O discurso hipócrita em torno da sustentabilidade na abertura dos jogos olímpicos no Brasil

Insustentabilidade JO

Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

A festa foi belíssima, estonteante, proporcionadora da aproximação dos povos dos cinco continentes, reveladora do Brasil justo socioambiental, que empodera os negros, os índios, os homossexuais, os transexuais, os bissexuais, as mulheres e outras minorias. No tal baile olímpico, mostrou-se um país que respeita a diversidade, uma nação na qual as raças, as identidades de gênero e sexuais se harmonizam no cotidiano nacional. No encontro internacional dos povos só não se mostrou os outros fatos, aqueles do cotidiano brasileiro, para além da pirotecnia do marketing do país perfeito. Na majestosa e idílica apresentação, mostrou-se o Brasil dos sonhos, não o real.

Nos rituais de início dos Jogos Olímpicos de 2016 ficcionalizou-se a nação, idealizando-se e escondendo-se o Brasil de todos os dias, aquele regido pelo machismo desencadeador de golpes contra a primeira mulher eleita presidenta do país, de forma democrática e legal, aquela que, por conta da mídia tradicional a serviço do projeto dos machos do capital, sofreu ataques verbais depreciativos e machistas por parte de parcela considerável da sociedade bestializada pelos jornais criadores e manipuladores das notícias ao sabor dos donos do poder.

Na referida festa, não se abriu espaço para mostrar o país que institucionaliza a homofobia, que, mesmo em pleno século XXI, indultem-me o clichê discursivo, no silêncio da inoperância legislativa, permite o ataque a homossexuais com lâmpadas na Avenida Paulista e em outros rincões do Brasil, possibilita a violência diária contra as mulheres, consolida a cultura do estupro na inércia da aplicação das leis, veda os olhos sociais para que os projetos de cidadãos entrem no eterno círculo de abstinência nas bases do pensar e, consequentemente, não consigam construir a mudança. Nesse Brasil ocultado, os seres bestializados criam a eterna figura do herói, geralmente, partidários, como aquele que só consegue enxergar erros de alguns membros do PT, que é capaz de mandar prender a cunhada do tal ex-tesoureiro petista, mesmo que esta não tivesse relação nenhuma com o caso, mas que não consegue prender a esposa do malvado favorito corrupto da direita reacionária, mesmo com todas as provas contundentes.

Nessa abertura olímpica, não se apresentou o Brasil que proporciona o abandono de crianças, que se cala diante dos maus-tratos aos animais, que permite que magistrados silenciem jornalistas que são corajosos e revelam os ganhos públicos além da conta de autoridades judiciárias, que depreda seu próprio capital natural, fazendo com que a sociedade não consiga pensar no porvir, um país que, mesmo com legislação contra o racismo, não controla o discurso do ódio social branco-elitista em relação aos negros, eximindo-se da culpa diante da morte simbólica e real de milhares de cidadãos-negros quando lhes são negados o acesso às riquezas do país.

Nessa abertura de olimpíadas não se revelou o Brasil que convive, de forma harmoniosa e silenciosa, com uma Bancada da Bíblia, do Boi e da Bala que impossibilita mudanças legislativas que tragam justiça para as minorias sofridas, que dialoga com um Congresso Nacional, na maioria, corrupto, que, distante da laicidade do Estado, cria leis em nome da família tradicional e dos dogmas da fé umbilical de cada deputado/senador. Essa festa não mostrou como os ovos do fascismo estão sendo gestados através das personagens reacionárias representativas dos segmentos sociais mais conservadores como deputados fundamentalistas religiosos vendilhões da fé acusados de estupros. Nesse Brasil não apresentado, muitos membros do Congresso são capazes de propor a mordaça pedagógica, por meio da Escola Sem Partido, um projeto cerceador dos discursos docentes em torno das possíveis práxis de libertação das consciências. Ou seja, não se apresentou o país que inviabiliza o futuro de seu povo.

O baile olímpico, do início ao fim, através da magia dos efeitos técnicos, mostrou-se recopilador dos discursos do patriarcado, da história contada pelo macho, pelos donos do poder desde o “achamento” da terra Brasil até os dias atuais.

A mensagem de abertura dos jogos olímpicos no Brasil teve como foco a sustentabilidade e, como mencionado, o empoderamento das minorias, mas tudo não passou de fantasia. Para os menos críticos, o discurso foi lindo e profundo, para os seres dados a reflexões para além do que a grande Mass Media gestora de golpes e ditaduras, bestializadora das massas, quis imprimir nos imaginários sociais coletivos, ficou a latência da hipocrisia entre discurso e prática.

A hipocrisia se revela quando, por exemplo, qualquer brasileiro, com o mínimo de cognição possível, recorre à memória e percebe que, ao longo do processo de formação da nacionalidade brasileira, imperaram injustiças socioambientais por meio dos discursos opressores de aversão à diferença materializados em racismo, machismo, homofobia e, principalmente, com a destruição dos ambientes naturais, a partir da lógica da exploração de elementos da fauna e da flora, inicialmente, para a Coroa Portuguesa e, depois, após a “independência”, para a construção da nação que se pretendia livre, mas que, mesmo em tempos hodiernos, continua atrelada à forma colonial de desenvolvimento.

Foi paradoxal e hipócrita tentar mostrar ao mundo uma preocupação ambiental, quando há alguns meses, a própria mídia tradicional, a serviço do golpe político no Brasil, e a mídia internacional relataram desastres ambientais de proporções gigantes no país. Dentre esses casos ambientais vexatórios, está Bento Rodrigues, pequeno distrito de Mariana que foi tragado pelo lamaçal resultante de ações insustentáveis em torno da exploração dos recursos minerais brasileiros em decorrência da gananciosa e inescrupulosa indústria da mineração prenhe dos ideários capitais tradicionais em que prevalece a valia do lucro e a depredação do capital natural e social. Não bastasse varrer Bento, a lama dizimou a biodiversidade, propriedades privadas, o Rio Doce e chegou ao litoral, percorrendo centenas de quilômetros e interferindo na história e na vida das comunidades por onde passou. Na região de Belo Monte, devido à construção da hidrelétrica, dentre tantos impactos ambientais, acredita-se que ocorrerá e, já esteja ocorrendo, a diminuição do regime de vazão do rio Xingu. Tal fator, em grande escala, afeta terras indígenas, prejudicando, de alguma forma, as populações que vivem e sobrevivem da cultura da pesca na região. Além disso, o desmatamento na área de construção e adjacências poderá se intensificar, com isso, contribuindo, diretamente, para o crescimento urbanístico desordenado; no Sul da Bahia, a desculpa do desenvolvimento colocou em marcha a construção do Porto Sul, com autorização dos órgãos ambientais, mesmo com várias críticas de ambientalistas e estudiosos socioambientais acerca dos prejuízos e déficits naturais que a referida obra pode ocasionar à região. Em Porto Seguro, o turismo insustentável vende a imagem da cidade-paraíso, um pacote a ser consumido, com a especulação imobiliária que destrói áreas verdes a olho nu, sem a preocupação das autoridades competentes locais. Em Mato Grosso do Sul, índios são dizimados ao sabor e desejo dos latifundiários, além, é claro, de outras mazelas pelo imenso Brasil.

Nesse país não apresentado, em suas grandes cidades, muros metafóricos divisórios de classes são erguidos e, a partir desses construtos de poder, a violência toma corpo, alimentada pelas ausências do Estado que nada dá, mas tudo tira; um verdadeiro saqueador de vidas. Nessa parafernália de divisórias sociais, surgem favelas e bairros nobres. Para as partes ricas citadinas, o governo trabalha, e, para as regiões pobres, o governo nada faz, a não ser provocar o esfacelamento ancorado na negação de todos os direitos.

A abertura das Olimpíadas do Rio deveria ter mostrado os movimentos sociais contra Temer e em favor da democracia em Copacabana e em todo o país, ademais, deveria ter exibido a ditadura do governo golpista através da máquina pública para abafar as vaias ao seu governo. Também deveria ter mostrado que as instituições estão em crise no país e que está em curso um projeto de governo que retira direitos sociais conquistados nas gestões de Lula e Dilma, dois seres que fizeram com que os pobres do país começassem a sonhar.

Enfim, essa foi uma abertura da hipocrisia, pois o discurso em torno da preocupação brasileira com as questões socioambientais não corresponde aos fatos, portanto, não convenceu aos brasileiros mais críticos e, tampouco, aos estrangeiros também ávidos pela verdade. Caso os relatos apresentados até agora não sejam suficientes para lhe convencer acerca da hipocrisia presente no discurso ambiental nas atividades iniciais do tal baile épico, pense no assassinato de Juma, aquela linda onça usada para os rituais pré-olímpicos com a passagem da tocha olímpica pelo norte brasileiro, assassinada ao final da festa porque, depois de provar um pouco do ar fora do cativeiro, não quis mais retornar à jaula.

Fotos:

  1. Foto: Ivo Lima/Ministério do Esporte
  2. Foto: Fred Loureiro/ Secom ES (13/11/2015)
  3. https://limpinhoecheiroso.com/2015/05/28/paulo-moreira-leite-belo-monte-e-a-luta-por-uma-usina-necessaria/

 

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