Por Paulo Nogueira Batista Jr.
Hoje, querido leitor, queria me dedicar a algumas breves considerações de caráter eminentemente profético. Posso? Devo? É uma temeridade, bem sei. Raramente temos base para tal. A única coisa líquida e certa é o presente, mera sucessão de momentos fugidios. Até mesmo o passado é uma certeza ilusória, pois vai se modificando de forma imprevisível com o passar do tempo, tempo que não respeita nem o que já aconteceu. Já o futuro está sempre envolto em espessa e impenetrável névoa. Alguns poucos conseguem enxergar para além dessa névoa. Não é o meu caso, infelizmente. O economista, aliás, é o último e mais precário dos profetas, mesmo quando se atém à sua área.
Em 2018, fiz uma profecia política que parecia razoável e dei com os burros n’água. Foi medonho. Acreditava que Jair Bolsonaro, figura tão repulsiva, seria derrotado inapelavelmente no segundo turno, mesmo com Lula fora do páreo, excluído que estava por descaradas manobras golpistas. A escolha não é difícil, pensei ingenuamente. Comprovei, mais uma vez, que o Brasil é a minha grande ilusão. Outro dia, relendo os Essays in Biography de Keynes, trombei com uma observação dele sobre um presidente da França, Georges Clemenceau, com a qual me identifiquei plenamente: “Clemenceau tinha uma ilusão – a França; e uma desilusão – a humanidade, incluindo os franceses”. Importante essa distinção entre o País e seus nacionais, distinção que também fazia De Gaulle. Para um nacionalista só os últimos decepcionam.
Feitas essas ressalvas, começo enfim a falar do futuro. O fim do nosso pesadelo está próximo, leitor. Não lhe parece? É verdade que o show de horrores continua e se agravou nos meses recentes. Do nosso lado, as lamúrias são lancinantes. As nossas bolhas estão coalhadas de gemidos e gritos de desespero. Compreensível. Bolsonaro, coadjuvado por Arthur Lira, está fazendo estrago em todas as áreas, na luta desenfreada por sua reeleição. Estão dispostos a tudo. De mão dadas, vão destruindo tudo que tocam. Invoco, porém, um antigo provérbio: “A noite é mais escura quando a aurora se aproxima”. Não terá base científica, mas parece boa metáfora para nosso momento.
Não há dúvida de que Bolsonaro, com a máquina na mão e o Congresso no bolso, tem muita munição. Está se valendo disso sem o mínimo escrúpulo. Cometeu, entretanto, alguns erros, talvez fatais. A PEC do desespero, um grande pacote de transferências sociais, notadamente a duplicação do auxílio Brasil, veio tarde demais, tudo indica. Se tivesse sido aprovada no início do ano, o seu efeito seria certamente muito maior e poderia até ser decisiva para a reeleição do estrupício.
O caminho tentado inicialmente pelo governo, o de reduzir impostos sobre combustíveis, não era tão promissor. O repasse aos preços era incerto e a resistência dos governadores à redução do ICMS dificultava o avanço da proposta. Perdeu-se com isso tempo precioso.
Tendo chegado tarde, a PEC empurra, na pior das hipóteses, a disputa para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Segundo algumas interpretações, é exatamente o que buscam o presidente e os seus comparsas parlamentares. Sabem que não há chance de vitória no segundo turno, dada a alta rejeição do presidente. Mas no segundo turno, especula-se, haveria a oportunidade de tentar um golpe e melar tudo.
Será mesmo? Arrisco dizer que não há condições para tal. Um golpe tem certos requisitos, requisitos que parecem ausentes na atual conjuntura nacional e internacional. Por exemplo: há apoio amplo na sociedade civil? Uma parte da classe média está nas ruas, como em 1964 e 2015? Os golpistas teriam apoio externo, especialmente dos Estados Unidos? Bolsonaro mostrou-se tão inepto e perigoso que assusta até a valorosa classe média brasileira e nossos amigos americanos. Estão todos lustrando suas credenciais democráticas.
A verdade é que Lula leu a conjuntura com maestria. Ele é o líder político mais experiente do Brasil, quiçá do mundo. A frente ampla, superampla, que ele vem construindo aos poucos tem a função não só e nem principalmente de angariar votos, mas a de neutralizar o golpismo. Trata-se de uma gigantesca operação tipo “senta que o leão é manso”. Mostrou-se de forma cristalina, mais cristalina impossível, que a escolha não é nada difícil.
Enquanto isso, Bolsonaro “painting himself into a corner”, isolando-se em apelos cada vez mais estridentes à sua base radicalizada. Fidelizou a base, mas aumentou a sua rejeição. Cresceu o número de relutantes e até de antipetistas dispostos a votar em Lula para se livrar do desastre. Tapando o nariz, dizem. Ok, venham. Todos são bem-vindos nessa hora dramática.
Por isso, querido leitor, muita calma nessa hora. Como time que está com boa vantagem no segundo tempo da partida, temos que jogar com um olho na bola, outro no relógio.
E não vamos repetir o erro de Stefan Zweig, que cometeu suicídio quando o fim do pesadelo nazista estava próximo.
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Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 22 de julho de 2022.
O autor é economista e foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021.
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