O lugar de onde a gente escreve

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#AOutraReflexão

Por Claudia Weinman, para Desacato.info.

O lugar onde a gente vive diz muito sobre o que escrevemos, como nos reportamos, sentimos, analisamos os acontecimentos. Expressar isso será também um dos desafios no espaço d’A Outra Reflexão. O Oeste Catarinense em termos de comunicação passou a fazer parte do mapa das lutas do Brasil não faz muito, já em termos de organização social a região é berço de lutas históricas, desde muito antes da passagem de Coluna Prestes à beira do rio Macaco Branco na cidade de Descanso/SC, mas, sim, quando as populações autóctones foram sendo dizimadas aos poucos em uma abertura forçada para os novos rumos econômicos, sociais e culturais da região. É sobre isso que vamos falar nesse primeiro texto.

A região do Extremo-oeste e Oeste Catarinense foi historicamente habitada por populações indígenas e caboclas. As comunidades nativas possuíam um modo de vida muito diferente de outras que vieram depois. Cultivavam o necessário para sua sobrevivência. Era uma cultura de subsistência. No entanto, o processo de colonização ocorrido em meados do século XX, tratou de afastar sistematicamente esses habitantes da terra historicamente ocupada.

A implantação de uma cultura capitalista pela colonização gerou uma transformação social, cultural e econômica desse espaço, entre as quais a destituição dos nativos das terras ocupadas. Decorrido menos de um século da privatização do território regional, as populações pré-capitalistas reivindicam ainda o direito constitucional pela retomada da terra. Pautada no desenvolvimento sem fronteiras, parte da região colonizada principalmente pelas etnias alemãs, italianas e polonesas formam o tema central de conflitos nesse espaço.

Ao longo da história, os conflitos gerados pela posse da terra permaneceram no centro do relacionamento entre os vários povos e etnias que constituíram o espaço que hoje denominamos Brasil. As populações autóctones, mesmo com várias diferenças culturais entre si, mantinham semelhanças em relação à terra. A tinham como sinônimo de vida. Com a chegada do europeu essa realidade foi mudando.

Alguns grupos indígenas existentes não somente no território brasileiro, mas em toda a América, descobriram a agricultura a cerca de 2500 a. C., constituindo assim o que chamamos de Revolução Agrícola. Esse processo fez com que as relações dos componentes de determinado grupo fossem se distinguindo das demais. Começaram a existir pequenas diferenciações sociais e também, a divisão do trabalho por questão de gênero.

É importante destacar  o processo de formação de tribos na história, as quais passaram a organizar a comunidade indígena, com a intenção de protegerem a si próprios e também a terra coletiva da qual faziam parte. Estruturaram, portanto, economias de subsistência, que garantia a alimentação produzida por eles mesmos. Entre os povos nativos no território brasileiro que passaram pela Revolução Agrícola, destacamos os povos de matriz Tupi. Esses indígenas começaram a praticar agricultura dominando a técnica e domesticando plantas.

A agricultura foi uma ferramenta de evolução cultural importante na vida dos Tupi. Garantiu uma alimentação farta, diferente dos grupos pré-agrícolas que sempre dependiam da natureza para comer determinado alimento. Toda a conjuntura história da agricultura indígena está relacionada com sua finidade com a terra. É indispensável para compreensão dos estudos sobre os povos autóctones, o entendimento sobre o chão indígena.

Se para o europeu e seus descendentes a terra é uma propriedade privada e possui um dono, para os nativos essa relação não existe. Defendiam que a terra não tem valor comercial e é coletiva, ou seja, pertencente a todos. A única propriedade individual do indígena era a ferramenta do seu trabalho, como exemplo, o arco e a flecha. Nem mesmo o produto do seu trabalho, no caso a caça, pertencia a si mesmo, devendo ser repartida com a família. Para os Kaingang, uma terra nunca é igual à outra, cada território tem sua característica sagrada, e eles próprios pertencem a terra, e não ao contrário.

Os Kaingang mantêm, com seu território vínculos místicos e cosmológicos. Por esse motivo, uma terra não é igual à outra, e nem mesmo lhes interessaria uma terra que fosse superior em valor de mercado. A terra que o Kaingang deseja é a sua terra, à qual ele está ligado desde o nascimento e à qual também compreende seu destino após a morte. No território catarinense, encontramos além dos Kaingang, os povos Guarani e Xokleng. Esses três grupos indígenas que historicamente ocuparam o espaço, tinham suas próprias características culturais e língua. Em contato com os povos não indígenas, sofreram perseguições, assassinato, escravização e perca do território.

Nesse sentido, a questão agrária brasileira sempre foi um reflexo do latifúndio. Após a chegada portuguesa, o território colonial foi dividido em 15 capitanias hereditárias, e cada uma delas foi entregue como concessão a nobres que deveriam administrá-las e pagar impostos para a coroa. Esse primeiro capítulo da história do Brasil aponta conflitos de portugueses contra indígenas. Os conflitos entre indígenas e não indígenas estiveram ligados principalmente à questão da terra. De um lado estavam os que viam a terra como fonte de recurso econômico e de outro, os que tiravam dela o sustendo para sobrevivência.

No caminhar da história do Brasil ainda surgiram mais personagens, os negros. Os mesmos foram trazidos do continente Africano a força, para alimentar a mão-de-obra na colônia, assim como acontecera com os indígenas no início da colonização portuguesa. Ambos os povos não aceitaram pacificamente suas condições, e durante o processo histórico houve revoltas e manifestações. Além desses fatores comuns com negros e nativos, no século XIX implantou-se a Lei de Terras, que excluía ambos de sua posse.

É importante salientar que a Lei foi instaurada pós-independência do Brasil, portanto, foi uma lei brasileira e não mais portuguesa. A partir disso, todo o princípio de relação do indígena, do negro com a terra, foi mais de exploração do que propriamente vida, como cultivavam na sua essência. Assim, a terra tornou-se mercadoria, cujos participantes de sua compra, eram pessoas que tinham poder econômico para obtê-la. Diferentemente das populações nativas, que passaram a ter a sua força de trabalho explorada pelos imigrantes europeus e muitos se afugentaram. A Lei de terras definiu um novo momento na história.
O processo de ocupação do território Oeste Catarinense historicamente foi conflituoso.

Se atualmente verificam-se conflitos de indígenas e não indígenas, anteriormente existiu uma série de disputas entre países europeus e posteriormente nações latinas. Após o “descobrimento” da América, Portugal e Espanha rivalizavam uma disputa territorial por tudo o que hoje é o Sul do Brasil, e, portanto, o Oeste de Santa Catarina não ficou de fora. Depois dos processos de independência nos países Latinos, Argentina e Brasil novamente travaram lutas por essa região, tendo ganho de causa ao Brasil.

A Guerra do Contestado foi outro capítulo de disputa pela terra. Nesse conflito envolveram-se, além dos estados do Paraná e Santa Catarina, fazendeiros e empresas multinacionais que disputavam a terra com a população cabocla e indígena, pessoas que habitavam a região, mas que não tinham o registro da terra.

Quando findou os conflitos do Contestado, tendo em vista o massacre da população cabocla, era preciso “povoar” a região. Nessa época também os municípios de Chapecó/SC e Cruzeiro (Joaçaba) foram emancipadas, passando a ter seu poder político-administrativo.
Os caboclos e indígenas eram povos indesejados na região. Por questões raciais ou culturais, ou mesmo os dois, os antigos habitantes da região eram coagidos a se retirarem do espaço. Surgiram então os bugreiros, pessoas responsáveis pela caçada aos indígenas. Um termo condicionado a presença dos indígenas na região, era a “limpeza”, ou seja, se comprava as terras sujas ou limpas, com indígenas ou sem indígenas.

Um novo cenário foi evidenciado com o desenvolvimento dessas novas formas de produção. A marca da expansão do setor econômico representou a extinção de uma forma de vida baseada apenas na subsistência. Cada vez mais, o indígena foi sendo excluído dessa nova vida em cada pedacinho de chão aqui do Oeste do estado. Por isso, ao falarmos desse lugar precisamos nos remeter a linha histórica de como cada região dentro desse território foi sendo formada, considerando a formação do que chamamos Brasil.

E hoje, aqui do lugar onde a gente escreve, falar dessa história é comprar uma briga grande com boa parte da sociedade interiorana. Aqui é um lugar de conservação bastante evidente. Claro que em uma sociedade dividida em classes não se espera que o que restou dos povos dizimados na história seja reconhecido, mas é nosso papel vestir palavras trazendo o contexto de que de onde a gente escreve existe um chão cuja história não começou a partir da colonização.

 

Claudia Weinman é jornalista e diretora regional da Cooperativa Comunicacional Sul no Extremo Oeste de Santa Catarina.

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