O dia das mães há de chegar. Por Lívia Albuquerque.

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Por Lívia Albuquerque.

O tamanho gigante e a complexidade dos desafios da função do cuidado alheio, sobretudo se exercido em uma organização social desumanizadora, são fatos incontestáveis. A busca por mudança, em razão da constatação de um sofrimento humano, no entanto, precisa apontar claramente a direção política que vai seguir. Neste ponto, faz-se absolutamente necessário pensar se as medidas pelas quais lutamos são eficazes para a resolução dos problemas no contexto em que estão inseridos e, mais, se o contexto não precisa ser radicalmente mudado, porque ele seria o maior problema imediato a ser resolvido. Há lutas que são justas e dignas, mas são ingênuas ou incapazes de gerar qualquer mudança substancial e duradoura na cura dos males que nos afligem.

Tornar-se mãe na sociedade capitalista deixa a mulher, que já é um ser vulnerável socialmente, em um patamar superior de vulnerabilidade. Violência na infância e adolescência, no ambiente doméstico, no ambiente escolar e universitário, no ambiente de trabalho, no ambiente médico – sobretudo durante o pré-natal, o parto e o pós-parto. Recentemente, o governo brasileiro apresentou a nova caderneta de gestante, recheada de informações que são, na verdade, práticas condenadas pela Organização Mundial de Saúde.

Obviamente que essas violências devem ser sempre denunciadas, porém é preciso haver um norte político nesse tipo de ação, bem como as medidas apontadas devem deixar bem claro a que tipo de sociedade servem: à sociedade capitalista (reforma) ou à sociedade a ser criada a partir das necessidades da classe trabalhadora (revolução)? A defesa moral de remuneração às mães, pelo cuidado com seus filhos, por exemplo, expõe a função exaustiva dos cuidados com bebês e crianças, porém manteria as mães exaustas, excluídas socialmente, em âmbito privado, e, ainda, como únicas responsáveis pelos cuidados exaustivos. Sem uma mínima inclinação a reivindicar os cuidados coletivos, qualquer medida que simplesmente reconheça a imensa sobrecarga da responsabilidade dos cuidados, está fazendo seu trabalho pela metade ou mesmo prestando um serviço contrário à justíssima causa.

A socialização dos cuidados se trata de defender e proteger toda e qualquer pessoa que esteja vulnerável. Mães teriam muito mais paz se as crianças não fossem violentadas, abusadas, estupradas, traficadas e assassinadas. Responsáveis por crianças precisam de um sistema público educacional confiável, um sistema público de saúde funcional, garantias diferenciadas para o exercício de seu trabalho. A trabalhadora precisa de uma licença maternidade que seja compatível com o aleitamento materno e os cuidados incessantes de um bebê que, especialmente nos 2 primeiros anos, é altamente dependente da pessoa que o gestou e pariu. Uma vez que retorne ao trabalho, sua permanência e regime precisam de flexibilidade e gradação.

No entanto, tais medidas, repletas de justiça e profundidade, não encontram terreno para serem sequer pensadas em uma forma de organização social que não preza pelo humano. E para se atingir um grau de consciência humana acima da que permeia a sociedade brasileira hoje, seria imprescindível que houvesse uma revolução social. O nosso sistema já cansou de demonstrar sua falta de humanidade. O tamanho da solidariedade que se constata dos cubanos em face do triste acidente no hotel Saratoga, não advém do clamor moral por empatia e senso de coletividade, mas tão somente de uma construção sólida, durante anos e anos após sua revolução, em bases socialistas.

Os cuidados sociais são determinados no projeto de nação que queremos ter para e com as próximas gerações. As mudanças concretas e permanentes ocorrem se as condições materiais são modificadas. Não dar a correta leitura e interpretação dos acontecimentos sofridos por mães e crianças – tristemente ocorridos próximo ao dia das mães, inclusive –, como a chacina no Jacarezinho e o recente caso dos Yanomamis, demonstra falhas políticas graves em nossas lideranças políticas. As denúncias a serem feitas, de modo a conscientizar a classe, não podem ter sua máxima expressão em linhas ditadas por campanhas publicitárias, que enfatizam uma moralidade rasa, tal como o “não julgamento” das mães. Essa linha liberal, que coloca a maternidade como um leque de escolhas às mães, e que elas não devem ser julgadas por quais rumos seguir, não contribui para a consciência crítica de que as escolhas maternas são verdadeiramente impostas pela lógica do capital e sua necessidade de exploração máxima, à custa de mães e filhos.

Enquanto a questão continuar a ser pensada de forma individual e mercadológica, enquanto se achar ser possível inserir medidas com aparência mais humanizada, mas sem remexer as estruturas econômicas e políticas, continuar-se-á a dar as costas para as mães. E para os seus filhos. Ou seja, estar-se-á dando as costas para toda uma nação. Que o dia das mães e o de reais mudanças logo chegue.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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