Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.
A nação brasileira vive um incontestável retrocesso civilizatório alavancado pelo avanço da direita na política brasileira. O combate às injustiças sociais, bem como, políticas de inclusão social perdem espaço no governo e em grandes setores da sociedade, para o pragmatismo, para os ataques ao meio ambiente, às mulheres, aos LGBT e à história de conquistas democráticas alcançadas após o período da ditadura militar. É como se tudo que tem caráter humanitário e popular fosse considerado mi-mi-mi, por essa parcela da população.
Aí vem a necessidade de caracterizarmos essa parcela da população que valoriza mais o ter do que o ser. O grupo de que tratamos, é mais adaptado ao capitalismo na competição com os demais, por isso obtém sucesso instantâneo, possui pouca personalidade, absorve tudo que é oferecido como bom, como aprovado socialmente. Mas ao mesmo tempo esquece-se de observar sob uma perspectiva histórica e autônoma os fenômenos sociais. Dessa forma, incorre em desrespeito ao humano, à liberdade de pensamento e ao devir histórico da humanidade e do planeta em seu conjunto. A preocupação com a natureza e com o sofrimento humano, valores insubstituíveis, cede espaço à meritocracia, à competição e ao prazer instantâneo relacionado ao consumo.
Essa desvalorização das coisas mais relevantes da vida em sua dimensão de longo prazo, encontram um ponto de encontro no fato cotidiano de cada um não ouvir o outro. Condição estimulada pelo capitalismo ao criar compartimentos que dividem fisicamente a sociedade. Há uma arquitetura social que faz com que os semelhantes convivam entre si e estranhem cada vez mais os diferentes, seja na condição de classe, socioeconômica mais ampla ou identitária. Assim a democracia essencial não é exercida. Uso o termo democracia essencial para diferenciar da democracia ligada às decisões de governo ou de grupos instituídos. Afinal, o fracasso dessa democracia de base impede a efetivação de uma democracia burocrática, administrativa, de grupo e dificulta o solidário convívio social.
A radicalidade da democracia envolve o devir histórico humano e de todo o planeta, e precisa ser estimulada nas formas mais elementares de sociabilidade. No caso do Brasil, jovem país que tem sua sociabilidade marcada pela escravidão, pelo machismo e pelo menosprezo dos ricos sobre os pobres, a democracia sempre foi um desafio aparentemente inalcançável, mas que teve avanços impressionantes no período da redemocratização, após a ditadura civil-militar. Um desses avanços foi o Sistema Único de Saúde, que possui a democracia como ponto de partida e de chegada. A democracia que é instituída como bússola do SUS por meio de mecanismos de participação social principalmente, os conselhos e as conferências de saúde.
Os conselhos e as conferências são mecanismos de participação social, em geral, bem-sucedidos na área da saúde e por isso exportados para outros setores sociais. São bastante consolidados também os conselhos de educação e de assistência Social, mas em virtude do interesse social e do atrelamento orçamentário, os conselho de saúde são os que possuem maior participação. Afinal, relembrando Sérgio Arouca, expoente da Refirma Sanitária brasileira, saúde é democracia, a participação cidadão é componente essencial da autonomia e da dimensão social da saúde humana.
O governo Bolsonaro faz mal à saúde quando suprime formas democráticas de sociabilidade. Na última sexta-feira, o presidente revogou conselhos de políticas sociais criados no pela presidente Dilma sob a Política Nacional de Participação Social. Estão extintos: Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT), o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), o dos Direitos do Idoso (CNDI), o de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), o de Relações do Trabalho, o de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), a da Biodiversidade (Conabio), o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI). A meta é reduzir de 700 para 50 o número de conselhos de participação, sob a justificativa de reduzir custos.
O governo Bolsonaro faz mal à saúde quando libera o uso de agrotóxicos, como fez nessa semana. Já são quase 200 novos inseticidas, herbicidas e pesticidas liberados desde o início do ano. Os mesmos que são proibidos na maior parte do mundo.
O governo Bolsonaro faz mal à saúde quando não reconhece a redução de danos como estratégia de combate ao abuso de drogas. Nessa semana ainda o governo abandonou redução de danos, estratégia internacionalmente aceita como a abordagem mais efetiva no combate ás drogas, deixando apenas a abstinência como possibilidade. Para completar, o governo estimula o financiamento de “comunidades terapêuticas” como forma de financiar a iniciativa privada, apesar baixa eficácia da estratégia.
A conjuntura política está chegando num limite, ou a população reage imediatamente, ou não teremos mais forças para reagir. Vamos às ruas!!!!
Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
Imagem tomada de: Catraca Livre
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