Por Roberto Bitencourt da Silva.
Na presente conjuntura, marcada por relevantes fatos políticos nacionais e internacionais que se sucedem de maneira acelerada, alguns importantes pontos precisam ser ligados, para tentarmos compreender certos riscos do cenário brasileiro:
- As esquerdas partidárias e os movimentos populares possuem esquálida força de incidência na formatação da agenda política e econômica. Pouco ou quase nada influem no debate público.
- Quase toda a extensa pauta entreguista, privatizadora, antipopular, absolutamente nefasta aos interesses nacionais, populares e dos trabalhadores, foi facilmente implementada nos últimos anos.
- As classes dominantes associadas, gringas e domésticas, nadam de braçada e conseguem quase tudo o que querem, há muito tempo, deparando-se com frágil ou nenhuma barreira. O que ainda não foi aprovado no Legislativo, em boa medida, é porque não foi debatido ou encaminhado pelo governo federal.
- No projeto antinacional prevalecente, a economia brasileira é submetida a uma inserção ainda mais rebaixada na divisão internacional do trabalho. A dependência tecnológica e econômica se aprofunda. Nenhum fiapo sequer de soberania consegue ser resguardado.
- A maioria esmagadora do povo está desapossada de direitos trabalhistas, previdenciários e coletivos. Mesmo de modestos direitos. Definitivamente, pouco se pode falar em povo. Ao menos como categoria e agente da política. É mais acertado falar em uma massa amorfa e atomizada, submersa na superexploração crescente do trabalho, voltada exclusivamente a produzir riquezas transferidas para os países centrais do capitalismo. Um fenômeno histórico. Mas, bastante incrementado e que é um dos eixos do projeto neocolonial em curso.
- Note bem: ao menos metade do PIB está sob o controle estrangeiro, em termos de ativos, patrimônio empresarial, títulos da dívida pública. Então, a variável externa é muito importante ser considerada. O imperialismo molda muitas circunstâncias e características políticas e econômicas mais amplas, que afetam o nosso dia a dia.
- Objetivamente, as classes dominantes não precisariam, no momento, limitar mais ainda o funcionamento das instituições políticas, amesquinhar a sua já precária legitimidade e anular os seus consagrados ritos.
- Então, por qual razão Jair Bolsonaro, um títere do grande capital internacional e doméstico, prega e apela tanto pela ruptura definitiva das instituições e da Constituição?
- Duas coisas devem ser colocadas na mesa. Em primeiro lugar, o óbvio: Bolsonaro tem muito o que responder judicialmente, em virtude das suas estreitas relações com o submundo das milícias paramilitares, que exploram comunidades pobres e traficam armas, senão drogas. Buscar e fabricar inimigos, costurar conspirações, visando perpetuar-se no governo, é a resposta desesperada do serviçal de Trump em Brasília.
- O poder opera com a escala de tempo elástica do médio e longo prazo. Ele precisa lidar com a variável consenso e legitimidade. O curto prazo da aposta eleitoral em Bolsonaro, para garantir a continuidade da realização da agenda vende pátria, parasitária e burguesa, começa a se esgotar. O presidente é um personagem que queima demais o filme de amplas faixas das classes dominantes, setores do grande capital, da grande mídia, das oligarquias políticas, partidárias e eleitorais. Um desgaste que tem ganhos imediatos, é claro, mas também ônus no curso do tempo.
- Em segundo lugar, o que me parece o principal motivo da contínua pregação flagrantemente golpista de Bolsonaro. Também é o mais perigoso: a questão venezuelana.
- Bolsonaro foi o primeiro presidente brasileiro a se dirigir à CIA, nos Estados Unidos. Até pouco tempo atrás, algo improvável e inesperado, mesmo para qualquer outro e trivial presidente ultraliberal e entreguista. Porém, o atual presidente tem funções singulares.
- Ele articula-se abertamente com a Colômbia e os Estados Unidos para intervir, já militarmente, na Venezuela. O seu mandato é orientado para atender não ao povo brasileiro, mas a tarefa que assumiu junto aos Estados Unidos de auxiliá-los na rendição dos povos latino-americanos. No alinhamento incondicional e avassalado da nossa política externa ao tio Sam. No saque dos recursos naturais latino-americanos pelos ianques.
- Em algumas oportunidades, o desprezível presidente deu a entender que permitiria tropas estadunidenses no território brasileiro para a invasão do país vizinho. Ele adota sistemáticas e diferentes medidas diplomáticas ingerencistas que visam demonizar o governo de Nicolás Maduro, isolá-lo internacionalmente, minar as suas bases de apoio. O governo brasileiro apoia as mais absurdas e criminosas sanções estadunidenses, que têm privado o povo venezuelano de medicamentos e alimentos. Somar forças para destruir um governo legítimo e destoante dos imperativos dos EUA é a missão assumida pelo lesa pátria Bolsonaro.
- Movimentos somente dos últimos dias: decisão de expulsar integrantes da embaixada venezuelana do Brasil. Tentativa terrorista de invasão da Venezuela. Conforme alegou o governo do país vizinho, tratava-se de mercenários bem armados, oriundos da Colômbia. Algo parecido com o remoto caso da baía dos Porcos, em Cuba, no início dos anos 1960.
- A base aérea de Alcântara já foi entregue aos americanos, com o explícito propósito de não somente ferir a soberania territorial brasileira, como também de impedir o país de firmar acordos, nesse campo militar e tecnológico, com outros países, como a China. Uma sórdida tutela avassalada aos EUA.
- A tragédia que Bolsonaro se empenha em intensificar no Brasil, com milhares de mortos na pandemia do covid-19, deliberadamente promovendo o genocídio da nossa gente, teria em uma eventual guerra com a Venezuela uma torpe forma de criar uma cortina de fumaça para as mazelas internas. Um recurso para viabilizar a almejada concentração de poderes e cumprir com o seu mandato pró-EUA. Permitiria alguma coesão política interna, sobretudo em faixas assumidamente religiosas, contra o satanizado governo do país coirmão. Bolsonaro é um abjeto capitão do mato do “coroné” Trump.
- Para o Brasil e a América Latina, tudo isso seria um desastre sem tamanho. O horror.
- São os setores filiados a seitas evangélicas, mas especialmente segmentos militares e policiais, além de grupos privados armados e milicianos que, hoje, apoiam empolgada e explicitamente esse governo de traição nacional. Não raro, policiais escoltam e protegem as carreatas bolsonaristas da morte.
- Tais setores armados, oficiais ou paramilitares, correspondem, precisamente, aos mesmos tipos recentes de protagonistas da ação política em outros países da América Latina, conduzindo regimes reacionários, vende pátria, golpistas e submissos ao capital internacional e à política externa dos EUA: notadamente, Colômbia e Bolívia.
- O renitente uso da bandeira dos Estados Unidos nos protestos bolsonaristas é apenas a simbólica cereja de um imenso bolo podre.
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