I
Podemos garantir: os historiadores terão muito trabalho. Primeiro porque o povo que tomou as avenidas faz parte de uma massa heterogênea que até ontem era imiscível; não há lideranças visíveis; os canais estão abertos e todos os setores da sociedade brasileira irão participar do jogo; o movimento não veio para explicar, mas para confundir. Uma dica a quem não está entendendo nada e precisa de um repertório introdutório: somos a geração que assistiu aos filmes Clube da Luta, Matrix, V de Vingança e O Cavaleiro das Trevas. Mas comece pelo V de Vingança, muito mais urgente. Não temos rosto, usamos máscaras, nós somos todo mundo, o caos encarnado, mais Coringa que Batman. Há pouca concordância entre nós mas, naquilo em que concordamos, não iremos recuar. Vocês já perderam, portanto reduzam os danos enquanto é tempo.
II
Vão sempre noticiar que somos menos do que realmente somos, em número e em capacidade de atuação. Nós não estaremos nas ruas para mudá-los, mas para mudarmos. Vocês não vão mudar e é por isso que muitos de vocês não servem mais. Do asfalto esburacado das grandes avenidas brasileiras nascerá uma juventude inquieta que desconfiará dos discursos pré-fabricados, das fórmulas que não funcionaram, dos esquemas que são apenas bonitos, do entretenimento que tenta nos anular e do plano de vida que nós não queremos ter.
III
Nós falaremos sério, rindo. Nós assistiremos seu canal como deboche. Nós leremos sua coluna para sabermos o que não queremos ser. Nós não vamos disputar espaço: aqui, cada um tem o seu papel. Nós confundiremos analistas enquanto pudermos. Nós devolveremos o trauma. Nós somos muito bem informados e está cada dia mais difícil nos enganar e nos confundir. Quando começou o milênio, vocês pensaram que tinham nos derrubado nos mantendo em casa, mas rapidamente descobrimos como nos achar. Queremos a rua de volta!
III
Menos Prozac, mais voz!
IV
Direitos humanos é uma luta diária. Hoje é o morador da favela. Logo, logo é qualquer um, por motivo nenhum. Indigne-se em defesa do próximo.
V
A distância entre democracia e estado de exceção é, infelizmente, pequena. Nós criaremos um estado de emergência nas ruas que corresponda à nossa emergência interior.
VI
Menos câmeras de vigilância e mais cinema!
VII
A luta não é contra o sistema. Lutamos para nos inserirmos num sistema que nos excluiu. Não queremos o nosso dinheiro subsidiando empresas de transporte. Nós queremos o fim do lucro criminoso e ultrajante! Vinte centavos foi a diferença entre ir e ficar. Nós queremos ir!
VIII
A biopolítica nunca foi tão importante. Olhe-se nu no espelho: como as coisas estão indo, esse corpo é cada dia menos seu.
IX
Desconfie da mídia se ela mostra apenas um lado. Desconfie mais ainda se ela subitamente quer mostrar os dois. No momento em que ela estiver do seu lado, descarte-a: ela te trairá mais cedo ou mais tarde.
X
Nós sabemos que o Brasil não é tão ruim quanto dizem os que querem tomar o poder à força, nem tão bom quanto dizem os que não querem largar a cadeira oficial. Nós não queremos mais consumo e mais crédito! Nós não queremos mais índices e pesquisas mentirosas! Nós abandonaremos a nossa revolução se vocês revolucionarem a saúde e a educação brasileiras. E não falo apenas de destinar mais dinheiro: nós queremos comprometimento contínuo na mudança! Nós queremos projetos de longo prazo postos em prática e os de curto prazo começando amanhã!
XI
Um professor vale mais que o Neymar. Um médico vale mais que o Eike Batista. FIFA, nós gostamos de futebol, sim, mas gostamos ainda mais de nosso povo. Vocês analisaram mal, muito mal, quando pensaram que iriam instaurar suas leis, seus esquemas, suas remoções hediondas e nós ficaríamos calados. Aguentem a ressaca!
XII
O movimento estudantil organizado irá se iludir, se deprimir, se dividir e, quarenta anos depois, seus líderes escreverão livros de memórias com os dizeres: “nós erramos”? Não, não caiam no erro. Não façam discussões intermináveis, não desperdicem força e não tenham a pretensão de liderar. Vocês já venceram! Vocês começaram tudo isso e continuarão vencendo se continuarmos juntos! Não debatam com termos antigos, criem uma nova linguagem, ajam e deixem agir! A História saberá que foram vocês que acenderam a centelha. Deixem de lado as brigas internas e aproveitem! Não permitam que a classe média coxinha lidere, mas levem em consideração presença dela.
XIII
O governo de São Paulo queria saber com quem negociar. O governo do Rio de Janeiro quer saber com quem negociar. Não há liderança e, se houver, ela não representa ninguém senão a si mesma. Deixem eles se desgastarem eleitoralmente, sem saber por que, sem saber onde e como, e eles vão, talvez, começar a entender o que nós sentimos dia após dia. As balas vêm de todos os lados? Ótimo. É assim que vocês nos tratam.
XIV
Sabem o que é unânime? O Poderoso Chefão é o maior filme de todos os tempos.Família Soprano, o maior programa de televisão da História. E sabem por quê? Porque para onde olhamos há atividade mafiosa. Nós somos o Michael Corleone sentado numa festa de família odiando fazer parte de uma estirpe mafiosa, esperando a hora em que seremos obrigados a nos corromper. E, quando nos corrompermos, passaremos a vida frustrados por descobrirmos pouco a pouco que não é apenas a máfia ilegal e criminalmente punível que atua em nossas vidas, mas as estruturas mafiosas que permeiam todos os aspectos legais da vida; uma atividade contínua executada por gente de colarinho branco e carros oficiais, fazendo esquemas pelas nossas costas. Nós não queremos mais ser apenas espectadores da barbárie burocrática! Nós não queremos mais trocar confidências de esquemas! Nós não queremos uma vida assim!
XV
Ser contra a corrupção, todos somos. Esqueçam a ideia de uma revolução moral. Precisamos de uma revolução cognitiva que seja árdua, permanente, autorreflexiva e auto-crítica.
XVI
Não hostilize os partidos políticos e os movimentos sociais. Desculpe o choque de verdade, mas isso é tipicamente fascista. Respeite-os! Eles já lutavam por ideais antes de você nascer, lutavam pelas melhorias que hoje você luta até semana passada, apanhando de polícia com seus parcos companheiros e, quando você estiver casado, com filhos e assistindo ao Fantástico, eles continuarão lutando. Seja apartidário – é um direito seu não se identificar com partido nenhum, assim como não me identifico completamente – mas não seja anti-partidário. Cuidado com o discurso do “Sem nenhum partido, pela nação!”, pois isso se parece muito com “Pela nação sem nenhum partido!” Ditadura, em outras palavras. E saiba, com toda a responsabilidade que disso decorre, que se você não está na esquerda, está na direita. Centro, só o da cidade, que é onde estaremos enquanto não atingirmos os nossos objetivos. Posicione-se!
XVII
Não seja ufanista. O Brasil não é lindo. Não há um futuro glorioso nos esperando. Um país é fruto de uma luta diária, paciente, perene, com pequenas revoluções, pequenos atos, mudanças constantes, autorreflexão contínua. O gigante acordou como acordou outras vezes, mas a História mostra que sempre teimamos em voltar a dormir. Não durma! Esteja para sempre atento!
XVIII
Quebrar e depredar é uma atitude válida quando é política, direcionada, com manifesto e não quebra-quebra aleatório. Você acha que o banco te explora quando pega o extrato? Quebre o banco e piche: “Parem de me explorar, safados!”. Acha que o Cabral merece ter a casa quebrada para sentir a fúria? Quebre e deixe um recado. Pichar muros com dizeres políticos é política, é revolta legítima. Mas não destrua patrimônio particular de trabalhadores que são tão explorados quanto todos nós. Ele está do seu lado. Ele é você! Direcione sua fúria, se a fúria é sua linguagem. Mas durma com essa: trabalhadores vão limpar toda a sua fúria amanhã pela manhã. E custa caro. E eles vão dizer que custa mais do que custa de fato, como sempre. Ponha esse dado na balança e peça ao menos desculpas.
XIX
Não busque respostas. Faça novas perguntas. Você não é um idiota que viu a internet crescer. Você viu o maior ataque terrorista da História, genocídios na África, duas guerras americanas hediondas, os maiores países do mundo em crise, Oriente se insurgir contra ditaduras e o Brasil receber injeções diárias de desânimo. A História de nosso país é uma história de levantes, revoltas, insurgências (e, infelizmente, de golpes; cuidado!). Abrace o seu tempo. A História é agora.
XX
Não sei o que significa o gigante ter acordado porque não sei que gigante é esse. Se é um gigante autoritário, excludente, homofóbico, machista, racista e moralista, melhor continuarmos dormindo. Mas se é para acordar um gigante nunca visto e que pretende inspirar a mudança, então tire o seu pijama, escove os dentes e parta para a luta comigo!
Fonte: Blumenews.