Por Rodrigo Borges Delfim. Tudo começou com um boato. Três ônibus com bolivianos foram parados no último dia 15 na rodovia GO-060, em Goiás, e estariam supostamente a caminho de Brasília para integrar protestos contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Não demorou para que a “notícia” fosse desmentida por sites especializados em derrubar boatos e por outros veículos da imprensa alternativa.
Na verdade os veículos estavam indo para Goiânia para um evento do Grupo Sion, que pertence a bolivianos e atua no setor imobiliário, que ocorreu no final de semana passado. As informações foram confirmadas pelo próprio grupo e pela Polícia Rodoviária Federal.
No entanto, o estrago já estava feito.
Mesmo inverídica, a informação repercutiu em veículos da grande imprensa e na Polícia Federal, que não demoraram em mencionar o Estatuto do Estrangeiro como advertência para que os imigrantes que vivem no Brasil não se envolvam em manifestações políticas. Usando comunicado emitido pela Federação Nacional dos Policiais Federais, quem participasse de protestos durante o fatídico final de semana de votação do impeachment na Câmara dos Deputados poderia ser detido e até mesmo expulso do Brasil.
Nas matérias publicadas sobre o assunto, nenhuma menção ao fato de que o Estatuto do Estrangeiro é uma herança da ditadura militar e que, inclusive, vai contra a Constituição Federal que está em vigor, de 1988. Em seu Artigo 5º, ela deixa bem claro que “os direitos são iguais para todas as pessoas que vivem no território nacional, tanto brasileiros como não-brasileiros.
Tampouco é mencionado o esforço que existe há pelo menos duas décadas para mudança de uma legislação arcaica, uma espécie de “Walking Dead” jurídico (morta, mas que segue atrapalhando a vida de todo e qualquer não-brasileiro residente no Brasil). Uma lei que considera todo e qualquer não-brasileiro uma potencial ameaça à soberania nacional não poderia ser mais anacrônica para um país que diz defender os direitos humanos mundo afora. Uma lei que ignora as contribuições já trazidas – e que ainda são feitas – pelos imigrantes que vivem no Brasil.
Essa legislação-zumbi e a mentalidade conservadora de parte da sociedade, vitaminadas pela histeria binária que tomou conta do noticiário e dos debates políticos no Brasil mais uma vez lembram a situação de fragilidade e achaque às quais os imigrantes estão sujeitos no país. Situação essa que é absurda e que cospe no prato e nas raízes da sociedade brasileira atual.
Ora, basta olhar para os traços que aparecem no espelho e para o próprio nome para notar a contribuição migrante para a população brasileira – e para o absurdo que constitui o fato de o país ainda ter uma lei pautada em discriminação por conta do local de nascimento. Uma xenofobia seletiva e um nacionalismo nocivo disfarçados de um patriotismo raso e falso, que classifica como “mi-mi-mi” aqueles que se posicionam contra eles.
Infelizmente esse fato é mais um a mostrar o longo caminho que o Brasil tem para amadurecer politicamente e como sociedade, onde determinadas nacionalidades e até mesmo opiniões são imediatamente rotuladas, discriminadas e perseguidas. Uma mostra que o país ainda não conseguiu superar a mentalidade herdada dos tempos de chumbo e abraçar uma mentalidade mais humana, justa e inclusiva.