Usufruindo os ovos de ouro da galinha
Por Celso Martins.
Dirijo-me em especial aos vereadores e ex-vereadores de Florianópolis, começando por um pequeno histórico do Legislativo.
A Câmara Municipal de Vereadores é a instituição mais antiga de Florianópolis, criada oficialmente em 23 de março de 1726, coincidindo com a transformação do povoado em Vila e o aniversário oficial da cidade. A Câmara é anterior ao Governo do Estado (surgido em 1739) e bem mais antiga que a Assembléia Legislativa (criada em 1834). Por tudo isso, o peso da responsabilidade de cada um dos vereadores é redobrado.
O Legislativo Municipal jamais faltou a seus compromissos, marcando presença nos momentos decisivos da nossa história. Oscilando entre momentos de intensa atividade com períodos mais tranqüilos, a Câmara nunca se ausentou nem se omitiu quando a cidadania reclamou sua presença. Confiando nessa tradição e, sobretudo, no perfil ético e altruísta da Edilidade, deixo aqui uma contribuição sobre os esforços dos antepassados que legaram a cidade que usufruímos hoje.
Nesta primeira, parte vamos falar brevemente da Florianópolis de hoje, para que tenhamos uma idéia do que nos legou a galinha dos ovos de ouro – as belezas naturais e humanas, que atraem tantos turistas – e que estamos para perder com o impacto do Estaleiro OSX.
O site do Florianópolis e Região Convention & Visitors Bureau diz o seguinte a respeito de nossa cidade:
“Quem conhece as belezas da Ilha de Santa Catarina não quer passar apenas uma temporada. Por isso, cada vez mais as pessoas estão escolhendo a capital com a melhor qualidade de vida do país para morar, e quem gosta de praia e vida tranqüila sem abrir mão das facilidades das grandes capitais, encontrou o local perfeito. Florianópolis reúne o que uma cidade grande oferece, sem perder o charme de cidade pequena”.
A imagem da cidade atraiu e atrai milhares de novos moradores, turistas, visitantes em geral.
Continua o mesmo site:
“A Ilha possui uma grande interação ente a ocupação humana e a sua preservação ambiental. A harmonia e a conservação da biodiversidade nas proximidades de um centro urbano são privilégios da região, uma capital situada em uma ilha e que mantém seus ecossistemas preservados. Atualmente existem mais de 20 unidades de preservação ecológica no município e nove parques, abrangendo 42% seu território”.
A titulo de esclarecimento, o Florianópolis e Região Convention & Visitors Bureau é o instrumento mais eficaz da promoção do turismo na sua área de abrangência.
Para ilustrar, o trecho final do referido texto:
“Com o tempo, a cidade ficou mais moderna, criou uma infra-estrutura capaz de receber a todos, a economia cresceu e novas oportunidades de negócios surgiram, colocando Florianópolis no circuito dos principais eventos do Brasil e do mundo”.
Segundo a Santur, a receita gerada pelo turismo em janeiro e fevereiro de 2008 chegou a R$ 614 milhões. Em 2009 recebemos quase 800 mil turistas somente nos primeiros dois meses do ano.
Vejamos o que diz o mesmo Convention&Bureau local, em outra página de seu site, a respeito da nossa economia:
“A economia de Florianópolis está concentrada no setor público, comércio e serviços, além do turismo. A cidade não possui grandes indústrias pela sua característica ambiental, que impede a instalação de empresas poluidoras. O destaque no setor industrial é o parque tecnológico, formado por cerca de 300 empresas de ponta, muitas delas fornecedoras para o mercado internacional. Juntas, geram 3 mil empregos diretos e outros 14 mil indiretos, com faturamento de R$ 500 milhões por ano. O sucesso do parque tecnológico está ligado à presença de incubadoras, que garantem apoio ao surgimento das empresas”.
Continua:
“Outra importante atividade econômica, que garante emprego e renda para dezenas de famílias é a Maricultura. O cultivo de moluscos – ostras e mexilhões – iniciou na década de 90 como alternativa à pesca, que já não garantia o sustento das comunidades. Hoje, Florianópolis é o maior produtor de ostras do país, com 70% do mercado (2,5 milhões de dúzias por ano). A atividade gera 600 empregos diretos, 2,6 mil indiretos e resulta num faturamento anual de R$ 7 milhões”.
Esta é a Florianópolis que construímos no último meio século, substituindo a antiga ordem sócio-econômica, configurada pelo tradicional cultivo e processamento da farinha de mandioca e o forte comércio atacadista abastecido pelo porto fechado em 1964.
Fonte: Florianópolis e Região Convention & Visitors Bureau
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O Estaleiro OSX e a quebra do modelo sócio-econômico
Em busca da galinha dos ovos de ouro
Antônio Lara Ribas foi autor do primeiro plano turístico de Florianópolis, elaborado a pedido do governador Celso Ramos para ser incluído no Plano de Metas do Governo (Plameg).
Escreveu:
“Uma observação, mesmo superficial, nos convencerá de que não só a sua situação geográfica é privilegiada, mas a excelência do seu clima, a enorme variedade de acidentes topográficos e o seu majestoso conjunto hidrográfico representam argumentos irretorquíveis, que nos animam a oferecer esta modesta contribuição ao povo florianopolitano, para que possa ele ter no turismo segura e promissora fonte de recursos”.
Lara Ribas destacava que para o bom êxito do empreendimento turístico era de “suma importância que a população local ofereça condições de receptividade, sobretudo aos visitantes estrangeiros, de forma que eles se sintam à vontade e confiantes na hospitalidade que se lhes oferece”.
Valores paisagísticos
Sob o título “O turismo em Florianópolis, impulso para o futuro”, Paulo Fernando Lago analisa a gênese na atividade. A década de 1970, escreveu, foi “decisiva para a definição do modelo do crescimento de Florianópolis, com o afloramento de novas forças ordenadoras da forma e intensidade do uso do solo”. A “visão antecipadora da valorização de ambientes costeiros é perfeitamente demonstrada pela estratégia de pessoas e empresários locais, que foram adquirindo grandes glebas para posteriores loteamentos direcionados, inicialmente, para as planícies setentrionais da Ilha”. Foi o tempo da “caça de ilhas e promontórios”. (p. 263)
Nos órgãos públicos, por esse tempo, “desenvolviam-se idéias sobre as estratégias de aceleração de uma tendência perfeitamente avaliável, quando se examinava o avanço da ‘frente de ocupação turística’, das praias riograndenses em direção Norte”. Surgem os primeiros loteamentos no Norte da Ilha (Jurerê, Daniela). Nos anos 1970 a tendência se consolida. “A crença no turismo redentor foi, inicialmente, um pacto social, um consensoi, a proclamação da necessidade do desfrute de valores paisagísticos que não tinham significado de mercado”. (p. 264) Ou seja, “a proposta de turismo ganhou credibilidade, sensibilizando ainda mais a esfera política na condução de investimentos públicos em campos infra-estruturais, atraindo setores empresariais, internos e externos, representativos do grande capital e, também, cativando os pequenos investimentos”. (p. 265)
Matéria-prima
“A sinfonia do turismo redentor foi orquestrada pelo Poder Público e tocada por muitos instrumentistas, agarrados às partituras que permitiam melódica evocação das belezas naturais”, resume. Em redor da orquestra, “a sociedade formava um coro monumental, e de todas as gargantas, dos pedreiros, carpinteiros, professores universitários, mecânicos, hoteleiros, médicos, comerciantes, juizes e proprietários fundiários, os acordes se ajustavam na alquimia e, ao mesmo tempo, aplaudiam a mais decidida interferência do poder público, na direção das infra-estruturas”. (p. 265)
No final de 1981 surgiu o Plano de Desenvolvimento Turístico do Aglomerado Urbano de Florianópolis, elaborado pelo Instituto de Planejamento de Florianópolis. Visava “orientar as entidades públicas e particulares atuantes” na região da Capital.
No item 10, “Estratégia de Marketing”, lemos que o plano de marketing terá efeito a longo prazo, “porém isto só terá sentido se a matéria-prima do turismo for preservada”. A combinação das “belezas naturais situadas nas proximidades da cidade possui um valor turístico especial, concedendo à Ilha de Santa Catarina uma vantagem na concorrência com os demais lugares de paisagens e praias bonitas do Brasil”. (p. 18)
“Ilha dos Sonhos”
“A vocação natural da cidade de Florianópolis é, sem dúvida nenhuma, o turismo”, afirma o editorial da revista “Florianópolis – Um Pólo Turístico” (1989/1990), assinada pelo empresário Fernando Marcondes de Mattos. A publicação foi editada pela Fundação Pró-Turismo de Florianópolis (Protur), visando “divulgar o turismo do município”, entidade presidida pelo próprio Marcondes de Mattos, tendo como vice o empresário Alaor Tissot.
“Florianópolis, a capital do estado, é o centro do turismo de verão”, onde o “espírito açoriano, herdado dos imigrantes que povoaram a região há 250 anos, personaliza a Ilha”. Ou seja, “os barcos de pesca, as rendeiras, o folclore, a culinária, a arquitetura colonial e fortalezas históricas qualificam o turismo e atraem recursos que compensam a falta de indústria de porte”. As afirmações estão em um folheto de meados dos anos 90 do século passado, editado pela Santur e pelo Governo do Estado. Com o título “Florianópolis, Ilha dos sonhos”, anuncia a existência de “vilarejos envoltos em tradição e história”, como Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha, e praias de “águas calmas e boa infra-estrutura”, como Jurerê, Canasvieiras e Ingleses”, as mais procuradas pelos argentinos.
Servindo merlusa
Os esforços para consolidar esse perfil são muitos e vamos citar alguns.
Documento da Diretoria de Desenvolvimento Econômico/Governo do Estado, de julho de 1997, intitulado “Por que Santa Catarina” e voltado a investidores externos, assegura: “A pesca, sobretudo a artesanal, tem presença marcante na formação da economia regional [litoral catarinense], tendo o turismo se consolidado como a atividade mais importante”.
Nos dias 27 e 28 de janeiro de 1999, a Protur e o Convention Bureau de Florianópolis organizam o “Seminário estratégico da área de eventos de Florianópolis”, visando “aumentar o nível de sinergia entre as entidades ligadas à área de eventos” na Capital. São alguns dos esforços visando a quebra da sazonalidade do turismo com a ampliação do setor de eventos. Por outro lado, os organizadores do seminário “O planejamento e a imagem das cidades turísticas: grandes transformações urbanas”, realizado no mesmo ano, buscavam criar instrumentos para habilitar o setor turístico local de olho na “concorrência global”.
O setor empresarial de Florianópolis que apóia a implantação do Estaleiro OSX, fazendo vista grossa aos danos ambientais irreversíveis, se interessa pela viabilização de um porto turístico. O projeto havia sido abandonado devido aos altos custos com a dragagem de um canal para o acesso das embarcações. Como parte do canal poderá ser dragada pela OSX, o empreendimento se tornaria viável. O projeto cria uma contradição profunda, pois querem misturar navios de cruzeiros com plataformas de petróleo e petroleiros num mesmo espaço.
Resta indagar sobre o que esses turistas vão apreciar na cidade, já que não poderão andarde escuna pelas fortalezas e a Baía dos Golfinhos ou percorrer os trechos restantes de nossas praias, que estarão cobertos de piche. E mais: o que vamos oferecer no jantar? Camarão branco, filé de pescada, ostras e mariscos das nossas baías, ou congeladas postas de salmão e merlusa importadas? Bem, restará a alternativa de levar todos para uma visita às dependências do Estaleiro OSX, onde poderão partilhar o café da tarde com seus gerentes e diretores.