Por Jair de Souza.
Neste momento em que o nazismo está na ordem do dia dos debates políticos no Brasil, a questão do antissemitismo (em seu significado equivalente à aversão aos judeus) também entrou em pauta. Portanto, seria de muita serventia, trazer de volta à cena um documentário de 2009, produzido por Ronen Berolovich, um ex-soldado das forças armadas de Israel que prestou serviço militar nas zonas habitadas por palestinos.
Agora que a discussão começa a ganhar força, caberia perguntar: Como se manifesta na prática o nazismo nos dias de hoje? Quais são os alvos e vítimas preferenciais dos nazistas da atualidade?
Evidentemente, há várias narrativas em disputa quanto a isto.
Deve estar claro para a maioria das pessoas bem intencionadas que o nazismo está associado a tudo o que de pior os seres humanos foram capazes de realizar ao longo de sua existência. Foi com o nazismo que a falta de empatia com outros seres humanos, que o descaso com a dor dos mais débeis, que a satisfação com a prática da crueldade atingiram seus patamares mais elevados.
No entanto, para os sionistas (incluindo os autodenominados “sionistas de esquerda”), o nazismo continua sendo em essência uma ideologia que visa, em última instância, a aniquilação do povo judeu. Em razão disto, para os sionistas de todas as variantes, o fator fundamental para impedir a continuidade do massacre e a eliminação total dos judeus é a existência e o fortalecimento do Estado de Israel nos moldes como ele foi criado em 1948, e vem existindo desde então.
Outros que condenam veementemente o nazismo, mas se opõem aos sionistas no que toca à centralidade do antissemitismo para a existência dessa ideologia nefasta, veem na mesma uma manifestação do grande capital em momentos em que as forças populares apresentam riscos para a continuidade do sistema de exploração desenfreada da força de trabalho humano. Portanto, a perseguição aos judeus no nazismo europeu do início do século passado estava embasada em condições concretas que faziam dos judeus europeus o alvo capaz de mobilizar boa parte da sociedade em torno dos interesses do grande capital.
Na Europa atual, o panorama está longe de ser semelhante. Hoje em dia, as vítimas potenciais e efetivas dos nazistas são, em primeiro lugar, os imigrantes que se viram forçados a abandonar suas regiões de origem por motivo das políticas de dominação e destruição que as potências colonialistas e neocolonialistas vêm praticando em escala global.
Em vista disto, não é admissível que o antissemitismo continue a ser apresentado como a alma mater do nazismo atual. Precisamos entender que o nazismo se nutre fundamentalmente do racismo e da perseguição àqueles que precisam servir como bodes expiatórios para que os interesses do grande capital consigam se impor. Por isso, cada situação e cada momento devem ser considerados levando em conta a realidade histórica e sociológica de cada caso. Não existem vítimas raciais eternas nem agressores raciais eternos. O que tem se mostrado eterno é a perversidade inata da busca de lucro a qualquer custo pelo grande capital. Para o grande capital, a vida humana é apenas um elemento a mais na composição dos fatores que tornarão viável a produção de lucros. E, neste aspecto, não há diferenciação significativa no tocante à nacionalidade/raça do explorador ou do explorado. Segundo às conveniências dos donos do grande capital, elas podem ser alteradas substancialmente.
Poucos deixariam de admitir que o apartheid é uma das formas como o nazismo tem se expressado na vida política real. Por isso, foi muito significativa a divulgação do relatório da organização Anistia Internacional no qual caracteriza o sistema vigente no Estado de Israel desde sua fundação como um tipo de apartheid. E, se para nós o apartheid tem a ver com o nazismo, seria muito importante que nossa mídia estivesse debatendo também o conteúdo e os documentos apresentados no citado relatório.
Ou seja, em lugar de estarmos discutindo também em detalhes os crimes de apartheid que o relatório da Anistia Internacional trouxe à baila, estamos centrados tão somente na condenação ao antissemitismo em sua versão kataguiri-monarkiana. E isto a despeito de que os dois sejam reconhecidamente apoiadores do Estado de Israel e de suas políticas em relação ao povo palestino.
Sendo assim, creio ser muito oportuno rever com atenção o documentário de Ronen Berolovich, pois ali encontraremos valiosas explicações que vão nos ajudar a compreender a essência de certos problemas que não surgiram nos dias de hoje, senão que têm suas raízes bem sentadas no desenvolvimento histórico das forças do colonialismo europeu.
No decorrer do documentário, vamos poder entender como se deu a construção do Estado de Israel às custas do povo palestino como forma de pagar pelo monstruoso crime que os nazistas da Europa tinham cometido. Ou seja, os habitantes históricos da Palestina foram escolhidos para expiar a culpa da barbárie e monstruosidade que os nazistas EUROPEUS tinham praticado contra todos os considerados indesejáveis naqueles tempos às vésperas da II Guerra Mundial. Foram dezenas de milhões de vítimas, incluindo comunistas de todas as vertentes, ciganos, homossexuais, além, é claro, de cerca de seis milhões de judeus.
E não deveríamos nunca nos esquecer de que o nazismo nunca existiu nem existe com independência de sua força propulsora, ou seja, a busca por ganâncias desenfreadas do grande capital.
Assista ao documentário:
https://www.youtube.com/watch?v=3jNYlUj2gM
–
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
A opinião do/a/ autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
Leia mais:
Multi-artista Valdir Rocha afirma que para ele, arte “é necessidade vital”