Por Miko Peled.
Infelizmente nos últimos setenta anos, Israel teve muito sucesso graças ao povo palestino. O mais notável foi conseguir que os palestinos e o mundo acreditasse no conceito de que a ocupação da Palestina começou em 1967, e portanto, a solução à questão palestina é o que se conhece como a Solução dos Dois Estados. Esta é uma manipulação da realidade que faria com que qualquer mágico se sentisse orgulhoso.
Ficou completamente aceitável desconsiderar o fato de que a ampla maioria da Palestina está ocupada desde 1948. A menção da limpeza étnica da Palestina e a erradicação das aldeias e cidades palestinas, mesquitas e igrejas, escolas e moradias, agora se julga como radical. Quarenta e nove anos de ocupação é a afirmação que se escuta uma e outra vez; o aniversario cinquenta da ocupação está chegando, dizem as pessoas. E por mais que tento, quando somo quarenta e nove ao ano 1948, não chego a 2016, mas a 1997.
Existe uma indiferença quase total da comunidade internacional em relação ao crimes cometidos pelos sionistas entre 1948 e 1967. É um truque de mágica realmente impressionante a eliminação do fato de que esses anos foram marcados pelo espólio, massacres e indescritíveis abusos dos direitos humanos por parte de Israel. Duas pequenas áreas dentro da Palestina desenhadas por Israel e deixadas de fora das suas fronteiras em 1948, ou seja, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, têm sido reconhecidas como Palestina. Mas a coisa não para por aí. Nem um centímetro da Cisjordânia ou a Faixa de Gaza está sob soberania palestina. A Palestina toda, desde o Rio até o Mar é controlada por Israel.
Portanto, quando os países europeus reconhecem a Palestina, eles também estão se comportando como bobos num espetáculo de mágica, felizes por fazerem parte da ilusão de algum grande mestre do engano. E é verdade, enquanto puxam o mundo pelo nariz, enganado pela ilusão de uma Palestina que existe, Israel, o mestre do engano, continua a reduzir o pouco que resta de vida palestina e ninguém levanta a sua voz para falar que “O imperador está nu!” Não tem Estado palestino, não tem Solução dos Dois Estados, não tem Cisjordânia e não tem nem um centímetro de soberania palestina em lugar nenhum da Palestina.
“TPO” virou uma sigla famosa, utilizada para descrever os Territórios Palestinos Ocupados. Mas quando pedimos para as pessoas observarem esses territórios no mapa, o único que se vê é o que costumava ser a Cisjordânia, uma área que Israel criou em 1948 e depois eliminou em 1967, e a Faixa de Gaza, que só existe como campo de concentração onde Israel tem autorização para cometer um genocídio, enquanto o mundo olha para outro lado e faz de contra que nâo enxerga.
Isto traz a seguinte pergunta: Se os TPO se reduzem à Cisjordânia e à Faixa de Gaza, então, onde estão os territórios palestinos DES-ocupados? Se esses territórios existem, alguém pode assinalá-los num mapa? Porque todos os mapas que vejo e cada centímetro da Palestina que visito estão ocupados.
Outro termo que se usa muito em relação à Palestina é “assentamentos”. Às vezes os chamam “assentamentos ilegais”. Ambos se referem, em geral, às colônias israelenses construídas na Cisjordânia. Se fala em “expansão dos assentamentos”, “blocos de assentamentos”, etc. De novo, isto provoca uma pergunta: Qual é a diferença entre os assentamentos judaicos naquelas áreas e os construídos em Al Khalil (Hebron) ou o Naqqab (Neguev)? E os assentamentos edificados em volta de Jerusalém ou aquele que fica perto de Jafa conhecido como Tel Aviv?
Os israelenses que moram em terra palestina roubada em 1948 gostam de se considerarem israelenses autênticos, gente boa de mente aberta e deus os livre que eles não são colonos. Colonos são esses “outros” israelenses que moram em terras roubadas aos palestinos em 1967. Mas qual é a diferença? A Palestina toda foi roubada através do uso da força, e com muito poucas exceções. todas as aldeias, cidades e granjas foram estabelecidos sobre terra roubada, o que os constitui em assentamentos ilegais. Mais uma vez, o mestre do engano puxa a todos pelo nariz para que enxerguemos o mundo como Israel quer que o enxerguemos e não tem ninguém que grite: O imperador está nu!
Entre 1948-1967 Israel obteve legitimidade cometendo crimes horrendos e criando o que eles chamam de “fatos sobre o terreno”. A conquista da Cisjordânia e Gaza em 1967, com a qual Israel completou a ocupação da Palestina, mudou o eixo dos territórios que Israel ocupou em 1948 para os novos territórios ocupados. Durante as últimas cinco décadas, Israel tem criado “fatos sobre o terreno” naquelas áreas conhecidas agora como “Judeia e Samaria”. Mas todo mágico, ladrão e, com certeza, um mestre do engano de semelhantes proporções tem que ter cúmplices.
Poucas pessoas podem argumentar de verdade que não sabem o que Israel está fazendo. O corpo diplomático internacional é totalmente consciente do que acontece na Palestina. A CIA e o Departamento de Estado estadunidense conhecem muito bem cada truque e cada crime cometido por Israel. Todo e cada governo dos EUA. e os governos europeus têm sido cúmplices nos crimes cometidos por Israel.
Contudo, está na hora de que o resto do mundo acorde e acabe com a ilusão. A ilusão de que Israel tem legitimidade, a ilusão de que Israel é de alguma forma a resposta ao holocausto e ao antissemitismo, e a ilusão de que algumas partes da Palestina estão ocupadas e que outras não. É hora de levantar a voz bem alta e dizer com clareza que todos os assentamentos israelenses são ilegais e, assim como na história de “A roupa nova do Imperador”, o imperador está nu e Israel não tem legitimidade não.
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Tradução e foto de capa: Tali Feld Gleiser.
Miko Peled, ativista pró-palestino, judeu israelense, nascido e criado em Jerusalém, cujo pai era um jovem oficial do exército em 1948 e um importante general da IDF em 1967. Ou seja, Miko Peled nasceu e cresceu em uma família e em um ambiente de profundas raízes sionistas. Não obstante isso, as contradições da vida e seu sentimento humanista foram abrindo-lhe os olhos para a realidade que o circundava.
Fonte: AHTribune.