Recife (PE) – Aqui mesmo nesta coluna, publiquei em 18/02/2009 o texto “A vitória do frevo”. Foi como uma previsão desta notícia, que vem agora, mais de três anos depois:
Frevo é declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO
O frevo, principal ritmo que anima o carnaval pernambucano, foi reconhecido nesta quarta-feira (5) como Patrimônio Imaterial da Humanidade. O anúncio foi feito em Paris, durante a cerimônia organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
É claro, os traços da previsão, deste colunista que é profeta apenas pelas barbas, diziam mais respeito à vitória do frevo porque a juventude o tomara como seu, nas ruas de Olinda e do Recife, muitos anos antes da notícia acima. Já antes e ali nos encantava o fenômeno, a todos que andamos com esta peruca de cabelos brancos, quando dizíamos:
Nós, os senhores encanecidos, com ar respeitável, mas com um espírito de moleque, este sim, imortal, devemos saudar os nossos filhos que pulam nas ladeiras,
“Olinda, quero cantar a ti esta canção,
Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar,
Faz vibrar meu coração de amor
a sonhar, minha Olinda sem igual,
Salve o teu Carnaval!”
Ouvir e ver esta renovação com os olhos e ouvidos bem abertos, plenos de curiosidade, para melhor receber este presente do frevo. Temos agora a certeza, com algo vivo, que uma cultura não se destrói. Isto é bom, uma felicidade e bela. Estamos todos bestas, cantarolando com aparência de idiotas, que nunca perdemos, “você diz que ela é bela, ela é bela, sim, senhor. Porém poderia ser mais bela, se ela tivesse meu amor. Bela é toda a natureza, bela é tudo que é belo”. Nem sequer sonhávamos com semelhante fevereiro. Bela é tudo que é belo. Todos podemos afinal dizer que o frevo venceu.
E mais dizíamos. A música do frevo para os corações fracos não se recomenda. Ouçam e escutem Vassourinhas.
Curtam as variações de Felinho no sax. Que magnífico! Vassourinhas lembra que o frevo é uma intimação, uma ordem. “Vamos, esmorecido”. Se o amigo não é mais de pular, como um certo cidadão que ora escreve, procure um abrigo de abstração ao ouvir Vassourinhas.
Diga-se, por exemplo, que melodia estranha e bela. Que acordes, você deve se dizer de olhos bem fechados para não ver a multidão na praça, no largo e nos largos que se tornam pequenos.
O frevo de rua, que vem encantado em instrumentos de sopro, de metais, puro filé, poderia ser dito, mas não, frevo de rua está mais para sangue coagulado de porco, que melhorado com suas vísceras chamamos de sarapatel, o frevo de rua ainda guarda elementos de música de guerra.
Nelson Ferreira, que era maestro supremo nesse gênero, dava uma lição bem prática: “Peguem o Hino Nacional. Toquem rápido, mais rápido… isso já é frevo”. Com isso ele queria dizer que o frevo veio das bandas militares, que em uma estranheza tão rara quanto a passagem do primo do macaco para o homem, evoluíram dos dobrados marciais para o frevo.
De rua, e de rua foi para o frevo-canção, que se espraiou para o frevo de bloco, com um andamento mais leve, suave, mais família e menos raivoso, digamos assim.
No entanto olhem a contradição: o que víamos então com olhos de ver e coração de sentir, ainda estava longe da vitória universal destes mais recentes dias: o frevo é patrimônio da humanidade, reconhecido mundialmente.
A vontade que dá é de falar mais nada. Somente ficamos com vontade de chorar como pai besta diante dos filhos geniais que pulam e gritam nas ruas de Pernambuco do Brasil, “o frevo é do mundo, de todo o mundo”.
O que antes era quase um exotismo, uma esquisitice de um povo tido como bárbaro, agora é a bênção suave da cultura de todos os lugares e pessoas.
Mas como escritor que rejeita a mentira, devo dizer ao fim: o frevo que toca para o mundo ainda não toca nas rádios pernambucanas. Sabiam?
Com exceção do programa de Hugo Martins, “O tema é frevo”, na Rádio Universitária, o frevo em Pernambuco só é tocado nas emissoras durante o carnaval. E olhem lá. Atenção, diretores artísticos de rádio, atenção, idiotas do hit parade: o frevo precisa tocar todos os dias, de manhã, de tarde e de noite.
Quem há de enjoar de ouvir Capiba, Nelson Ferreira, Levino Ferreira, Edgard Moraes, João Santiago, J. Michiles, Alceu Valença, Getúlio Cavalcanti, Antonio Nóbrega, Maestros Forró e Spok …?
Pois o carnaval pernambucano agora é eterno em documento da Unesco. É mole? É frevo. Não sei se vocês notaram, mas o colunista ficou meio besta.
Urariano Motta* é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife(Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas(Recife, Bagaço, 1997