Por Clarissa Peixoto.
Feito chave, tem coisas que abrem as nossas gavetas. É o caso do livro espantado.
Pois bem, a obra é uma coletânea de textos da autora Priscila Lopes que nos espanta ao despertar nossas lembranças de um tempo e espaço um dia habitados.
Em primeiro lugar, senti o texto me abduzir. E espantada pulei pra dentro dele, como Alice. E não é que quando cheguei lá, encontrei aquela menina de dez anos, colocando fogo na lixeira do banheiro, depois da frustrada tentativa de fumar o primeiro cigarro com as amigas!
De repente, no meio de espantos e risadas, uma memória adormecida parece despertar. Umas frases soltas de mãe, um cheiro da noite de janeiro na praia. Um vaga-lume, um som na concha. De repente, ali estavam de volta as brincadeiras sem sentindo. O pai dizendo pra eu rezar se não quisesse crescer. A voz da avó. Quando foi mesmo que me esqueci a sua voz?
Em outro parágrafo, aquelas crianças brincando de bola na rua. Os fogos de artifício, preparados para fazer brilhar o começo de noite. Nas lajotas e nas esquinas, ainda tem muito daquela menina. Um buscapé colorido, iluminando a rua da frente de casa, em que ainda estão guardadas as gargalhadas daquelas crianças que nunca vão saber onde chegamos.
O livro espantado é uma lâmpada acesa no sótão da memória, iluminando esse passado feliz que cada um tem um pouquinho pra lembrar.