Por Samuel Lima.*
Ponta de lança do partido político no qual se transformou a imprensa brasileira, o jornal Folha de S. Paulo (FSP) ressuscita a tese do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em sua edição dominical (21/06/2015). A manchete é mistura fina de má-fé com desonestidade intelectual, e uma forte pitada de reducionismo histórico: “Rejeição a Dilma atinge nível de Collor pré-impeachment”.
Usando dados de pesquisa não probabilística do Instituto Datafolha, que a FSP insiste em vender como estudo probabilístico por amostragem (sic?), o diário paulista faz grotesca comparação entre dois governos (Dilma e Collor) para concluir que as condições pró-impeachment estão dadas. Basta Eduardo Cunha (PMDB/RJ) e a bancada BBB (Bala, Boi e Bíblia) colocarem em votação e… pronto! Todos os nossos problemas econômicos, reais e fictícios, estariam resolvidos. O pacote de sandices é completo, senão vejamos.
No abre do texto principal, a “senha” do impeachment está posta, com clareza: “A presidente Dilma Rousseff chega ao final do primeiro semestre avaliada como ruim ou péssima por 65% do eleitorado, um novo recorde na série do Datafolha desde janeiro de 2011, início de seu primeiro mandato. No histórico de pesquisas nacionais de avaliação presidencial do instituto, essa taxa de reprovação só não é pior que os 68% de ruim e péssimo alcançados pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello em setembro de 1992, poucos dias antes de seu impeachment” (Fonte: http://migre.me/qonCV).
Ora, a comparação com índices de popularidade do ex-presidente Collor só se explica pelo desejo explícito de apear os “inimigos” de ocasião do governo federal. A longa coluna de opinião, travestida como texto jornalístico, não por acaso é assinada por Ricardo Mendonça, editor-adjunto de “Poder”. Lá pelas tantas, o autor, como bom porta-voz da empresa, reitera elementos da narrativa sobre a crise, que os dados não probabilísticos do seu levantamento revelam: uma série de eventos supostamente “negativos” que a mídia joga na conta do governo Dilma Rousseff. A Operação Lava Jato, que investiga esquemas de corrupção na Petrobras ainda é o “carro-chefe” da sórdida campanha pelo impeachment, patrocinada pelo grupo Folha e outras cinco empresas que compõem o monopólio no setor, nacionalmente (Globo, Estadão, Abril, SBT e Bandeirantes).
Em socorro de sua reportagem-propaganda, que remete aos tempos da origem do Jornalismo, no século 17, na Inglaterra, a Folha chama os executivos do seu Instituto, Mauro Paulino (Diretor-Geral) e Alessandro Janoni (Diretor de Pesquisas) que garantem, com as mãos sobre o livro sagrado do mundo-mídia, que a narrativa imposta, feito massacre incessante, é vitoriosa: insegurança com salário e emprego é principal frustração.
Ou ainda, nas palavras de Paulino e Janoni: “E não por acaso, a economia e o desemprego, que há algum tempo não figuravam como problemas primordiais do país, voltam agora a assombrar o imaginário dos brasileiros” (Fonte: http://migre.me/qonT9). E acrescentam, sem pejo: “Uma análise estatística feita pelo Datafolha indica que as expectativas da população quanto à influência da crise no seu dia a dia explicam mais a evolução da impopularidade da petista (…)”.
Aécio é candidato preferencial
Sem perder um instante sequer, a Folha abre a corrida sucessória para 2018, simulando uma eleição que só acontecerá daqui a três longos anos. O jornalão já tem seu candidato, indisfarçavelmente: “Numa simulação de eleição para presidente da República feita pelo Datafolha, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) alcançou 35% das intenções de voto, o que lhe garante a liderança da corrida com dez pontos de vantagem sobre o ex-presidente Lula (PT)” (Fonte: http://migre.me/qonNi).
No entanto, a FSP também abre seu “Plano B”, caso o senador mineiro seja rifado no jogo político interno do PSDB: “O instituto também fez uma simulação de disputa presidencial com o nome do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no lugar de Aécio. Neste caso, Lula e Marina empatariam tecnicamente em primeiro lugar com 26% e 25%, respectivamente (…). Alckmin ficaria em terceiro lugar com 20% (Fonte Cit.).
A indignação seletiva da mídia, nos casos de corrupção e incitação ao ódio e à intolerância (em diferentes modalidades e matizes ideológicos) vai produzindo estragos em sua função social mais relevante. Uma edição como esta da Folha de S. Paulo só dialoga com um extrato da sociedade paulista, que tem lotado as praças nos movimentos pró-impeachment de Dilma Rousseff.
Por seu lado, a presidente protagoniza um segundo mandato errático, especialmente do ponto de vista da comunicação com a sociedade. Refém da mídia tradicional – e de sua “teia de renda” que se espraia na forma das verbas publicitárias oficiais – a presidente da República ficou 50 dias calada, após o 1º de janeiro de 2015, observando passivamente seu cacife político erodir, sob a pesada artilharia da oposição reacionária no Congresso Nacional (a tal bancada “BBB” liderada pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha), fortemente conectada com a mídia tradicional monopolista, nos quatro cantos do País.
De seus equívocos políticos mais evidentes, este talvez tenha sido o que está custando – e a conta ainda está longe de ser quitada – mais caro, até o final de 2018. A Folha, líder inconteste dessa bancada midiática, que tem bumbos, flâmulas e torpedos eletroeletrônicos, capazes de derrubar governos e outras coisas menos sólidas, deixa seu recado claríssimo. É a líder dos “revoltados off-line”, ao que tudo indica.
Recorro às palavras do jornalista Luciano Martins Costa, em recente comentário ao programa de rádio do Observatório da Imprensa, para deixar uma reflexão final: “Ao selecionar os elementos que serão inseridos na agenda pública, e definir a versão predominante dos fatos, a imprensa está exercendo um poder discricionário – de prender o foco do público em um aspecto específico de acontecimentos complexos” (Fonte: http://migre.me/qowwW).
No caso da insistência da teoria do impeachment, justificado pela queda de popularidade e a narrativa de caos econômico, largamente aceito pelos respondentes de seu estudo, via Datafolha, vale mais ainda a sentença de Costa, que discutia a cobertura da prisão de novos empreiteiros pela Operação Lava Jato: “Ao contrário do que costumam dizer os representantes da mídia tradicional, o exercício discricionário desse poder atenta contra o direito à informação”.
Em qualquer dos casos, parece não haver limites para o protagonismo de ocasião, antidemocrático, de parte das empresas de mídia. A ver.
* Professor da UnB e pesquisador do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO/UFSC) e objETHOS.