Por Cátia Guimarães.*
Incentivo público foi determinante para que o Brasil se tornasse um dos maiores mercados privados de ensino superior do mundo. O Brasil é o maior mercado de ensino superior privado da América Latina e o quinto maior do mundo.
Em 2011, mais de 72% das matrículas desse segmento educacional se davam em instituições particulares, enquanto menos de 28% estavam nas instituições públicas. Esses percentuais foram registrados pelo último Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, mas costumam ser apresentados pelas empresas educacionais como evidência de que vale a pena investir nesse mercado, que está em franca expansão e, como elas próprias apostam, deve crescer ainda mais. Por quê? Entre os motivos apontados, um é recorrente: “o apoio contínuo do Governo Federal ao ensino superior privado”.
Essa afirmação não é de um crítico ou militante pela educação pública: foi retirada do site do Anhanguera Educacional, maior grupo privado de ensino superior do país, na parte dedicada aos investidores. Esse “apoio contínuo” refere-se à “crescente disponibilidade de alternativas educacionais para a população de classes média e baixa” ou, mais diretamente, ao Financiamento Estudantil (Fies) e ao Programa Universidade para Todos (Prouni). Roberto Leher, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda: “O Brasil está num momento virtuoso da educação superior privada porque o Estado está dando um colchão protetor para que esse setor possa expandir”, diz.
Quanto custa?
Com o Fies, o governo paga a mensalidade no lugar do aluno, criando um grande grupo de consumidores que, sozinhos, não teriam como pagar pelo ensino privado. Das três partes envolvidas – estudantes, governo e instituições de ensino -, duas arcam com os custos: o aluno precisa pagar o empréstimo, mesmo com prazos facilitados e taxas muito inferiores às de mercado – 3,4% ao ano, enquanto a taxa Selic está em torno de 8%; o governo, exatamente por praticar juros muito mais baixos, no fim das contas, paga mais do que recebe de volta. As instituições de ensino ficam com os ganhos: ampliam o número de alunos, sem risco de inadimplência, e não cobram menos por isso. Já o Prouni funciona por meio da isenção fiscal, ou seja, o governo deixa de arrecadar impostos e contribuições das instituições privadas de ensino superior e, em contrapartida, exige que elas ofereçam bolsas parciais ou integrais. E os programas funcionam de forma articulada: um aluno que tenha bolsa parcial pelo Prouni tem prioridade na hora de receber recursos do Fies para pagar a parte que sobra da mensalidade.
Em 2012, o Fies representou o maior gasto direto do Ministério da Educação: mais de R$ 4,3 bilhões, de acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal. Desses, mais de R$ 2 bilhões foram para a Coordenadoria Geral de Controle da Dívida Pública, o que significa que esse volume de recursos foi utilizado pelas instituições de ensino superior (IES) como Certificados Financeiros do Tesouro (CFT) que deveriam servir para pagar dívidas previdenciárias com o INSS. Mas o relatório de uma auditoria do TCU publicado em 2009 mostrou que o Fies não tem eliminado a dívida pública dessas instituições, ao contrário: no período de 2004 a 2007, a dívida das 701 IES que participaram do programa com a previdência quadruplicou. E isso se deve, segundo o relatório, à “possibilidade de que as IES renegociem com o Fies os títulos anteriormente recebidos”. O texto conclui: “apesar de o número de instituições que renegocia títulos com o Fundo ser pequeno, essas renegociações representam valor alto de recursos públicos que acabam sendo repassados diretamente ao setor privado, cerca de R$ 40 milhões anuais em média. Esses títulos são convertidos em espécie, apesar do não saneamento da dívida previdenciária por parte dessas instituições, objetivo para o qual o título foi criado”.
Os gastos do Prouni não estão organizados no Portal da Transparência porque se dão na forma de isenção fiscal – ou seja, dinheiro que o governo não investe diretamente, mas deixa de arrecadar na forma de impostos. As instituições cadastradas no programa são isentas de PIS, Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e imposto de renda. Segundo matéria publicada no jornal Valor Econômico em março deste ano, a renúncia fiscal dessas instituições aumentou 35% nos últimos cinco anos, gerando uma cifra que, em 2013, chegaria a R$ 1 bilhão.
Mas, mesmo com todo esse investimento, os empresários do setor não estão satisfeitos. Reunidas no 6º Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular, realizado entre 6 e 8 de junho deste ano, as instituições listaram quatro demandas, que consideram uma “agenda positiva” a ser tratada com o MEC. Duas dessas pautas são reivindicações diretas de mais investimento público: a desoneração da folha de pagamento do setor e a liberação do Fies para a Educação a Distância e a pós-graduação. Da lista de demandas das instituições que, segundo o documento, já estariam em andamento com o MEC, consta ainda o “apoio para a sustentabilidade das IES com até 2 mil alunos localizadas em regiões carentes”. O secretário de Ensino Superior do MEC, Paulo Speller, no entanto, afirmou, em entrevista enviada por email no dia 18 de junho, portanto já depois da publicização dessas demandas, que não existem nem estão em gestação outros programas de incentivo público ao ensino superior privado.
Orientação global da política
Não há dúvida de que esses programas aumentaram o número de estudantes de ensino superior no Brasil. Mas o que os críticos dessas estratégias têm questionado é por que esses recursos (públicos) não são investidos numa política que amplie o acesso às universidades públicas. Para Roberto Leher, uma das respostas pode ser encontrada no relatório do Banco Mundial publicado em 1995 com o título ‘O ensino superior: as lições derivadas da experiência’. De acordo com o texto, os países em desenvolvimento, que estavam submetidos a “drásticos” ajustes e restrições fiscais, encontravam-se, naquele momento, diante de um problema: como ampliar o acesso ao ensino superior sem aumentar o gasto público? E a primeira sugestão que o Banco Mundial apresenta para esse problema é “fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o desenvolvimento das instituições privadas”. Explicando a estratégia, o relatório afirma: “As instituições privadas (…) podem reagir de forma eficiente e flexível às mudanças de demanda, e ampliam as oportunidades educacionais com pouco ou nenhum custo adicional para o Estado. Os governos podem fomentar o desenvolvimento da educação terciária privada a fim de complementar as instituições estatais como meio de controlar os custos do aumento da matrícula da educação superior, incrementar a diversidade dos programas de ensino e ampliar a participação social no nível terciário”.
No Brasil, esse modelo tem sido seguido tão à risca que o próprio Banco Mundial é um dos seus beneficiários: 11 anos depois desse relatório, a International Finance Corporation (IFC), empresa do Banco Mundial que investe no “desenvolvimento econômico” dos países através do setor privado, deu um aporte de R$ 12 milhões ao Anhanguera Educacional, por meio do Fundo de Educação para o Brasil/Fundo de Investimentos em Participação (FEBR). Segundo informações do site da instituição, esse dinheiro foi incorporado ao capital social do grupo em troca de ações, o que tornou o FEBR, que é administrado pelo Banco Pátria, o maior acionista do grupo. Em 2010, o IFC voltou a financiar R$ 50 milhões para o Anhanguera, que já era a maior instituição privada de ensino superior do país e agora aguarda apenas a autorização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para consolidar a fusão com o grupo Kroton, criando a maior empresa do segmento educacional do mundo. De acordo com informativo oficial das duas empresas, juntas, elas possuem mais de 800 unidades de ensino superior no país, além de 810 escolas associadas. O valor das duas companhias no mercado de capitais chega a R$ 12 bilhões. À frente do negócio, está o empresário e político Walfrido dos Mares Guia (PSB-MG), fundador do grupo Pitágoras, que deu origem ao grupo Kroton, e ex-ministro do Turismo do governo Lula. Essas duas instituições que agora vão formar a gigante da educação superior são também as que mais receberam recursos diretos do Fies no ano passado, de acordo com o Portal da Transparência: para a Anhanguera Educacional LTDA, foram quase R$ 275 milhões e, apenas para o Iuni Educacional S.A., que integra o grupo Kroton, cerca de R$ 128 milhões. Procuradas pela Poli, as instituições não tiveram disponibilidade para dar entrevista.
A fusão dessas IES é apenas mais um capítulo do processo que a revista inglesa The Economist resumiu em reportagem publicada em setembro do ano passado, em que destacava o processo de aquisição de pequenas instituições de ensino superior brasileiras por grupos empresariais. “Nos últimos anos temos visto grupos brasileiros bem capitalizados, como Anhanguera, Estácio e Kroton, que estão listados na Bolsa de Valores de São Paulo, e grandes estrangeiros, como DeVry e Laureate, ambos americanos, engolir muitos peixinhos. Mas ainda há muitos outros que poderiam ser proveitosamente engolidos”, diz o texto.
Perguntado sobre o papel do Ministério da Educação no incentivo desse mercado lucrativo e promissor e questionado sobre o quanto ele é positivo para a garantia do direito à educação no país, o secretário de Ensino Superior do MEC, Paulo Speller, lembrou apenas, por email, que “a expansão do ensino superior privado se dá com base no que prescreve a Constituição Federal, no art. 209?, que diz que “o ensino é livre à iniciativa privada”, desde que se cumpram as normas gerais da educação nacional e haja “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. E ressaltou: “O MEC não abre mão da garantia de qualidade no ensino das instituições privadas, o que é assegurado pela regulação, supervisão e avaliação da educação superior no Brasil”. O documento do congresso das IES privadas realizado este ano, no entanto, destaca algumas ações que, segundo o texto, já estariam em negociação com o MEC para flexibilizar essa regulação. Entre elas, “a utilização de instrumentos de avaliação que considerem as diferentes categorias de IES: faculdades, centros universitários e universidades” e a “participação paritária nas comissões de avaliação in loco”. Na “agenda positiva”, que as instituições ainda pretendem abrir com o governo, o texto pede ainda a “liberação da regulação da EaD para apoiar a expansão do ensino superior” e “modificações no Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes] de forma a que o aluno tenha comprometimento com o resultado”.
E a universidade pública?
De acordo com Roberto Leher, o mercado educacional brasileiro estava estagnado desde 1995, porque o número de vagas que o setor privado oferecia já era superior ao contingente de pessoas que tinham nível médio concluído e podiam pagar por isso. “Como crescer? Ou se muda o padrão de renda no Brasil, fazendo com que outros setores possam adquirir essa mercadoria, o que exigiria mudanças estruturais na economia brasileira, ou o Estado cria esse mercado”, explica, dizendo que os governos têm seguido este último caminho. Mauro Iasi, presidente da Associação de Docentes da UFRJ (Adufrj) e professor da Escola de Serviço Social da mesma universidade, analisa o que aconteceu nos governos mais recentes: “O governo faz uma combinação: garante o setor privado através de bolsas como as do Prouni e amplia o setor do ensino público federal no que diz respeito ao número de cursos e de vagas, mas aceitando a premissa de que esse setor estava gastando demais, de que havia ociosidade”, conta, e resume: “Ou seja, com uma mesma verba disponível, as universidades federais deveriam dar conta de todas as atividades, inclusive da expansão do número de cursos e alunos”. O secretário de Educação Superior do MEC confirma a ampliação, mas discorda da falta de dinheiro: “Há ampla disponibilidade de recursos nas instituições federais de ensino superior. O governo federal investiu quase R$ 10 bilhões na expansão e reestruturação das universidades federais desde 2003 até 2012. De 2003 a 2011, as vagas anuais de ingresso na graduação mais que dobraram nas federais, passando de cerca de 110 mil, em 2003, para mais de 230 mil em 2011. O aumento das vagas de ingresso impactou no número total de matrículas em instituições federais, passando de 596.219 para mais de um milhão entre 2003 e 2011?, informa Paulo Speller, por email. O secretário também nega que haja priorização das instituições privadas em relação às públicas: “Os recursos das universidades federais independem de qualquer outro investimento, como no caso do ensino privado”, diz. No mesmo período citado pelo secretário – na verdade, de 2004 a 2012, já que as informações de 2003 não estão disponíveis no Portal da Transparência -, só o Fies canalizou um investimento público de R$ 9,8 bilhões para as instituições privadas. Se somarmos os gastos de 2013, que ainda está em curso, chegamos a mais de R$ 12 bilhões.
Segundo o secretário, o objetivo da política que abriga esses programas é “a inclusão de parcelas cada vez maiores da população na educação superior brasileira”. E, para isso, vale investir tanto no público quanto no privado. “O Brasil tem uma alta demanda por acesso ao ensino superior. Haja vista os mais de sete milhões de inscritos no Enem 2013, que na sua grande maioria almejam, com a nota do exame, conseguir uma vaga na universidade. Neste sentido, o Estado busca viabilizar, sempre com a garantia da qualidade da oferta e tendo como referência um sistema nacional de avaliação da educação superior, o aumento das vagas do setor público, por meio da expansão e interiorização das instituições e institutos federais como também com a criação de programas no âmbito das instituições privadas, como o Prouni e o Fies”, explica. Perguntado sobre como a questão da qualidade é levada em conta pelo MEC na definição de políticas de investimento e ampliação, o secretário Paulo Speller respondeu: “Há critérios de qualidade definidos nos instrumentos legais da educação superior, condições claramente estabelecidas na regulação e supervisão do sistema federal (que inclui as instituições federais e as privadas). Não há diferença entre a exigência para as instituições públicas e privadas”.
Pesquisa no ensino superior
O documento de 1995 do Banco Mundial sobre o ensino superior também traz contribuições sobre a relação desse segmento educacional com a pesquisa em países como o Brasil. “O modelo tradicional de universidade europeia de pesquisa, com sua estrutura de programas em um só nível, demonstrou ser custoso e pouco apropriado no mundo em desenvolvimento. (…) o desenvolvimento de instituições não-universitárias e o fomento de estabelecimentos privados pode contribuir para satisfazer a crescente demanda social de educação pós-secundária e fazer com que os sistemas de nível terciário sejam mais sensíveis às necessidades variáveis do mercado de trabalho”, diz o texto.
O fato de a ampliação das instituições de ensino superior no Brasil ter se dado muito mais pela multiplicação de faculdades do que de universidades pode ser um resultado desse caminho adotado. A diferença, como explica o portal do MEC, é que “as universidades se caracterizam pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e de extensão”, o que se traduz, por exemplo, em mais exigência de titulação e dedicação em tempo integral do corpo docente. Dados do último censo da educação superior mostram que, em 2011, apenas 8% das IES existentes no país eram universidades e 5,6% eram centros universitários; 1,7% eram institutos federais de ensino e Cefets e a grande maioria, 84,7%, eram faculdades. Mesmo entre as instituições públicas, essa modalidade não era majoritária: 35,9% contra 47,5% de faculdades. Entre as privadas, o número de universidades cai para 4,2%.
Mas para o presidente da Adufrj, esse caminho teve consequências também para a produção de conhecimento nas universidades públicas. “Com a contingência de verbas mínimas, temos praticamente uma determinação de que as universidades, para cumprir o seu programa e garantir as condições de trabalho, sejam obrigadas a buscar outras formas de financiamento: as parcerias público-privadas” aponta. E, de acordo com Roberto Leher, isso vem ao encontro das necessidades das grandes multinacionais instaladas no Brasil. “Essas filiais precisam, aqui e ali, fazer ajustes nos pacotes tecnológicos que utilizam. Também com apoio do Estado, pela lei de inovação tecnológica e por um conjunto de isenções tributárias que ficou conhecida como Lei do Bem, elas vão às universidades comprar serviços”, resume.
Para o diretor do Parque Tecnológico da UFRJ, Maurício Guedes, essa aproximação do público com o privado é não só uma necessidade das empresas, mas também uma obrigação que a universidade tem com a sociedade brasileira. “Imagine um grupo de pesquisa que se dedica ao desenvolvimento de fármacos inovadores. O que ele faz com esse resultado? Certamente vai publicar, mas e a tecnologia em si? A universidade não pode se transformar numa fábrica de medicamentos. A responsabilidade que temos num caso como esse é transferir esse conhecimento e essa tecnologia para os entes que podem transformar isso em riqueza para a sociedade, que podem gerar emprego e renda. E isso se chama empresa”, diz. O presidente da Adufrj, no entanto, não acha que essa relação seja tão simples assim: “Uma primeira consequência imediata é que os produtos resultantes desse desenvolvimento de tecnologias com base em parceria pertencem à empresa privada que financia. E entra aí a discussão de patente, que é frontalmente contrária à ideia da universidade de que o conhecimento produzido nesse espaço público tem que ser revertido em benefício público, ser de livre acesso”, aponta Iasi. Outro problema, diz, é que aquilo que interessa à iniciativa privada pode não interessar ao desenvolvimento científico e tecnológico do país. “O desenvolvimento de uma tecnologia que permitiria ao Brasil dar saltos na superação do seu gargalo tecnológico não interessa às grandes corporações”, opina.
Os parques tecnológicos, construídos em algumas universidades públicas do país, são o exemplo perfeito desse tipo de parceria: seguindo esse modelo, no Rio de Janeiro, por exemplo, 40 empresas estão instalando seus centros de pesquisa no campus da UFRJ. Segundo Maurício Guedes, essas empresas passaram por uma concorrência pública, prevista na legislação brasileira. “Mas o mais importante é que só aceitamos empresas que tenham um perfil inovador, cujas atividades a serem desenvolvidas no parque sejam de pesquisa e desenvolvimento e que tenham uma relação com os grupos acadêmicos da UFRJ”, diz o diretor. O presidente da Adufrj, no entanto , diz que a contrapartida com que as empresas se comprometem quase nunca é cumprida. “O caso mais escandaloso é o próprio Centro de Tecnologia da Petrobras, que ocupa um espaço da universidade para uma atividade própria industrial. A Petrobras financia projetos de pesquisa, aproveita várias áreas de desenvolvimento de tecnologia, mas a contrapartida de que ela deveria oferecer suas instalações para o desenvolvimento dos alunos em seus estudos, pesquisas e aperfeiçoamento profissional não existe”, acusa.
Para estimular essa relação, segundo Maurício, na UFRJ foi estabelecido que cada empresa instalada no Parque deve apresentar um portfólio de projetos de cooperação com a universidade que totalize, no mínimo, R$ 3 milhões por ano nos primeiros cinco anos. Não existe, no entanto, uma lista de projetos que possam ser considerados adequados como cooperação e inovação; cada portfólio será avaliado por uma comissão da universidade criada para esse fim. “Um dos segredos do sucesso do parque vai ser a boa seleção das empresas que venham se instalar aqui. Mas há uma dimensão de dúvida. Nenhuma empresa do mundo hoje pode dizer que daqui a 20 anos vai estar cooperando com a universidade tal e desenvolvendo essa ou aquela tecnologia. E o Parque só será avaliado daqui a 20 anos. Então, é uma aposta que todas as partes envolvidas fazem de boa fé”, diz.
Autonomia
Leher destaca ainda que o desenvolvimento de pesquisas dependente da parceria com empresas faz com que a universidade perca autonomia para produzir criticamente conhecimento. “E, sobretudo, perdemos autonomia para antecipar problemas socioambientais”, diz, exemplificando: “Se uma corporação do setor de celulose adquire serviço numa universidade para preparar grandes plantations de pinos ou eucalipto, é óbvio que essa universidade não tem mais autonomia para fazer uma avaliação sobre o impacto da expansão da celulose para as bacias aquíferas. Não precisa existir uma censura oficial, formal, mas é certo que vão existir constrangimentos para que ela não o faça”. Segundo ele, no Brasil, isso se tornou um problema, principalmente nas pesquisas que subsidiam o padrão do agronegócio e o modelo energético. O diretor do Parque Tecnológico, Maurício Guedes, discorda. “Eu não conheço nenhum grupo da UFRJ ou de outra universidade competente que esteja atrelado aos interesses empresariais”, diz, citando o exemplo da Coppe, unidade da UFRJ que mais mantém relação com empresas e cujos cursos de pós-graduação têm ótima avaliação pela Capes: “É um belo exemplo de uma unidade que tem ao mesmo tempo uma grande relação com empresas e excelência acadêmica. Não há contradição entre essas duas coisas desde que as decisões sejam institucionais. Pelo contrário: numa área como engenharia ou farmácia, por exemplo, eu acho difícil uma instituição ter excelência acadêmica sem ter relação com empresas”.
Para Leher, a falta de financiamento para a pesquisa crítica e de interesse público é “um dos constrangimentos mais poderosos” desse modelo. “Enquanto os laboratórios que estão dando suporte à indústria de celulose estão abarrotados de dinheiro, complementando bolsa dos mestrandos e doutorandos e salário de professores, os outros estão lá contando trocadinhos para fazer suas investigações”, compara. Maurício Guedes considera que essas críticas partem de um pressuposto “equivocado”: o de que as parcerias público-privadas fariam com que as empresas sustentassem a universidade: “No dia em que isso acontecer, das duas uma: ou as empresas vão fracassar ou, o que é muito mais provável, a universidade deixará de ser uma universidade para ser uma empresa também”, diz.
Moratória
Qual a relação entre o ensino superior brasileiro e a Eletrobras? Exceto o fato de a engenharia elétrica ser uma profissão de nível superior, aparentemente nada. Pois, curiosamente, uma mesma lei de 2012, nº 12.688, trata dos dois assuntos: autoriza a Eletrobras a adquirir o controle acionário da Celg Distribuição S.A. e institui o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies). O programa, muito pouco conhecido, tem como objetivo “assegurar as condições para a continuidade das atividades de entidades mantenedoras de instituições do sistema de ensino federal”. Na prática, isso significa a aprovação de um “plano de recuperação tributária” e a concessão de “moratória de divídas tributárias federais” das entidades consideradas em “grave situação financeira”. E a situação era considerada “grave” quando a mantenedora, ou seja, a instituição que “se responsabiliza pelo provimento dos fundos necessários para a manutenção do ensino superior”, apresentava, até 31 de maio do ano passado, um volume de dívidas tributárias que “dividido pelo número de matrículas total”, resultasse em R$ 1.500. As instituições foram contempladas ainda com o parcelamento da dívida em até 180 meses, permitindo que até 90% do valor das prestações mensais sejam pagos com certificados emitidos pelo Tesouro Nacional, na forma de títulos da dívida pública “em contrapartida às bolsas integrais concedidas em cursos de graduação presenciais com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação”, como explica o site do MEC.
* Cátia Guimarães – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Fonte: EcoDebate