Por José Álvaro de Lima Cardoso*
O DIEESE foi criado, em 1955, em função da necessidade de os trabalhadores disporem de uma instituição de pesquisa, que conseguisse enfrentar com consistência técnica a argumentação dos patrões e seus prepostos. Se hoje o trabalhador sabidamente ainda tem pouco acesso à educação, e dificuldades na interpretação de indicadores sócio econômicos, na década de 1950, certamente elas dificuldades eram muito maiores. Na luta sindical, principalmente no processo de negociação coletiva, os argumentos não podem ter apenas uma dimensão ideológica, moralista ou política. A base da negociação coletiva, já naquela época, era a ciência, mormente economia, estatística, sociologia, e outras áreas. Na negociação coletiva, ontem como hoje, não basta a reivindicação ser justa, ela tem que ser economicamente viável, o que pressupõe, na argumentação, estudo e preparação por parte dos trabalhadores.
Mas lastrear sua atuação com base na ciência, não significa ser neutro. Forjado numa sociedade de classes, o DIEESE se posiciona estatutariamente a “serviço da classe trabalhadora”, portanto se soma à luta pela justiça, soberania e igualdade no Brasil. É uma leitura do mundo, a partir de uma referência científica, com o objetivo de transformar a realidade para melhor. Isso significa que só tem sentido pesquisar o mercado de trabalho, por exemplo, se essa ação servir para os atores intervirem sobre a realidade social, mudando-a para melhor. Para transformar a realidade positivamente é essencial que o diagnóstico seja o mais preciso possível. Daí o rigor conceitual que o DIEESE procura imprimir à sua produção técnica e ao trabalho de assessoria, o que historicamente lhe garantiu seu maior patrimônio: credibilidade. A verdade interessa aos trabalhadores, mesmo que, em determinada conjuntura, ela possa atrapalhar este ou aquele progresso tático.
O DIEESE tem patrimônio material. Seus ativos mais importantes são intangíveis: formação de quadro técnico comprometido com a verdade e com o País, e credibilidade da sua produção técnica. Reconhecida pelos próprios interlocutores patronais que, mesmo discordando da análise muitas vezes, não duvidam que a informação foi sistematizada de forma honesta e rigorosa conceitualmente. Esse é o principal patrimônio do DIEESE, assim como uma equipe que ingressou por méritos na instituição e preserva os seus princípios mais essenciais.
Com muitas dificuldades, e necessários recuos táticos, os organizadores do DIEESE foram viabilizando ao longo dos anos as condições para a construção de uma entidade técnica, plural, unitária e democrática. Uma entidade científica não poderia ser dogmática, como se portadora fosse de verdades absolutas. Seria postura anticientífica, com risco de não funcionar no Brasil, dada a própria diversidade cultural do nosso povo. Nas ciências sociais e humanas a interpretação da realidade está permanentemente sujeita à variadas leituras. É a conhecida analogia do copo de água pela metade: está meio cheio ou meio vazio? As duas informações estão corretas, depende do ponto de vista do observador. Daí a necessidade da pluralidade e de abertura às diferentes interpretações, que o DIEESE ao longo da história tem sabido levar em conta.
Talvez a maior virtude do trabalho do Departamento seja conseguir, ainda que com limitações, correlacionar os números frios da estatística e da economia, à luta social em busca de uma vida digna. A taxa de desemprego não é somente uma fria estatística. Ela representa para muita gente, fome, sofrimento e humilhações. Isso talvez seja o mais importante no trabalho do DIEESE: vincular os dados e indicadores ao movimento social, dando um significado para aqueles números e mostrando que eles não são um fim em si mesmo.
Com o passar dos anos os dirigentes sindicais, e suas assessorias, foram percebendo o papel fundamental do conhecimento na luta política e social. Não basta reivindicar salários e direitos, por mais legítimo que seja. É fundamental também embasar as reivindicações em estudos regulares, profundos, criteriosos, e comprometidos com as melhores causas da sociedade brasileira. Por isso, como poucas vezes foi, a hora é de fortalecer o DIEESE e demais organizações dos trabalhadores.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.