aí opressões contra mulheres mais pobres, negras, ou seja, de camadas sociais inferiores a dela.

Esses comportamentos machistas vem da nossa socialização de gênero, e que por causa da classe, enxergar a condição de mulheres diferentes que não nasceram em berços privilegiados é mais complicado. Mas isso não é justificativa para essas mulheres permanecerem oprimindo as outras.

Os homens? Eles falam de amizade, família e amor como ninguém. Porém, a cada cinco minutos de suas falas podemos notar apologias a submissão feminina, insinuações sobre a inferioridade intelectual da mulher, e claro, o destaque para a tal da “falta de racionalidade e excesso de emoção” do sexo feminino. Eles podem até ser esquerdomachos, mas geralmente não possuem tanta empolgação pra falar de revolução, esses homens são mais ligados a questões de literatura, filosofias de vida, mas não de movimentos políticos.

Eles não são tão acusados de agressão contra a mulher – afinal, como disse Angela Davis em Mulheres, Raça e Classe, nos Estados Unidos, as leis foram feitas pra proteger os homens oriundos de classes mais altas e pra culpabilizar as mulheres da classe trabalhadora. Infelizmente, essa não é só a realidade dos EUA.

Esses homens leem 500 livros de filosofia por ano e até leem alguns textos feministas, mas refletir sobre? Não querem. Enquanto isso, aprendem o suficiente e decoram algumas falas só pra conseguir interromper discursos feministas com maestria.

Isso já aconteceu comigo, e foi um episódio bem marcante. Eu me reuni com um grupo de pessoas que tive esperança de serem desconstruídas, afinal, olha só, elas leem tanto, refletem tanto. Mas o que vi quando comecei a participar da conversa foi apenas um machismo ridiculamente primitivo, disfarçado de palavras bonitas.

Eu fiz a minha fala, falei sobre meu trabalho escrevendo, sobre o blog, sobre minha luta, e o que aconteceu? Fui interrompida duas vezes por um homem que apenas queria me corrigir em todos os pontos possíveis. Esse cara, tão cult e legal, não via machismo no mundo e reeditou todas as minhas falas, afinal, eu sou uma jovem feminista que tá com um fogo no rabo pra fazer revolução, mas de acordo com ele, isso logo ia passar porque quando a gente fica mais velho, a gente entende melhor as coisas – entende, ou se conforma com as merdas desse mundo? 

Ou seja, só porque a pessoa está ocupando um espaço onde a gente espera que ela tenha uma construção, não quer dizer que ela tenha essa tal “construção”, conhecimento.

Essa classe média tem muito espaço na cidade, e por isso esses lugares precisam ser preenchidos por nós. Nós precisamos nos colocar presentes nesses ambientes onde o machismo se manifesta de uma forma mais sutil, porém, igualmente violenta. Nós precisamos estar ali e problematizar, porque essa geração de pessoas cult estão falando coisas absurdas e influenciando muita gente.

Eu cheguei a ouvir de uma mulher respeitadinha por aí que meninas engravidam mais cedo porque estão se tornando mais promíscuas, porque vão pra bailes funks. Ai gente, fala sério né.

O machismo permanece em todas as classes e em todas as expressões dela. Não é machista só  aquele cara que é radicalmente conservador. Os que estão nos espaços aparentemente avançados, também são.

Fonte: Mina Empoderada

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