Na contramão da opinião de parte das Forças Armadas, o governo Michel Temer estuda publicar uma Medida Provisória para regulamentar a venda de terras para estrangeiros.
O objetivo da gestão peemedebista é abrir o mercado rural a investidores de outros países, numa tentativa de reverter a crise econômica.
A pedido da Casa Civil, a Advocacia-Geral da União elaborou nos últimos dias o texto dessa MP, que pode ganhar força imediata de lei se for publicada pelo presidente da República, o que tornaria a medida válida em todo território nacional na mesma data.
O Palácio do Planalto só não bateu o martelo quanto à publicação do texto por conta das pressões exercidas por militares e de negociações com parlamentares da base aliada, que têm sugerido alternativas.
A reportagem de CartaCapital teve acesso ao texto da MP, encomendado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. O braço direito de Temer é o principal entusiasta da ideia de “tratorar” por Medida Provisória, para atrair capital externo o mais breve possível.
Um dos pontos que mais chama atenção no texto é o que indica a possibilidade do presidente da República, por decreto, estabelecer os “limites quantitativos globais” das propriedades que poderiam ser adquiridas por estrangeiros.
“A aquisição de direito real e o arrendamento de imóvel por pessoa natural residente ou jurídica estrangeiras autorizada a funcionar no País não poderá exceder os limites quantitativos globais e por operação dispostos em regulamento”, diz o trecho.
O texto preparado pela AGU também não impõe limites à soma de áreas rurais que uma empresa brasileira controlada por estrangeiros, direta ou indiretamente, pode adquirir em uma mesma cidade.
Com isso, as empresas controladas por capital externo ficariam sujeitas apenas ao limite estabelecido por decreto presidencial. Isso porque, para cidadãos estrangeiros, a área máxima não poderia ser superior à quarta parte de um território municipal.
As reuniões para tratar do assunto se intensificaram no Palácio do Planalto nos últimos dias. Foram ao menos três encontros para discutir o tema desde sexta-feira 10, e envolveram principalmente integrantes da Casa Civil e do Ministério da Defesa.
Um dos principais focos de resistência ao projeto é dos militares lotados na Defesa. Ainda assim, a publicação via MP era dada como certa até terça-feira 13, tanto que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a afirmar que o assunto seria “liberado em 30 dias”, sem explicar como. “Foi tomada essa decisão porque o Brasil precisa de investimento”, disse.
A possibilidade de o governo recuar em relação à publicação do projeto via MP se deu, na quarta-feira 15, com o auxílio do deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), relator do PL 4059/2012 na Câmara.
O parlamentar sugeriu à cúpula da Casa Civil que poderia utilizar parte do texto elaborado pela AGU para a Medida Provisória em um substitutivo de sua autoria, o que evitaria o atropelo do Congresso. Para isso, o deputado submeteu minutas de sua autoria à AGU para serem incorporadas à redação final.
“Eu acredito que a conversa foi de muito bom acordo, a AGU está muito engajada nesse processo. Uma MP seria contraproducente. Estamos conversando com o governo para isso. A palavra de ordem é segurança jurídica, os investidores não podem ficar à mercê [de uma medida provisória]”, afirma.
Um dos temores manifestados pelos servidores da Defesa, nas reuniões no Planalto, é justamente esse: o imbróglio gerado no período de 120 dias no qual a MP ficaria em vigor, até que o Congresso tomasse uma decisão definitiva sobre a pauta.
Para generais envolvidos na discussão, se a possível MP fosse rejeitada pelos parlamentares ao fim do prazo de tramitação, isso provocaria um cenário de insegurança jurídica, por conta dos negócios que possivelmente seriam feitos no período de vigência da medida.
Além disso, os militares têm defendido que o projeto, por MP ou não, coloca em risco a soberania nacional ao abrir a possibilidade de empresas e cidadãos estrangeiros controlarem parcelas do território consideradas estratégicas para a defesa de um País.
Esse ponto de visto havia sido manifestado publicamente no ano passado, em audiência pública na Câmara que tratava de projeto de lei 4059/2012, sobre o mesmo assunto.
“Dentre todas as orientações constantes na Política Nacional de Defesa, sobressaem aquelas que regem a necessidade de o País dispor de meios, com capacidade de exercer o controle do seu território”, disse na ocasião o capitão de mar e guerra e assessor no Ministério da Defesa, Paulo Cezar Garcia Brandão.
Para o deputado federal Patrus Ananias (PT-MG), ex-ministro do Desenvolvimento Agrário da gestão Dilma Rousseff, a proposta marca um período de entrega de patrimônios e riquezas sem precedentes.
“Historicamente, o Brasil nunca foi plenamente zeloso com a sua soberania, embora o governo Lula tenha avançado bastante nesse sentido nos últimos anos”, explica. “Isso está sintonizado com outra questões postas hoje: a entrega do pré-sal, da Base de Alcântara…é um processo de entreguismo. Eu penso que nesse nível de entrega não existe precedentes [na história brasileira]”.
A edição 940 de Carta Capital trará mais informações sobre as consequências dessa medida para a reforma agrária, as riquezas naturais do País e as disputas entre a bancada ruralista por conta das mudanças no texto.
Fonte: Carta Capital.