Por Marcus Eduardo de Oliveira.
Louis-Joseph Lebret (1897-1966), ou simplesmente, padre Lebret, como era conhecido esse dominicano, foi daquelas poucas pessoas que “desembarcaram” nesse mundo com uma missão ímpar: promover a aproximação entre o pensamento cristão vinculado à ação econômica voltada exclusivamente para a promoção de uma sociedade mais fraterna e menos injusta.
De forma apurada, padre Lebret teve uma visão humanista da economia, uma visão diferenciada na maneira de se pensar a economia pelas lentes do social.
Nascido a 26 de junho de 1897, em Minihic-sur-Rance, na Bretanha, Lebret conseguiu ao longo do tempo em que viveu – 69 anos – criar e consolidar um pensamento social cristão ressaltando a importância da construção de uma civilização mais solidária. Nunca se esqueceu de que as bases principais dessa premissa repousam no respeito em primeiro lugar ao ser humano, vendo-o como um ser capaz de agir em prol do estabelecimento de um mundo mais justo, e não somente “encarnado” na pele de consumidor, tão ao gosto capitalista que apregoa um tipo de economia que apenas valoriza a posse material, e não o ser humano.
Desse modo, a vida de Lebret, enquanto teólogo de ação e pensador social, esteve diretamente entrelaçada em dois movimentos criados e estruturados para dinamizar uma cultura econômica e social mais fraternal. Cultura essa que, infelizmente, nos dias de hoje, tem regredido na escala de valores, afastando-se assim daquilo que se convenciona chamar de prática do bom-senso. Os movimentos em questão são: i) a revista “Économie et Humanisme”; e ii) o “Movimento dos Economistas Cristãos”.
Ambos os movimentos, a partir do início dos anos 1940, fizeram com que Lebret concebesse uma nova visão da economia em função do ser humano, orientando-a para a satisfação das necessidades e das aspirações de cada um comprometidos com um sistema econômico capaz de priorizar as pessoas, e não o mercado e suas mercadorias. Com esses “movimentos”, pautados no método “ver, julgar e agir”, Lebret viabilizou projetos de desenvolvimento e valorização das relações humanas sob as bases da tradição cristã.
É interessante pontuar, a esse respeito, que esses dois “movimentos” marcaram sistematicamente o posicionamento religioso e econômico de uma pessoa que devotou parte considerável de sua vida para desmitificar o deus-mercado e valorizar o ser humano desprovido de recursos. Como bem aponta Manuela Silva num brilhante texto em homenagem a Lebret: (…) “Esses dois projetos estão interligados por um denominador comum – o conceito de economia humana, uma economia posta ao serviço das pessoas e dos povos, de todas as pessoas e de todos os povos. É um conceito de inspiração cristã que tem atravessado os documentos do magistério da Igreja e tem a sua consagração na Carta encíclica Populorum Progessio”.
Padre Lebret, indiscutivelmente, sempre foi um homem de ação. Foi ainda um pensador incomodado com as injustiças socioeconômicas que sempre fizeram com que a exclusão de muitos fosse algo inaceitável num mundo que caminhava a passos largos para a conquista tecnológica, mas que era, ao mesmo tempo, por forças mercantis, incapaz de acabar com o problema da fome e da miséria humanas.
Em 1958, chamado a contribuir para o esclarecimento das causas do subdesenvolvimento em algumas partes do mundo, Lebret, junto a um grupo de intelectuais, fundou o IRFED (Institut de Recherche et Formation em vue du Développement), transformado depois em Centre Développment et Civilisations – Lebret-IRFED, com a missão de oferecer assistência técnica no desenvolvimento dos países considerados atrasados, formando, para tanto, quadros cristãos empenhados na ação humana.
Assim, em rápidas palavras, os conceitos, as ações, o modo de ser, agir e pensar e, acima de tudo, o exemplo de vida deixado por Padre Lebret deveriam, para o bem de uma disciplina que pretende também ser vista como uma espécie de “auxiliadora” para a busca da promoção social, ser ensinados em todos os cursos superiores de ciências econômicas. De modo geral, não é exagerado afirmar que os futuros economistas necessitam “respirar” os ideais de Padre Lebret. Acontecendo isso, a economia humana saberá agradecer essa prática.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. Mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Política Internacional pela FESP-SP.