“… E o fascismo é fascinante deixa a gente ignorante e fascinada. É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada…” – ‘Toda forma de poder’ de Humberto Gessinger (da banda extinta Engenheiros do Hawai).
O filme ‘No’ é uma boa oportunidade para pensarmos sobre a verdadeira história da nossa América Latina.
Não é uma megaprodução cinematográfica, com atores pouco conhecidos… nem sei se concorreu ao Oscar!
O tema é fantástico: como transformar o fim da ditadura chilena num “produto vendável e atrativo ao consumidor (eleitor)”? Em 1988, Pinochet é obrigado a levar o povo às urnas para decidir – através de um plebiscito – sobre a continuidade do seu governo ditatorial.
E o povo tem que decidir “Sí” ou “No”.
Os pensadores da campanha eleitoral do “No” apresentam uma proposta insólita para os quinze minutos televisivos da campanha eleitoral. Primeira oportunidade de manifestação após quinze anos de mordaça.
Sem pieguice, ficou entendido que o mesmo caixa que colocou Pinochet no poder remunera os marqueteiros que pretendem tirá-lo.
À primeira vista, parece inacreditável que o eleitor chileno tenha que ser seduzido para adquirir o produto ‘fim da ditadura’. Mas, uma fala de um dos generais de Pinochet – comendo bergamota no pomar – explica tudo: “o povo não está interessado nessa campanha, o povo está dormindo”.
“América Latina, Latina América
Amada América, de sangue e suor.
Talvez um dia o gemido das masmorras
E o suor dos operários e mineiros
Vão se unir à voz dos fracos e oprimidos
E as cicatrizes de tantos guerrilheiros
Talvez um dia o silêncio dos covardes
Nos desperte da inconsciência deste sono.”
Dante Ramon Ledesma
Dormindo e cicatrizados. Anestesiados e oprimidos. Fascinados e inconscientes. Óbvio! Os chilenos já haviam experimentado as farsas dos plebiscitos fraudulentos de 1978 e de 1980, que deram legitimidade e prorrogação à ditadura. Este parecia ser mais uma fraude.
Ainda da canção “Toda forma de poder” de Humberto Gessinger (da banda extinta Engenheiros do Hawai): “Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada”.
(E, pensando o momento atual brasileiro, o resultado das eleições de 2012, podemos dizer também que – de igual sorte – estamos anestesiados e adormecidos… em berço esplêndido. Agora, por exemplo, o que importa é o futebol da Copa que está por vir).
Afinal, já nos acostumamos à legitimação de inúmeras ilegalidades, irregularidades, arbitrariedades… tudo para preservar os interesses espúrios dos Detentores do Poder e de seus amigos e apadrinhados. Parece pacífico que, aqui, o Estado não mais existe para resguardar os direitos do homem. “A história se repete, mas a força deixa a história mal contada…”.
Embora eu não veja mais poesia e romantismo nas eleições – até mesmo as para diretor de escola ou de associação de bairro – finalizo com os versos de Neruda, escritos em sua juventude, em 1924 (Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada). Que me fazem pensar: ao escrevê-los, pensava na mulher amada ou na liberdade e na justiça, direitos pelos quais lutaria anos mais tarde?
“Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não te querer eu quero
e de esperar-te quando não te espero
passa o meu coração de frio ao fogo.
Te quero só porque a ti eu te quero,
do ódio sem fim, e odiando-te rogo,
e a medida de meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego. Talvez consumirá a luz de janeiro,
seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.
Nesta historia tão só eu me faleço
e morro de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo”.
*Ana Echevenguá é advogada e ambientalista
Fonte: EcoDebate.
Imagem: Ouro de Tolo.