Por José Eustáquio Diniz Alves.
O governo, mesmo no seu melhor estado, não é mais que um mal necessário e, em seu pior estado, é um mal intolerável
Thomas Paine (O senso comum, 1776)
[EcoDebate] Michel Temer (PMDB) tomou posse, como interino na Presidência da República, no dia 12 de maio de 2013. No dia seguinte, o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que a primeira grande ação do governo na área econômica seria controlar o aumento de despesas públicas: “Temos de controlar o crescimento das despesas públicas. Estamos trabalhando em um sistema de metas de despesas, onde não haja crescimento real”.
No dia 24 de maio, o presidente interino Michel Temer e o ministro Meirelles anunciaram algumas medidas para conter o endividamento do governo e controlar o déficit público. Uma das iniciativas foi propor, ao Congresso, emenda constitucional para criar um teto para o crescimento dos gastos do governo, pois, entre 1997 e 2015, o gasto primário do governo aumentou de 14% do PIB para 19%, uma expansão superior à da inflação do período.
O presidente afirmou: “As despesas do setor público estão em trajetória insustentável. Lá na frente vamos condenar o povo à dificuldade extraordinária”. O objetivo da emenda é limitar o crescimento da despesa primária, fixando como teto a inflação do ano anterior. Para ele “Essas medidas vão permitir reduzir o risco país e dar mais confiança, e permitir a redução estrutural das taxas de juros”.
O governo reduziu o número de ministérios e prometeu enxugar a máquina pública. O ministro Romero Jucá (PMDB-RR), do Planejamento, prometeu cortar até 4 mil cargos de confiança e funções gratificadas. Mas poucos dias depois, Jucá caiu e o governo teve que voltar atrás e recriar o Ministério da Cultura, devido à pressão dos artistas e das pessoas interessadas na manutenção da Lei Rouanet e no acesso às verbas estatais.
Ainda nas primeiras semanas, apesar das promessas de evitar o rombo das contas públicas e a explosão da dívida, o governo Michel Temer e sua base na Câmara concordaram com a aprovação de um megapacote de reajuste para o funcionalismo federal (Executivo, Judiciário e Legislativo, além do Ministério Público), que terá um impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019.
Mesmo com a perspectiva de fechar 2016 com um rombo histórico, a Câmara aprovou, dia 02 de junho, 15 projetos de lei que estabelecem reajuste e benefícios ao funcionalismo, enviados na gestão de Dilma Rousseff. O maior impacto advirá do aumento do salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O rendimento, que delimita o teto do funcionalismo, passou de R$ 33.763 para R$ 39.293. O efeito cascata gerado em todo o Judiciário deverá ter um impacto de R$ 6,9 bilhões até 2019. Além disto, a Câmara aprovou a criação de 14.419 cargos federais ? quase quatro vezes os 4.000 postos comissionados que o ex-ministro Jucá prometeu ceifar neste ano.
Nessa mesma semana o IBGE divulgou que o número do desemprego aberto do país chegou a 11,4 milhões de pessoas (fora o desemprego oculto, o desalento e o subemprego) e que a recessão do primeiro trimestre foi de 5,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Embora o Brasil esteja diante da maior recessão de sua história a pressão para o aumento dos gastos estatais continua forte.
Desta forma, em cerimônia realizada dia 02 de junho no Palácio do Planalto, o presidente, Michel Temer, elogiou o empenho do Congresso nos últimos dias e pediu uma salva de palmas para a Câmara dos Deputados, por ter aprovado o reajuste para o funcionalismo federal e aumentado a despesa pública em ao menos R$ 58 bilhões. Os analistas políticos dizem que esse é o preço a se pagar para conseguir base para se obter os votos para o impeachment.
Ou seja, Dilma “fez o diabo” para ganhar as eleições de 2014, fez pedaladas fiscais e aumentou o déficit público tentando conseguir apoio primeiro para se eleger e depois para não cair. Temer ampliou o tamanho da meta fiscal (ampliou o déficit primário) e passou 3,5 meses tentando conseguir apoio para permanecer no cargo, passando de interino a titular, mesmo que por pouco tempo, até dezembro de 2018.
No dia 31 de agosto de 2016 o Senado decidiu por 61 votos a favor do impeachment de Dilma Rousseff a 20 votos contra. No mesmo dia o presidente interino Michel Temer se tornou presidente efetivo. Depois da redemocratização de 1985, o Brasil teve 4 presidentes eleitos pelo voto popular. Dois foram impedidos. Óbvio que isto não é bom nem para a democracia e nem para a economia e mostra uma fraqueza estrutural da arquitetura da Nova República.
Nesta mesma semana de mudança de chefia (que alterou a ordem da chapa que ganhou as eleições presidenciais de 2014), a imprensa noticiou uma série de notícias ruins. O número do desemprego aberto chegou a 11,8 milhões de pessoas (mas este número é maior se considerarmos o desemprego oculto, o desalento e o subemprego). O Brasil registrou um rombo de R$ 12,8 bilhões em julho de 2016 já que a União, estados, municípios e empresas estatais gastaram muito mais do que arrecadaram. Foi o pior resultado para o mês já visto desde quando o Banco Central passou a registrar os dados, em 2001. Nos sete primeiros meses do ano, o país está no vermelho em R$ 36,6 bilhões, também o maior déficit primário registrado no período. A dívida pública brasileira já está próxima de 70% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país em um ano). O Banco Central decidiu manter, por unanimidade, os juros básicos em 14,25% ao ano, durante a nona vez que o Comitê de Política Monetária (Copom). Não há dúvidas que taxas Selic tão altas são incompatíveis com os juros negativos que é adotado em vários países. O pagamento de juros vai agravar o endividamento e pode colocar o Brasil no mesmo caminho dos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha). A trajetória da dívida pública é explosiva.
Com a economia em frangalhos, o Governo Federal trabalha com estimativa de déficit primário de R$ 170,5 bilhões para 2016 e um déficit primário de R$ 139 bilhões em 2017. Mas o déficit nominal (que inclui os juros) é muito maior e mostra o descontrole existente atualmente.
O fato é que existe uma disjunção entre a lógica da política e a lógica da defesa da economia e da geração de emprego com aumento do bem-estar da população e do meio ambiente. Existe uma disputa por parte de diversos grupos e setores da sociedade por parcelas dos recursos público e por nacos do Estado. O rombo das contas públicas está em R$ 2 bilhões por dia e o novo governo teria que ter uma unidade muito grande para enfrentar a grave situação. As propostas de reforma da previdência e da reforma trabalhista devem dividir a base política do governo e devem gerar grande oposição dos movimentos sociais.
O crescimento das despesas do governo tem aumentado muito além da receita e muito acima do crescimento do PIB. Para se contrapor a esta tendência o governo de Michel Temer, como prometido, trabalha pela aprovação da Emenda Constitucional (PEC) 241, que estipula um teto para o crescimento dos gastos públicos vinculado à inflação do ano anterior. Se a PEC for aprovada neste ano pelo Congresso, o gasto de 2017 se limitará às despesas de 2016, corrigidas pela inflação de 2016. Segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: “Não há possibilidade de prosseguirmos indefinidamente gastando muito mais do que a sociedade é capaz de pagar”.
Evidentemente, este teto de crescimento do gasto é fundamental para evitar a explosão da dívida pública. Porém, pode prolongar o quadro recessivo da economia brasileira, a não ser que a iniciativa privada (nacional e estrangeira) assuma a liderança dos investimentos para tirar o Brasil do fundo do poço. Porém, como diria Keynes, o investimento privado depende da “eficiência marginal do capital”. Melhorar o ambiente de negócios e destravar concessões e investimentos são tarefas antagônicas com a burocracia, a regulação corporativa e o protecionismo em todas as suas formas.
O lado trágico dos cortes de gastos pode ser mais sentido na educação, exatamente quando o Ministério da Educação (MEC) divulgou os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com dados relativos ao ensino fundamental em 2013. Há um quadro preocupante na educação brasileira, com uma virtual estagnação dos indicadores, e até mesmo queda, na etapa final (6º ao 9º ano) desse módulo e no ensino médio, este com índices ainda mais desanimadores. As notas do Ideb caíram no ensino médio em 16 redes públicas estaduais de 2011 para 2013. Nesse segmento, pela primeira vez desde 2005, não se registrou avanço na média final de aferição, que ficou em 3,7 numa escala até dez.
Ou seja, os desafios sociais do Brasil são imensos. Nos próximos meses teremos um quadro mais claro da situação da frágil democracia brasileira e da situação capenga da economia. As atuais lideranças políticas do Brasil não tem se mostrado à altura das necessidades da nação, especialmente a grave crise fiscal. O processo de impeachment deixou o país mais dividido e mais polarizado na política do que nunca. Não vai ser fácil fechar as feridas e sair do fundo do poço. O tempo é curto e o povo brasileiro tem muito a temer com o desemprego, a queda da renda e a falta de perspectivas concretas para sair da crise.
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José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte: EcoDebate,