Por João Filho, para The Intercept.
NO DEBATE entre os candidatos à presidência organizado pela Band, esperava-se que o tema corrupção seria o mais espinhoso para Bolsonaro, mas acabou virando um dos seus trunfos. O candidato fascistoide meteu o louco, fingiu que seu governo não está envolvido em um sem número de escândalos e começou o debate atacando a corrupção dos governos do PT.
A ideia da campanha bolsonarista é reforçar a imagem de um homem simples que, sim, é meio brucutu, mas tem uma alma pura e honesta. Lula defendeu seu governo das acusações, mas perdeu a oportunidade de demonstrar em rede nacional que o governo Bolsonaro é o mais corrupto da história da República. Os desvios do mensalão, por exemplo, foram em torno de R$ 101,6 milhões em quatro anos. Só o orçamento secreto de Bolsonaro atingiu R$ 53,5 bilhões nos últimos dois anos.
Lula e Dilma sofreram com escândalos de corrupção em seus governos, mas podem se vangloriar de jamais terem instrumentalizado o estado para evitar investigação das denúncias. Seus governos garantiram a independência do Ministério Público e a autonomia, a capacidade administrativa, técnica e operacional da Polícia Federal – um fato admitido até mesmo pelos procuradores da Lava Jato.
Já o governo Bolsonaro lançou mão de todas suas armas para varrer a sujeira para debaixo do tapete. Nenhum outro governo interferiu tanto nos órgãos de controle e fiscalização e nas investigações de denúncias de corrupção. Usa até a ABIN para atrapalhar investigações envolvendo um filho seu, como admitiu um integrante do órgão à Polícia Federal. O presidente não vê limites na instrumentalização do estado. Subverteu a Lei de Acesso à Informação – um instrumento criado para dar mais transparência aos dados públicos – para impor sigilo de cem anos e, assim, blindar o governo de denúncias de corrupção.
Mesmo com tantas denúncias, Bolsonaro passou ileso na temática corrupção no debate. As rachadinhas, a mansão do Flávio, os cheques misteriosos que Michelle recebeu de Queiroz, o orçamento secreto, o Bolsolão do MEC, o Bolsolão do SUS etc: nenhum desses episódios foram trazidos para o centro do debate, uma omissão inexplicável por parte dos seus adversários.
Os Bolsonaros hoje são a principal família política do país e, sem dúvidas, a que mais teve integrantes envolvidos em casos de corrupção. Os filhos, a esposa, o irmão, as ex-mulheres, o ex-cunhado, a ex-sogra e até mesmo a mãe do presidente já viram seus nomes no noticiário associados à corrupção. Até 1999, quando apenas o pai estava na política, o clã já acumulava 12 imóveis. Depois que seus parentes começaram a entrar para a política, o clã conseguiu adquirir mais 95 imóveis. Família que entra para política unida, enriquece unida.
Bolsonaro nem havia tomado posse da presidência quando teve que lidar com o caso da rachadinha que seu amigo de décadas, o Queiroz, comandava no gabinete de Flávio. O filho do presidente desviava dinheiro público para parentes de um chefe de milícia, do qual Queiroz era o melhor amigo. O mesmo Queiroz que mais tarde depositaria 89 mil reais na conta da primeira-dama. Nenhum desses casos até hoje recebeu uma explicação satisfatória por parte do clã. Hoje Flávio tenta a reeleição ao Senado, Queiroz quer se eleger deputado pelo PTB e Michelle atua como cabo eleitoral de seu marido.
Nesta semana, os Bolsonaros foram confrontados com mais um escândalo. Uma reportagem de Thiago Herdy e Juliana Dal Piva para o UOL revelou o tamanho da farra da família Bolsonaro na compra de imóveis. Um minucioso levantamento feito pelos jornalistas mostrou que desde que Bolsonaro entrou para a política até hoje, o clã negociou 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram comprados usando dinheiro vivo – uma prática comum entre políticos corruptos, empresários corruptos e milicianos que querem ocultar a origem da grana.
É incrível como os integrantes dessa família conseguem juntar quantias enormes de dinheiro, mas não conseguem explicar de onde vem.
A família Bolsonaro não consegue explicar essa aversão por transferências bancárias e a preferência por se arriscar andando pelas ruas do Rio de Janeiro carregando malas com dinheiro suficiente para comprar um apartamento. Em nenhuma das declarações de bens dos candidatos da família ao TSE essa quantia de dinheiro vivo aparece. De onde veio esse dinheiro? Onde ficava guardado? Por que nenhum dos candidatos declarou essa verba? Se não houver respostas para essas perguntas — até agora não há —, estamos diante de mais corrupção.
Ao ser confrontado com a notícia, o presidente, claro, se fez de vítima e mentiu: “Por que faz isso em cima da minha família? Metade dos imóveis é de ex-cunhado meu. O que tenho a ver com ex-cunhado? Não vejo esse cara há um tempão.” Dos 51 imóveis pagos com dinheiro vivo, apenas oito foram comprados pelo ex-cunhado.
A vitimização seguiu ao apelar para sua falecida mãe: “Botaram minha mãe, que já faleceu, nesse rol também. Vem para cima de mim, vem para cima de mim e ponto final”. Bom, os únicos dois imóveis adquiridos em nome da mãe de Bolsonaro foram comprados em dinheiro vivo em 2008 e 2009. Ela tinha 80 anos à época e não é razoável imaginar que uma aposentada tenha conseguido juntar esse montante debaixo do colchão para comprar imóveis.
É incrível como os integrantes dessa família conseguem juntar quantias enormes de dinheiro, mas não conseguem explicar de onde vem. Ao tentar explicar a origem do dinheiro que bancou sua nababesca mansão, Flávio Bolsonaro disse que veio da sua carreira como advogado. Um advogado que tem condições de bancar uma mansão de R$ 6 milhões certamente é um profissional gabaritado, que defende clientes importantes. Ocorre que sua carreira de advogado simplesmente inexiste. Não há qualquer registro da sua atuação em casos na Justiça Estadual, Federal ou em tribunais superiores. A mentira é um cacoete dessa família.
Bolsonaro veio da classe média do interior paulista. Desde que entrou para a política, nunca trabalhou na iniciativa privada. Enriqueceu como homem público tendo uma atuação parlamentar medíocre, mas com mandatos especializados em rachadinhas e funcionários fantasmas. Estima-se que ao longo dos anos, seus funcionários fantasmas, muitos dos quais eram seus parentes, receberam R$ 29,5 milhões em salários. Ou seja, quase 30 milhões dos cofres públicos foram destinados para vagabundos ficarem em casa. Estamos falando de um homem que se orgulha por ter desviado dinheiro público “para comer gente”. O boom do patrimônio da família Bolsonaro se deu justamente após a entrada dos seus filhos na política.
Hoje, a família está milionária e não consegue explicar como acumulou esse patrimônio incompatível com seus salários públicos. É triste imaginar que toda essa lama não foi despejada em cima dele durante o debate. Lula, fora do poder há mais de dez anos, foi muito mais confrontado sobre o tema. Bolsonaro conseguiu sair ileso e continuar usando com tranquilidade a sua metralhadora de acusações contra Lula.
Se a corrupção fosse o único problema da família Bolsonaro, nosso trabalho seria bem menor. Mas não é só de dinheiro fácil que eles gostam. Eles também gostam de milicianos, de armas, de golpes e ditaduras. A sobrevivência da democracia depende de tirá-los do poder.