Por Heribaldo Maia.*
Poderia começar esse texto problematizando as formas do capitalismo censurar o filme recém lançado: O jovem Karl Marx (2017), do diretor haitiano Raoul Peck. Ou entrar num debate sobre o pensamento marxiano. Porém o filme – que expôs de forma didática pontos centrais da obra do jovem Marx (e Engels), inseriu importantes momentos da história da luta dos trabalhadores e envolveu diversos personagens da história como Proudhon, Bakunin, Bauer, etc –, apontou outro aspecto que é fundamental e que me chamou atenção (principalmente num momento em que o nome de Marx é imediatamente associado ao de um “demônio mítico que criou um exército de doutrinadores): o homem por trás do gigante pensador que foi Karl Marx.
Dessa forma não buscarei trazer nenhum debate social, político, filosófico ou econômico. Também não irei expor o método marxiano ou suas categorias. Serão apenas reflexos de quem foi afetado pelo filme.
Raoul Peck que já é famoso por sua militância no mundo da cultura, em específico no cinema visto seus diversos filmes como o premiado: Eu não sou seu negro (2016); mas também: Lumumba (2000), Abril Sangrento (2005), entre outros, encarou a difícil missão de sintetizar a vida do jovem Marx para o cinema. Peck, mais uma vez, mostrou todo seu talento ao não transformar “O jovem Karl Marx” em um filme panfletário ou numa mera propaganda marxista. Contudo isso não retirou do filme seu caráter político firme, sendo muito mais profundo e contundente que qualquer propaganda típica do realismo soviético. Esse foi o ponto alto do filme.
Apesar dos diálogos não terem sido dos mais empolgantes, creio eu que Peck prezou pela didática e em tornar o filme acessível, aliou uma sensibilidade, delicadeza e uma beleza estética. Assim que Peck, se apoiando em intensa pesquisa, nos trouxe o homem Karl Marx: o gênio temperamental, o estudioso compulsivo, o marido amoroso (porém falho como todo humano), o pai preocupado, o político agressivo e o amigo de difícil trato.
O filme mostra como foi o fato de Marx se revoltar diante da injustiça sofrida pelos mais pobres, pela desumanização promovida pelo capital, que o moveram a estudar, pesquisar e lutar por um novo mundo. Não foi coincidência o início do filme remeter ao famoso caso do “roubo de lenha”, mostrando como esse fato de sua juventude o marcou para toda a vida. O profundo senso humanista e amor a emancipação deve ter levado o jovem Marx a se perguntar: que mundo era esse que uma pessoa não tinha o direito de se esquentar no inverno? A resposta: o mundo do capital.
O homem genial, que sempre constatou em seus estudos o caráter social do homem – ao contrário do individualismo burguês –, só foi o que foi, e ainda é, porque não viveu como “uma mônada isolada”, mas se deixou construir pelas pessoas que o rodearam, em especial Engels e jenny. O filme mostra com perfeição isso. Jenny, sempre ao seu lado, o influenciou em tudo: os debates, a escolha dos títulos e o incentivo a persistir. Engels, que se Marx não tivesse conhecido talvez nunca tivesse sido quem foi, lhe indicou textos e autores, caminhos de pesquisa e políticos e o apresentou a classe trabalhadora, mas, antes de tudo, Engels também foi o amigo que o socorreu financeiramente e emocionalmente nos momentos de cansaço.
Dessa forma o filme se distanciou dos clichês propagandísticos. Peck não transformou Marx em mito, e isso é fundamental, isso que tornou “O jovem Karl Marx” um filme grandioso.
Na época em que vivemos (principalmente no Brasil) uma miséria política enorme, rodeados por “mitos”, Marx retornou nas lentes de Peck grandioso em sua humanidade e não como um ídolo ou um mito a ser seguido cegamente. Por isso, essa radical humanidade, que Marx é perigoso, por isso o filme é uma lição política. A lição de Marx, que Peck apreendeu e reproduziu tão bem, é: os homens não precisam de mitos para se libertarem, nós precisamos de homens que sonhem o novo, amem a liberdade humana e lutem por isso.
Ao contrário dos humanos, o mito olha para os demais com distanciamento visto que sua posição o torna maior que os demais. Do alto de sua posição está sempre a cima de todos. Assim sendo, o mito nos aparece como uma espécie de “salvador”, de “messias”, ao qual devemos entregar nossos destinos e esperar a redenção. Marx, humanizado no filme, aparece sentindo as dores que sentimos, amando como amamos, vendo de perto a exploração que vivemos, vacilando como qualquer um vacila, cheio de defeitos como todos nós, ou seja: humano em sua completude e concretude. Marx, o homem que mudou o mundo era apenas um homem que queria mudar o mundo. Por isso foi tão grande, por isso sempre será grande.