O fetiche do “cidadão comprometido”

Por Raul Fitipaldi. 

É constante a campanha contra o voto nulo. Há centenas de leituras sobre o uso desse instrumento democrático, mas geralmente, concluem que você, votando nulo, se omite de tomar uma decisão. Um disparate. Você está assumindo seu compromisso de não abonar nenhum dos candidatos, pela razão que for, e está, sim, fazendo parte do processo eleitoral. Está dizendo que o que lhe propõem candidatos e partidos não reflete o que você, como cidadão deseja, solicita ou exige. Pode inclusive, estar manifestando a rejeição à estrutura presente do sistema democrático.

Alguns setores da esquerda vincularam durante muito tempo o voto nulo com um chamado à porta dos quartéis, outro equívoco.  Acontece que esses setores aderiram à democracia burguesa sem hesitar, independentemente da radicalidade dos seus discursos. O voto nulo não chama quartéis, em geral denuncia desinteresse, desconforto, descrédito. Mesmo que, na frente da urna, poucas pessoas tenham se animado a sair-se do senso comum introjetado pela mídia e os interesses institucionais. Você não está clamando por uma ditadura quando explicita eleitoralmente que não acredita no que lhe oferecem. Pelo contrário, você não quer que tutelem seu exercício democrático.

Também nos ensinam que para ser cidadão completinho há que optar por um candidato e ser responsáveis da escolha. Mentira. É inviável neste sistema representativo fiscalizar de forma criteriosa, constante e transparente o que faz um candidato depois que vira vereador, deputado ou senador. O que “transparece” na internet não vai além do que o mandatário e seu grupo de poder acham conveniente veicular. Nem as campanhas de relativa transparência, muito alardeadas, permitem exercer esse controle, até porque cada quem coloca e interpreta relatos e números como bem lhe aprouver e em função desse grande acordo ao que chegam governos federal, estaduais e municipais, e a órbita da justiça, sobre o que é necessário saber e o que não.

O voto nulo também não é documento de anarquista, mesmo que isto não seja nenhum demérito, e sim outra ideologia dentro do jogo democrático e do fluxo livre das ideias. Aqueles que não somos anarquistas, mas que não nos sentimos instrumento de uma democracia representativa burguesa, recortada, classista e infame com os excluídos, e queremos outro tipo de escolha, e outro sistema, com Democracia Direta, podemos votar nulo. E não temos por que dar conta a ninguém do uso que fazemos do nosso direito inalienável de cidadãos mais ou menos livres.

O fetiche do “voto comprometido e responsável” em candidato e/ou partido precisa ser objeto de reflexão, de modo a que o sistema democrático burguês não tire de nós, por via da repetida negação publicitária, em favor dos mesquinhos interesses do sistema instituído, um direito que forma parte da democracia. Defendamos o direito de negar aquilo que, mais que provadamente, não serve mais. Temos o direito cidadão e livre de nos posicionar contra o sistema e a favor de Outro Mundo Possível e Urgente.

 Imagem: http://www.brasilescola.com

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