Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info.
De novo morreram torcedores de futebol. Foi no último sábado, como resultado de uma briga entre as torcidas do Atlético Mineiro e o Cruzeiro, em Belo Horizonte. É mais uma morte naturalizada, um pequeno dado da realidade, um detalhe para o jornalismo caseiro. Ocorreu fora do eixo Rio/SP o que diminui ainda mais sua importância.
A normalização desta violência entre torcidas inclui algumas respostas banais e um sentimento de que sempre foi assim e não tem solução. Mas, nem sempre foi assim e a solução exige diversos compromissos do poder público, da sociedade e, especialmente, da mídia.
Por que digo que especialmente da mídia? Porque ela mudou quando o futebol, lá pelos anos 70 do século passado, passou a ser a galinha dos ovos de ouro e a televisão começou, através do dinheiro, a manejar os destinos deste espetáculo que agora virou tragédia insuportável.
Nos tempos da ditadura o futebol entregou para os governos cívico militares a dose certa de alienação, chauvinismo e serviu de cortina de fumaça perante a morte e a tortura. Foi assim no mundial que ganhou o Brasil em 1970 e no que ganhou a Argentina em 1978. Eram os mundiais do Plano Condor e das mídias locais. Os mundiais do ingresso de carrinho dos grandes patrocinadores internacionais e do conluio com dirigentes corruptos.
Com o decorrer dos anos, e o retorno da democracia, alguns vícios e alucinações já tinham contaminado tudo. O futebol dos relatores poéticos foi deixando passo à pobreza do cliché, às terminologias de guerra, aos exageros premeditados e repetidos em cada transmissão e comentário. Veio a era dos adjetivos grosseiros e ao convite para que a paixão por um clube se transformasse em um assunto de vida ou morte.
Uma derrota de um grande time passou a ser narrada como vexame, tragédia, desastre, escândalo. O futebol como negócio que produz riquezas incalculáveis exigiu dos narradores cada vez mais técnicas e táticas capazes de manter a audiência fidelizada e alienada até a loucura.
O ódio passou a ser um valor agregado muito maior que a beleza do espetáculo. E na sua esteira de horror foi distanciando-se da família na arquibancada, da brincadeira suburbana e virou um lugar de bombas, tiros, pauladas. Essa mídia, que só pensa em si e nos seus negócios, também é responsável de uma mazela que se normalizou até a náusea.
Enquanto isso, a audiência não fala mais da grande jogada, e vive a impiedosa necessidade de assassinar o adversário através do número 9, o matador que a representa.
