Por Luis Nassif.
Em toda minha carreira, me esforcei por desmascarar o economês. Trata-se de um linguajar hermético onde se usam conceitos fechados como se fossem verdades científicas, que não admitem questionamentos.
A maneira de questionar é buscar as relações de causalidade na economia, que possam justificar – ou rebater – os conceitos exarados. Quando não se consegue definir essas correlações, o conceito é falso ou está sendo utilizado de forma incorreta.
Na linguagem jurídica ocorre o mesmo. Por trás da erudição e das citações existe uma lógica a ser analisada. O grande juiz é o que soma o conhecimento técnico com a capacidade de discernimento – que depende de cada julgamento.
Quando essa lógica está ao alcance do não-jurista, torna-se mais fácil analisar a capacidade de discernimento ou de sofismar.
A discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o rito de votação do impeachment era relativamente simples. Alegava-se que na votação haveria influência do chamado efeito-manada – isto é, dos indecisos, de acompanhar o voto dos vitoriosos.
Se o rito de julgamento concentra no início votos favoráveis a uma das partes, acaba condicionando os votos posteriores, de indecisos ou daqueles que sempre querem ficar do lado vencedor.
O que se pretende, portanto, é uma ordem de votação na qual as intenções de voto sejam aleatórias. O modo mais fácil é a votação por ordem alfabética. Mas o próprio regulamento da Câmara definiu um outro modelo aleatório:
O que diz o texto do regimento interno:
Quando o sistema eletrônico não estiver em condições de funcionamento, e nas hipóteses de que tratam os arts. 217, IV, e 218, § 8º, a votação nominal será feita pela chamada dos Deputados, alternadamente, do norte para o sul e vice-versa, observando-se que:
I – os nomes serão enunciados, em voz alta, por um dos Secretários; II – os Deputados, levantando-se de suas cadeiras, responderão sim ou não, conforme aprovem ou rejeitem a matéria em votação; III – as abstenções serão também anotadas pelo Secretário.
Onde o carro pega?
Eduardo Cunha recorreu a uma esperteza: haveria alternância entre estados do sul e do norte, mas bancada a bancada.
Acre, Amapá e Rondônia e Amazonas tem 8 deputados cada. Rio Grande do Sul tem 30, Santa Catarina 17, Paraná, 29. Votariam todos do Acre e do Rio Grande do Sul. Depois, se passaria ao Amapá e a Santa Catarina.
Nesses exemplos, enquanto o sul teria 76 deputados votando, o norte teria apenas 24. Obviamente, não houve equilíbrio.
Se a intenção do regimento é garantir o equilíbrio, só há uma leitura possível. Tem que haver a chamada nominal com alternância, mas um a um, sem se restringir a estado por estado. Ou seja, quando terminar a votação dos deputados do Acre, continua a votação dos deputados do Rio Grande do Sul, e entram os deputados do Amapá. E assim por diante, até completar a votação.
O regimento não fala em votação por bancada. Ele é claro e lógico: define uma chamada nominal alternando-se deputados da região norte e da região sul – não por estados – avançando para o centro até atender a todos os deputados.
A partir de uma lógica simples, é chocante a falta de foco do julgamento.
O Ministro Celso de Mello esbanjou conhecimento, citou dezenas de saudosos juristas, para sustentar que em arena política, as razões são políticas, por isso não se pode exigir isenção. Mas quem estava discutindo a presunção da isenção dos deputados? Estava-se discutindo o efeito manada, a concentração de votos em uma direção induzindo as votações seguintes.
O sólido Ministro Teori Zavascki chegou ao cúmulo de dizer que sempre haverá uma maioria no final da votação, lógico não teria cabimento não falar em efeito-manada. Como assim? No final da votação não se tem mais efeito-manada. O que se discute é o efeito psicológico de um acúmulo inicial de votos sobre os indecisos.
De Gilmar Mendes, nem adianta exigir coerência. Em seu voto, disse que como as bancadas são assimétricas, em qualquer critério de alternância de votos haveria desequilíbrio. Se se levasse em conta a lógica do regimento – de haver alternância de votos começando pelos extremos do país, sem levar em conta as bancadas estaduais – não haveria distorção estatística.
Já o Procurador Geral da República se aferra à questão da latitude das capitais. Ou seja, na sequencia de votos, algum estado ficou fora de lugar, pela análise da latitude das capitais. Pareceu um contador discutindo economia, ou um Procurador discutindo platitudes.
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Fonte: Jornal GGN.