O enfrentamento entre o Brasil e Israel é sério?

Dani Dayan. Foto: Moti Milrod.
Dani Dayan. Foto: Moti Milrod.

Por Miko Peled.

O Brasil rejeitou Dani Dayan como embaixador israelense por causa do seu histórico como colono, na verdade, é um líder do movimento de colonos, e pelo fato de morar na Cisjordânia. Como Israel não vê diferença entre os judeus que moram na Cisjordânia e os judeus que moram noutras partes do país, enviaram-no, e Israel não quer aceitar a rejeição do governo brasileiro.

Tem outros países que ainda distinguem entre Israel com a Cisjordânia e sem ela. Israel só faz essa distinção quando envolve os palestinos. A questão é: ¿Isto é um mero gesto por parte do Brasil ou o desafio do governo brasileiro a Israel é sério? A gente gostaria que fosse um desafio a Israel e o primeiro de muitos. Mas um desafio sério requererá de um compromisso responsável com a causa da justiça e a liberdade na Palestina, e isso não é fácil.

Como mencionado acima, Israel não vê nenhuma diferença entre os judeus que residem na Cisjordânia e os que moram noutras partes do país porque, de fato,  para Israel a Cisjordânia não existe. Todas as referências oficiais e estatais mencionam a região com o nome de “Judeia e Samaria”. Não tem nenhum tipo de mapa oficial; nem os textos escolares israelenses nem os mapas de informes do clima nem de trilhas mostram a Cisjordânia. Todos os informes do clima na TV são de Judeia e  Samária —nunca da Cisjordânia. A seção da policía israelense que serve na região (só cidades judaicas) se chama região de Judeia e Samaria. O comando militar que controla a região se chama comando de Judeia e Samaria, e assim por diante.

Israel apagou a Cisjordânia de fato e anexou a região faz muito tempo. Não o realizou formalmente porque isso exigiria dar direitos de cidadãos a uns três milhões de palestinos que moram lá. Nos Estados Unidos e a Europa ocidental ainda se faz referência a antigos mapas que mostram a Cisjordânia como um área separada do resto de Israel. Mas isso é uma ilusão. No mundo árabe e muçulmano dá para ver uma versão muito mais honesta da realidade. Todo Israel é considerado Palestina ocupada.

E na verdade, como a Cisjordânia pode ser menos ocupada do que o resto do país? Como os judeus de Tel Aviv podem ser menos colonos do que os que moram em Maaleh Adumim? Em qué se diferenciou a conquista de terras palestinas em 1948 da conquista de 1967? A destruição de Jaffa e a limpeza étnica que veio depois foi menos ocupação do que a de qualquer outra região da Cisjordânia? Se foi, foi pior. Em 1967, Israel não conseguiu executar a campanha de limpeza étnica igual que a de 1948. Se não, Hebron e Belém e Nablus e com certeza Jerusalén oriental toda teriam sido esvaziadas de palestinos. Mas não foi possível.

Porém, Ocidente e os governos alinhados ainda usam essa distinção arcaica entre colonos judeus de Tel Aviv e os colonos judeus de Kiriat Arba. Não faz sentido, como não faz o fato de etiquetar e boicotar somente os produtos das colônias judaicas da Cisjordânia e não etiquetar e boicotar os produtos das colônias judaicas da Galileia ou Jerusalém o ou deserto do Negueve, todas ilegais, construídas sobre terra palestina roubada.  E essa é exatamente a diferenciação entre um desafio sério a Israel e um mero e débil gesto.

Se o governo do Brasil não quer um colono judeu, então deve seguir o exemplo da Bolívia que desafiou Israel seriamente e mandou o embaixador israelense para casa definitivamente. Do contrário, como sinal de solidariedade, é um gesto que não faz sentido. O que significa quando os países que expressam solidariedade com a causa palestina continuam fazendo negócios com Israel? Estão dizendo que os palestinos fora de Gaza e a Cisjordânia não precisam de solidariedade? Os palestinos de outras partes da Palestina, sem falar nos que moram em campos de refugiados fora da Palestina, precisam ou merecem menos liberdade e justiça?

Aferrar-se à Cisjordânia virou o refúgio dos países que não querem fazer nada, mas sentem vergonha ou temor ou precisam acalmar de algum jeito seus eleitores. Então, em vez de dar um passo ousado e condenar e isolar Israel, condenam e isolam uma pequena parte de “Israel”.  Em vez de condenar todo o projeto sionista e considerá-lo uma ação ilegal de roubo de terras e acusar o governo israelense de genocídio e leis de apartheid, optam por gestos insignificantes.

Algumas pessoas podem argumentar que é um passo na direção certa. Mas não é, e se fosse, o tempo de pequenos passos na direção certa acabou faz muito. Agora é hora de ações sérias, de desafios sérios. Israel tem uma longa história de apoio e fornecimento de armas a ditadores e assassinos na América latina. É hora de que a América latina expulse Israel para sempre. Nenhum embaixador israelense deveria pôr o pé em nenhuma capital latinoamericana.

Miko Peled, ativista pró-palestino, judeu israelense, nascido e criado em Jerusalém, cujo pai era um jovem oficial do exército em 1948 e um importante general da IDF em 1967. Ou seja, Miko Peled nasceu e cresceu em uma família e em um ambiente de profundas raízes sionistas. Não obstante isso, as contradições da vida e seu sentimento humanista foram abrindo-lhe os olhos para a realidade que o circundava.

Tradução: Tali Feld Gleiser.

Fonte: Los Otros Judíos.

Artigo original: AHTribune.

1 COMENTÁRIO

  1. Amigo, parabéns pelo texto, e pelo engajamento contra a política genocida de israel. Compartilho de seu ponto de vista, entendo também um pouco da estratégia que o Brasil está tomando quanto a isso. E essa sempre foi a prática do Brasil para o enfrentamento no que se refere em política internacional. Enfrentamento indireto, discreto, no sentido apenas de sinalizar e não punir, ou cortar relações.

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