O estágio atual do debate sobre regulação das plataformas digitais. Por Marco Arenhart

No Brasil, como em outros países, os processos políticos a partir de 2018 colocaram como pauta central discussões como a regulamentação das plataformas digitais. Mas o rumo da discussão, tensionado por urgências politicas, tem sido adequado?

Imagem: Netlinks

Por Marco Arenhart para Desacato.info

O peso da Desinformação nos processos políticos e sociais tem gerado um intenso debate sobre alternativas para conter um fenômeno global que marcou a última década.

A popularidade de conceitos como fake news, desinformação, pós-verdade reflete uma crescente preocupação de amplos setores da sociedade com a força de politicas de manipulação, amplificadas pelo uso massivo de tecnologias e plataformas de comunicação de massa. Penetram nas diversas esferas: politica, relações sociais, cultura, consumo. Se no inicio da era digital a preocupação se centrava na preservação dos direitos individuais e a liberdade de expressão, bem como a privacidade, fenômenos como o Brexit e a eleição de Trump colocaram no centro do debate a força desagregadora da desinformação, promovida sobre estas novas plataformas e impulsionadas por técnicas e estratégias complexas construídas por atores muitas vezes ocultos. A atuação de organizações como a Cambridge Analitics são uma ponta de iceberg do um processo muito opaco de “weaponização” (transformação em arma de guerra hibrida) das tecnologias de informação e comunicação.

No Brasil, como em outros países, os processos políticos a partir de 2018 colocaram como pauta central discussões como a regulamentação das plataformas digitais. Mas o rumo da discussão, tensionado por urgências politicas, tem sido adequado?

Para que possamos responder esta dúvida, primeiro seria importante um resgate do que tem se acumulado recentemente sobre o assunto. Para isso tentarei uma síntese de várias debates realizados nos últimos anos, destacando os promovidos pela Coalizão pelos Direitos na Rede (1).

O Brasil teve dois avanços significativos na legislação relacionada à TIC (): o marco Legal da Internet de 2014 (Lei 12965) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) de 2018 (Lei 13709).

O Marco Civil da Internet consolidou um avanço no debate público sobre as redes, reafirmando (a) a neutralidade da Rede; (b) estabelecendo garantias para a liberdade de expressão; (c) o direito à privacidade.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) reafirmou o direito de privacidade do cidadão, restringindo a coleta de dados pessoais pelos provedores de serviços.

No entanto, o desenvolvimento histórico da sociedade em rede mostrou que legislação consolidada deixou ainda lacunas, que tem sido exploradas, principalmente por setores de uma extrema direita que se alimenta da desinformação e discurso de ódio. Este desenvolvimento colocou na pauta dos agentes políticos e da sociedade a necessidade de um avanço na legislação, tanto nacional como internacional, considerando o caráter global das plataformas.

Deforma geral, os eixos desta discussão passam por: (a) criação de marco legal para as comunicações; (b) regulação das plataformas digitais; (c) a sustentabilidade do jornalismo no ambiente digital, alinhado com o interesse público e cumprindo papel fundamental de sustentação da democracia; (d) Garantia dos direitos dos trabalhadores em comunicação.

A primeira iniciativa concreta para avançar nos marcos legais foi o Projeto de Lei 2630 de 2020, chamado inicialmente de projeto de combate às fake news e posteriormente nominada de Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Se propunha, inicialmente, a criar mecanismos e instrumentos para combate a desinformação e regras para transparência. Entretanto este projeto acabou incorporando várias distorções, como o estabelecimento de imunidade parlamentar, regras para remuneração de jornalistas e criações de mecanismos de rastreabilidade, que comprometem o avanço que significou a defesa da privacidade no Marco Civil da Internet. Essas distorções provocaram um debate mais acirrado entre os atores sociais interessados no tema. O PL foi aprovado rapidamente no Senado mas o debate na Camara continua indefinido, após a rejeição de um pedido de urgência.

Os problemas trazidos pelo impacto da desinformação, principalmente nas disputas eleitorais gerou outras inciativas que tentaram (e tentam) atropelar o debate do PL2630. Destacamos o Medida Provisória 1069/2021, editada pelo governo Bolsonaro, que tentou restringir o controle social sobre as plataformas, mas acabou sendo rejeitada pelo Congresso. O advento do Governo Lula recolocou o assunto em pauta, no sentido contrário, cogitando a edição de uma MP para regulamentação das plataformas – dentro do espírito original do PL2630 – e a criação da Procuradoria Especializada em Direitos na Rede, no âmbito da AGU. Deve ser destacado também a criação, dentro da estrutura da SECOM, da Secretaria de Politicas Digitais, com o objetivo de estabelecer uma estratégia de governo no enfrentamento à desinformação, propondo formas de educação midiática, criação de mecanismos de proteção contra violação de direitos no ambiente digital e discutir a revisão do ambiente normativo.

A nível internacional a discussão sobre a regulação de plataformas também tem sido priorizado e está evoluindo. Em destaque a lei aprovada pela UE , o Digital Service Act (DSA), (2) que entrara em vigor em 2024. Este ato estabelece diretrizes para a legislação dos Estados membros, impondo regras de moderação para as plataformas de redes sociais, contra conteúdos ilegais e desinformação. Esta semana está sendo realizada a conferência “Internet for Trust” (3), promovida pela UNESCO, com a finalidade de organizar o debate internacional sobre o tema. Nos Estados Unidos, aguarda-se uma decisão da Suprema Corte que pode rever a seção 230 do Communications Decency Act (4), que isenta as plataformas de Internet de responsabilidade em relação a conteúdos compartilhados e recomendados.

O problema em comum da maioria das inciativas para o combate à desinformação é que estão centrado na questão da responsabilização das empresas responsáveis pelas plataformas. O resultado deste tipo de regulação, centrado na punição, pode ser estas empresas ampliando ainda mais os mecanismos de moderação, levando a um “silenciamento” que será ainda mais prejudicial à democracia. Além disso, fica secundarizado o debate no sentido contrário: a necessidade de reduzir o poder moderados das empresas, baseado em sistemas de inteligência artificial baseados em aprendizado de máquina que não estão sujeitos a nenhuma regra de transparência e controle da sociedade.

É importante que tenhamos a compreensão que, apesar da urgência que este debate exige, pelo estrago que a desinformação vem fazendo nas relações sociais e politicas, ele não pode ser precipitado nem imediatista. São necessários alguns entendimentos iniciais para que os marcos legais tragam uma avanço real na recomposição do debate. Entre eles:

1. Deve-se evitar a armadilha do punitivismo e da criação de mecanismos de rastreabilidade, retrocedendo em ralação aos avanços do MCI e da LGPD;

2. Melhor conceituação do que está em discussão, permitindo a melhor distinção entre mensagem privada e mensagem em massa, responsabilidade sobre conteúdos pagos etc;

3. O estabelecimento de legislação nacional, mas alinhada com normatização internacional;

4. Respeito ao debate amplo com envolvimento de diversos setores de acordo com suas responsabilidades; usuários, plataformas, produtores de conteúdo, políticos etc.

5. Redirecionar o debate para a transparência e controle social dos algoritmos e sistemas de de moderação baseados em aprendizado de máquina (inteligência artificial) usados pelas plataformas.

Um caminho possível para a promoção deste debate poderia ser a reabertura da discussão em torno do PL2630, reabrindo para a participação da sociedade. O este debate é urgente, mas exige consistência. Conclusões que forem em um sentido equivocado ou insuficientes para responder a realidade politica e tecnológica, atual e do futuro próximo, podem construir mais obstáculos, não soluções.

Florianópolis, 23/02/2023

Marco Arenhart é analista e presidente do Conselho Fiscal da Cooperativa Comunicacional Sul. Também é cofundador da Cooperativa.

(1) https://direitosnarede.org.br/

(2) https://commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/europe-fit-digital-age/digital-services-act-ensuring-safe-and-accountable-online-environment_pt

(3) https://www.unesco.org/en/internet-conference/guidelines

 

 (4) https://www.theguardian.com/law/2023/feb/21/us-supreme-court-twitter-google-lawsuit-internet-law

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.