Por Paulo Nogueira.
Há uma cena particularmente engraçada no filme Butch Cassidy. No final, Butch e seu companheiro Sundance Kid estão encurralados num canto na Bolívia.
A polícia local pede reforços para o exército nacional. Vão chegando soldados às dezenas, centenas.
O comandante da tropa pergunta num certo momento ao chefe da polícia. “Quantos são?”
A resposta vem seca: “Dois.”
O comandante faz uma careta de espanto. Imaginava um número considerável de bandidos.
“Dois???”
“Dois.”
Lembrei desta cena com o episódio do barco de Lula.
Imagino dois leitores da Folha, que deu o furo como se fosse um novo Watergate, num diálogo assim.
Leitor 1: “Viu essa? Descobriram um barco do Molusco. Pegaram até a nota fiscal. Não tem como negar e dizer que não é dele.”
Leitor 2: “Esse Molusco tinha mesmo que se ferrar. Nove Dedos. Brahma. Deve custar uma fortuna o barco.”
O Leitor 2 mentaliza um iate igual ao de Roman Abramovic, o dono do Chelsea. O nome é Eclypse, e é conhecido como o Iate de 1,5 bilhão de dólares.
Leitor 2: “Quanto custa o barco do Brahma?”
O Leitor 1 mostra quatro dedos.
Leitor 2: “4 milhões de dólares?”
Ele ficou até decepcionado. Que são 4 milhões de dólares diante de 1,5 bilhão?
Leitor 1: “Não. 4 mil reais.”
Leitor 2: “O que??? 4 mil reais???”
Ele estaria menos inconformado se o preço fosse pelo menos em dólar. Numa rápida conta, ele percebeu que poderia comprar uma frota de barcos como os do Brahma.
Leitor 2: “Você tem certeza de que não errou? Não são 4 milhões de dólares? Dá uma conferida no site da Folha.”
O Leitor 1 começa a desconfiar da sua informação. Pensa que deve ter visto errado. O Moro não faria estardalhaço por uma ninharia. Começa a se condenar por passar adiante uma quantia sem sentido. Seu interlocutor vai achar que ele é uma besta, um cara capaz de falar num homem de 8 metros. Pega seu celular e vai checar.
4 mil reais.
Leitor 1: “Tou com um problema de conexão. Não tá dando pra checar. O importante, aliás, não é o preço. É o barco em si. Molusco ladrão!”
E assim se despedem os dois leitores da Folha, rumo ao planeta paralelo em que vivem sob o noticiário do jornal.
Penso neles e penso na mídia.
Os jornais já tinham perdido o pudor em relação ao jornalismo tão desiquilibrado e parcial que praticam.
Agora perderam também o senso do ridículo.
Em minha carreira de 35 anos, vi muitas coisas cômicas, ou tragicômicas, em jornais e revistas. Estava na Veja, por exemplo, quando saiu o “Boimate”, a combinação de boi com tomate, piada de uma publicação científica americana que a revista levou a sério.
Vi a Folha publicar, depois de uma decisão de Fórmula 1 no horário brasileiro da madrugada, um texto com a vitória de Senna e outro com a vitória de Prost, tudo isso numa só página para o leitor ler como lhe conviesse.
Mas nada, rigorosamente nada, se compara em estupidez à tentativa de transformar um barquinho mixuruca num escândalo nacional.
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Fonte: DCM.