O desmonte do Estado nacional brasileiro em favor dos rentistas e das grandes corporações. Por Paulo Lindesay.

Análise dos principais pilares do projeto neoliberal do grande capital financeiro rentista.

Por Paulo Lindesay.

Vamos analisar os principais pilares do projeto neoliberal do grande capital financeiro rentista. Fazendo um corte temporal, a partir das ditaduras de Vargas e dos governos militares. Constataremos que estamos diante de um projeto encadeado cujo propósito é a captura do Estado brasileiro, subjugando sua população, utilizando a principal ferramenta do grande capital financeiro rentista, a dívida pública. Além de ir em direção à destruição das políticas sociais, ataca diretamente os serviços públicos e seus servidores (as).
Tudo para garantir a sustentabilidade do pagamento da dívida pública.

O projeto neoliberal financista rentista caminha a passos largos em direção a capturar o papel do Estado brasileiro, com aumento da precarização nos serviços públicos, a partir da desidratação das despesas primárias, principalmente as políticas públicas. Estruturado, principalmente, através do projeto de endividamento do Estado, garantido pelos ajustes fiscais sucessivos, cortes de gastos e pagamentos extorsivos de juros da dívida. Efetuados pelos governos de plantão no Palácio do Planalto, anos após anos. Que há décadas abocanha, em média, 50% do fundo público federal.

Pesquisando na série temporal 4759, nas Estatísticas Fiscais do BACEN, podemos conhecer os valores nominais executados em favor do pagamento dos juros da dívida pública – Setor público consolidado, entre 2001 e 2024. Em pouco mais de 276 meses, os governos da República Federativa do Brasil sangraram os cofres públicos, em valores nominais, cerca de R$ 7,570 trilhões. Atualizando os valores anualmente pelo IPCA/IPCA, entre janeiro de 2001 e dezembro de 2024, chegamos à seguinte cifra, cerca de R$ 12,518 trilhões. Somente um país com a economia do tamanho da brasileira suporta uma sangria dessa monta.

Essa sangria representa uma captura do fundo público federal, possibilitando formas cada vez mais sofisticadas de precarizações nas políticas públicas e contratações dos servidores (as) públicos, nas três esferas de governos (municipal, estadual e federal): temporárias, terceirizações irrestritas nas áreas-fins, contratações das organizações sociais (OS), contratações de consultorias, chegando ao absurdo de desobrigar os entes federativos a admitirem servidores (as) públicos pelo regime estatutário.
Da lei n0 8112/1990.

Agora, caminhamos em direção à criação de fundações públicas de direito privado, que poderão se alastrar por grande parte dos órgãos públicos. Executando funções específicas de Estado, substituídas por uma gestão privada do dinheiro público. Além de piorar a qualidade das prestações nos serviços públicos, hoje muito precários, desmontando a maior parte das carreiras públicas, enfraquecendo as relações estáveis e garantias de empregos dos servidores públicos, inclusive os concursados. O que levará à falta de recursos públicos para investimentos diretos nas políticas sociais e de infraestrutura do Estado.

Tudo centrado na desidratação das despesas públicas primárias, onde reside o Estado Social brasileiro. Liquidando valores do orçamento federal, mas não executando a sua totalidade. Esse superavit poderá ser destinado ao pagamento da amortização da dívida pública. Tornando o Estado apenas o subsidiário (financiador) das políticas públicas, não, mas o principal executor das políticas públicas. Perdendo o papel central do Estado, que é garantir serviços públicos de qualidade para atender às necessidades da população brasileira. O Estado está voltado a garantir lucros crescentes e vitalícios, de forma especulativa, ao grande capital financeiro e às grandes corporações, a partir da sustentabilidade da dívida pública.

Farei um corte temporal a partir do governo Vargas, no período do Estado Novo (1937-1945), para iniciar minha análise do projeto de administração pública federal brasileira. Em 1938, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), com o objetivo de acelerar a reforma administrativa destinada a organizar o serviço público no Brasil. Sua principal função era reformar o aparelho administrativo do Estado. A busca por um modelo administrativo externo que embasasse as reformas que o Departamento desejava efetuar fez com que o governo promovesse o intercâmbio entre a administração federal brasileira e outros modelos administrativos no exterior, com a promulgação do Decreto-lei n0 776, de 7 de outubro de 1938, chamado Missão de Estudo no Estrangeiro, de autoria do próprio Luís Simões Lopes.

A partir deste decreto, o governo enviou funcionários técnicos administrativos, principalmente, para universidades estrangeiras, através do pagamento integral de salários pela Embaixada em Washington, acrescidos de uma ajuda de custo para moradia e passagem. Tal intercâmbio ocorreu, principalmente, entre técnicos do próprio DASP, que eram enviados aos Estados Unidos, majoritariamente, de duas formas: com o auxílio do Decreto-lei-Missão de Estudos no Estrangeiro, com afastamento e viagem financiados pelo governo brasileiro, e por uma instituição privada para estudos em universidades norte-americanas, o Institute of International Education (IIE), de Nova York, que distribuía bolsas em parceria com o governo brasileiro, e seleção do DASP. Como podemos observar, a primeira tentativa de reforma administrativa do Estado estava totalmente baseada e subjugada ao modelo administrativo dos Estados Unidos da América (EUA). Criaram-se ainda órgãos nos estados da União, conhecidos como “dapinhos”, nos quais os diretores entravam permanentemente em contato com o presidente por meio de interventores da ditadura Vargas.

Porém, o DASP foi um departamento que conseguiu construir uma tecnocracia, ou uma elite técnica, cujas ações desagradaram antigas oligarquias. O Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP foi extinto em 1986. Um ano após o final da ditadura e o início da redemocratização política do Brasil, em 1985.

Em 1952, o governo de Getúlio Vargas aprovou a lei n0 1711. Instituindo o Estatuto dos Funcionários Públicos Federais, onde parte dos servidores públicos era admitido por concurso pelo DASP. Esse estatuto perdurou até 1990. Em dezembro de 1990, foi sancionada a lei n0 8112, em substituição ao estatuto de Vargas, instituindo um novo Estatuto dos Servidores (as) Públicos Federais. Denominado Regime Jurídico Único – RJU. Aprovada pelo governo Collor de Melo, existente até a presente data.

O novo Regime Estatutário veio para substituir as admissões dos servidores (as) públicos, sem concurso público, por concursados, pós-Constituição Federal 1988. Até o dia 10 de dezembro de 1990, os servidores públicos, na grande maioria, eram admitidos no regime celetista, desde a década de 70. Aquele Estado loteado no governo militar, que conhecemos.

Em 1967, após a promulgação da Constituição Federal. Foi editado o Decreto-lei n0 200, a primeira reforma administrativa do governo militar, nunca revogado. Primeiro marco legal na tentativa de implantar a Administração Gerencial no Estado brasileiro. Pautou o fortalecimento do “Sistema de Mérito”, elaborando as diretrizes do “Plano de Classificação de Cargos – PCC”. Viabilizando a flexibilização das relações de trabalho no setor público federal, permitindo a aplicação de dois regimes de trabalho: estatutário e CLT.

É esse decreto que o Ministério de Gestão e Inovação – MGI e a Advocacia Geral da União – AGU estão estudando para, em 2025, propor o novo projeto de lei com as novas diretrizes da reforma administrativa infraconstitucional.

No início da década de 70, foi aprovada a lei n0 5645/1970. Lei essa que estabeleceu as diretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União e das autarquias federais. Quatro anos depois, em 1974, outra lei importante foi aprovada e sancionada pelo então presidente general Ernesto Geisel – n0 6185. Elas avançam em direção à concretização da reforma administrativa do governo militar idealizada a partir da promulgação da Constituição Federal de 1967 e o Decreto-lei n0 200/1967.   As duas leis possibilitaram que grande parte dos servidores públicos, na década de 70, fosse admitida pelo regime da CLT e a menor parte continuou admitida por concursos no regime estatutário da lei n0 1711/1952. Aqueles setores reconhecidos como inerentes ao Estado. Atividades que somente o Estado executa, sem correlação com o mercado privado. Os demais servidores estatutários, regidos pela lei n0 1711/1952, que não migraram para as novas carreiras da CLT, ficaram em Quadro em Extinção – QPEX.

O Plano de Classificação de Cargos (PCC) foi criado pela lei n0 5.645/1970, no contexto da reforma administrativa do final da década de 1960, nunca revogado. Baseou-se no Decreto-lei n0 200, de 1967.
A lei consistia em estruturar os cargos civis da União agrupados, chamados, na prática de Classes, em Categorias Funcionais, que, por sua vez, eram reunidas em 10 Grupos:

  • I – Direção e Assessoramento Superiores; II – Pesquisa Científica e Tecnológica; III – Diplomacia; IV – Magistério; V – Polícia Federal; VI – Tributação, Arrecadação e Fiscalização; VII – Artesanato; VIII – Serviços Auxiliares; IX– Outras atividades de nível superior; e X – Outras atividades de nível médio.

Como podemos observar, o tratamento privilegiado dado a alguns setores do funcionalismo. Não nasce do acaso ou da preferência de governos de plantão no Palácio do Planalto. Mas baseados em um arcabouço legal projetado pelos neoliberais, nunca revogado. São eles que definem quais os setores dos órgãos públicos são considerados estratégicos para os governos e o deus mercado. A esses setores tudo, aos demais as migalhas.

Em 1974, o governo militar, do general Ernesto Geisel, aprovou a lei n0 6185, nunca revogada. Base para mais uma pseudo modernização da reforma administrativa, instituída pelo Decreto-lei n0 200/1967.

Os servidores públicos federais foram divididos em dois grupos: os servidores públicos admitidos por concursos públicos pelo regime estatutário, com atividades inerentes ao Estado como Poder Público sem correspondência no setor privado, e os demais servidores (as) públicos federais, admitidos para cargos integrantes do Plano de Classificação, no regime trabalhista da CLT.

Portanto, as atividades inerentes ao Estado não alcançam todas as atividades do Estado brasileiro. Apenas aquelas limitadas por atividades essencialmente exclusivas ou típicas de Estado. Classificadas nos projetos dos governos de plantão no Palácio do Planalto, como essenciais à execução do Poder de Estado. Aquelas mesmas definidas no arcabouço legal, nunca revogado, no projeto do MARE – A Reforma do Estado dos anos 90. Capitaneada pelo ex-ministro Bresser Pereira, e no senso comum dos servidores (as) públicos e de muitas representações sindicais do serviço público federal.

Entre 1956 e 1961, o Brasil foi governado pelo presidente Juscelino Kubitschek, num mandato de 5 anos.
O plano econômico de JK se baseou no seu Plano de Metas, composto por 30 metas relacionadas ao transporte, industrialização, alimentação, energia, educação e tendo a construção de Brasília como uma espécie de meta síntese. Cinquenta anos em cinco. O governo JK foi nacional-desenvolvimentista, o que significa que o Estado foi o principal responsável pelo desenvolvimento econômico e industrial do país.

Em 1961, o Brasil foi governado pelo presidente Jânio Quadros. Depois de um governo muito conturbado, em pouco mais de 206 dias, por pressão de forças ocultas, pediu renúncia à presidência da república.

Após a renúncia de Jânio Goulart, o advogado, jornalista e político brasileiro, Paschoal Ranieri Mazzilli, assumiu o mandato por 13 dias. Mas quem deveria assumir a presidência da República era o Vice-presidente eleito, João Goulart, que foi eleito pelo povo brasileiro para o seu cargo. Depois de muita resistência dos militares, da burguesia internacional/nacional e do governo contrário, o presidente João Goulart assume a presidência e exerceu o mandato por 2 anos e 208 dias, entre 1961 e 1964.

O golpe de Estado no Brasil em 1964 foi a deposição do presidente brasileiro João Goulart em 31 de março a 10 de abril de 1964, pondo fim à Quarta República (1946–1964) e iniciando a ditadura militar brasileira(1964–1985). O Golpe de 1964 foi resultado direto da crise política que atingiu o Brasil a partir de 1961.

Em abril de 1964, o general Humberto Castelo Branco assume a presidência do Brasil, após um golpe militar. Nesse período, o estoque da dívida pública externa era cerca de US$ 3 bilhões. Praticamente, não existia nem a dívida interna.  Ao final da ditadura cívico-militar, em 1985, na redemocratização do Estado brasileiro, o estoque da dívida pública externa alcançou cerca de US$ 105 bilhões. Uma dívida que cresceu mais de 32 vezes o valor inicial.

No início da década de 70, o Brasil vivia o denominado “Milagre Econômico”. Brasil, um grande canteiro de obras faraônicas, mas às custas de um enorme endividamento externo e empobrecimento da população brasileira. Brasil, paraíso dos rentistas e das grandes corporações transnacionais e nacionais. Avança o projeto do grande capital financeiro rentista, em conluio com a ditadura cívico-militar e o grande capital empresarial.

Nessa década, a média anual do PIB brasileiro foi de 10,8%. Em 1973, o maior PIB da história do Brasil – 14%. Mas isso não significou melhorias na qualidade de vida da maior parte da população brasileira.
Mudou-se a chave da economia mundial e especificamente no Brasil, na década de 70. Passamos a viver sob a égide do grande capital financeiro rentista, a denominada financeirização da economia. Foi quando o “grande” ministro da Fazenda do governo militar, Delfim Neto, disse: “Precisamos crescer o bolo, para depois dividir”. Quem é jovem há mais tempo lembra bem dessa frase icônica do Delfim. O bolo cresceu, chegamos a ser a 60 economia do planeta, mas isso não significou o direito a comer uma fatia desse bolo, chamado Brasil. País rico, mas a terceira maior desigualdade do planeta.

O capital financeiro rentista fez uma simbiose com os demais capitais, principalmente o capital produtivo. Proporcionando a acumulação crescente da riqueza produzida pelos trabalhadores (as) e pela sociedade em geral. Aumentando a flexibilização dos direitos trabalhistas, redução salarial e a redução gradual dos postos de trabalho. Principalmente a partir da Terceira Revolução Industrial, conhecida como Revolução Industrial.
Técnico-científico.  Iniciada no final da década de 50, pós-Segunda Guerra Mundial.

Nos anos 80, a denominada década perdida. Aconteceram elementos que influenciaram diretamente a economia mundial. O mais importante foi a crise da dívida. As duas principais taxas de juros mundiais.
(Primer e Libor). Tiveram um crescimento descontrolado, afetando grande parte da economia mundial. Saindo de 4% a 5% a.a. e chegando a mais de 20% a.a., alteradas unilateralmente pelo sistema financeiro. Uma burla internacional à convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário. Não pode haver flutuação na taxa de juros unilateralmente. Situação essa que levou os países da América Latina à quebradeira geral.
O primeiro país a quebrar foi o México. O Brasil de Sarney, em 1987, pediu moratória da dívida, não foi um ato de coragem, mas falta de recursos para o pagamento do serviço da dívida pública.

Um ano após, duas fraudes muito importantes aconteceram na promulgação da Constituição Federal de 1988, uma direta e outra indireta. Isso não é uma especulação, nem fake news. A primeira foi confirmada pelo próprio deputado constituinte, Nelson Jobim, em entrevista ao UOL, e pelos estudos dos professores da UNB, falecido Adriano Benayon e Pedro Resende.  No regimento interno da constituinte, não admitia alterações substanciais de mérito nos artigos em segundo turno de votação do relatório que não fosse votado em primeiro turno. Apenas retificações nas redações dos artigos. Mas não foi isso que aconteceu.
A introdução de forma fraudulenta da alínea “b”, no inciso II, parágrafo 3, Art. 166, aconteceu sem ter sido votada em primeiro turno. Isso representou a garantia e o privilégio ao pagamento do “Serviço da Dívida Pública”.

Entre 1985 e 1987, o pagamento médio ao serviço da dívida pública federal foi de 13,75% da Despesa Geral da União. Em 1988, ano da promulgação da Constituição Federal, subiu para 19,81%. Em 1989, foi para 63% e, na eleição de Collor de Melo, em 1990, chegou ao maior patamar de pagamento ao serviço da dívida pública – 70,57% da Despesa Geral da União. Nos anos subsequentes, em média, 50% da Despesa Geral da União. Garantindo o privilégio ao pagamento da dívida pública, sem necessidade de dotação orçamentária e sem limites, até os dias atuais. Na PLOA/2025, a previsão de pagamento ao serviço da dívida pública federal é de cerca de R$ 2,529 trilhões ou 44,36% da despesa geral da União – R$ 5,699 trilhões.

Nos últimos 24 anos, o fundo público federal foi sangrado em mais de R$ 23,715 trilhões com pagamentos ao serviço da dívida pública federal (Juros e Amortizações). Desse total, somente com juros consolidados do setor público, cerca de R$ 7,5 trilhões. O resultado de desvios de recursos públicos serviu de garantia de lucros crescentes e vitalícios aos banqueiros e às grandes corporações, detentoras de quase a totalidade dos títulos públicos federais. Os donos do poder e do dinheiro.

Diante dessa sangria desenfreada, mais de 9 milhões de brasileiros ainda vivem na extrema pobreza, cerca de 60 milhões vivem na pobreza, mais de 49 milhões de brasileiros não têm saneamento básico e cerca de 30 milhões de brasileiros não tinham acesso à rede de abastecimento de água. Isso corresponde a 13,4% da população do país. Esses são os dados oficiais mais atualizados, que melhoram sempre em governos mais progressistas. Mas, no passado recente, nos governos neoliberais ou de extrema-direita, a situação era bem pior. Não que vivemos no mar de rosas, mas avançamos alguns passos.

Mesmo com o pagamento de cerca de R$ 19 trilhões em amortizações, o estoque da Dívida Bruta do Governo Geral não parou de crescer. O saldo apurado até dezembro de 2024 alcançou cerca de R$ 8,984 trilhões ou 76,1% do PIB. Com custo médio anual da dívida pública federal em 11,80%, o que significa um pagamento de juros nominais consolidados do setor público, em 2024, cerca de R$ 950 bilhões. Atualizando pelo IPCA/IBBGE entre janeiro de 2024 e dezembro de 2024, alcançamos a cifra de cerca R$ 996 bilhões.
Sem considerar os recursos sangrados dos cofres públicos a título de amortização.

Apesar de atingir a meia-idade, de 36 anos, a Constituição Federal, promulgada em 1988, ainda desperta polêmica. O estudo “Anatomia de uma fraude à Constituição”, dos professores da Universidade de Brasília (UnB), o grande professor falecido, Adriano Benayon e o professor Pedro Resende, afirma que parte de um artigo foi incluída na Carta Magna sem passar pelo Plenário. O dispositivo inserido, segundo eles, beneficiou credores internacionais da dívida externa. As alíneas “a”, “b” e “c” do artigo 166 (172, na versão original) tratam de privilégios para o pagamento da dívida, de pessoal e de transferências aos estados e municípios.

Artigo 172 original
Artigo 166 alterado

A segunda fraude constitucional é o não cumprimento do Art. 26 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias. A Constituição Federal de 1988 estabelece que o Congresso Nacional deve realizar um exame analítico e pericial dos fatos e atos que geraram o endividamento externo do Brasil. Isso nunca foi cumprido pelos órgãos de fiscalização, pelo Poder Executivo, Legislativo e até pelo Judiciário. Na promulgação da Constituição, o saldo da dívida interna era insignificante. Se houvesse a realização de uma auditoria da dívida pública, com participação popular. Saberíamos verdadeiramente qual a característica e o perfil dessa dívida, dita pública. Saberíamos se é legal ou ilegal, legítima ou ilegítima ou odiosa. Se é real ou uma peça de ficção científica para garantir lucros crescentes e vitalícios para o grande capital financeiro rentista e das grandes corporações.  Mas infelizmente nem a esquerda, nem a direita ou a extrema-direita têm interesse em abrir a caixa-preta do endividamento brasileiro. Ninguém quer colocar o guiso no gato.

Hoje, o Brasil caminha a passos largos para o projeto de digitalização, principalmente os serviços públicos. Afastando-se da população mais necessitada, do contato presencial com os servidores públicos. Responsáveis pelo papel do Estado e execuções dos serviços públicos. Com o avanço da Inteligência artificial, automação, robótica e plataformas eletrônicas. Poderá significar menos servidores (as) públicos de carne e osso na ponta da execução das políticas públicas e o atendimento direto à população brasileira.

O Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) foi criado para formular e implementar a política de reforma administrativa do Brasil, em 1995. A sua criação, na visão do governo FHC, representava um marco para a inserção da reforma administrativa como prioridade na agenda governamental. Idealizado pelo então ministro do governo FHC, Bresser Pereira. Algo que os servidores públicos, das três esferas de governos, e suas representações sindicais, sempre combateram. Somos totalmente contrários ao Estado mínimo. O Estado não é uma empresa privada, não foi criado para dar lucro. Mas, criado para garantir serviços públicos de qualidade e vida digna para o seu povo.

A reforma do aparelho do Estado foi o pontapé inicial em direção a mais uma reforma administrativa.
O governo Fernando Henrique Cardoso aprovou e sancionou a Emenda Constitucional n0 19/1998. Nela identificamos vários elementos que corroboram para a fragilização e precarização do Estado brasileiro, nos anos 90, que perduram até os dias atuais.

O denominado Estado Mínimo, idealizado por Bresser Pereira, tem como lógica e mecanismos de controle introduzidos pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE. A partir da aprovação e sanção da Emenda Constitucional n0 19/1998, uma das principais alterações foi no artigo 39. O Estado brasileiro deixou de instituir no âmbito da competência da administração pública o Regime Jurídico Único (RJU) e o plano de carreira dos servidores e passou a instituir um Conselho de Política de Administração e Remuneração de Pessoal. Mas essa alteração foi questionada judicialmente pelos partidos políticos: PT, PDT, PSB e PC do B, através da ADI 2135. Julgada pelo STF no dia 6 de novembro de 2024. O resultado de 8 X 3 foi em favor da não obrigatoriedade de os entes federativos admitirem servidores públicos pelo Regime Único Estatutário (Lei n0 8112/1990).

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. Fixando os padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema, remuneratório, observarão:

I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;
II – os requisitos para a investidura;

III – as peculiaridades dos cargos.

Não parou aí. Emenda Constitucional n0 19/1998 também definiu que os servidores públicos não estáveis são aqueles admitidos sem concurso público, a partir de 5 de outubro de 1983, até o primeiro concurso no órgão de origem. Com a promulgação da Constituição de 1988. Outra definição importante decretada: Os servidores públicos estáveis efetivos, após três anos de efetivo exercício, em estágio probatório, em decorrência do seu concurso público. Isso tem influência direta numa possível Reforma Administrativa. Seja Constitucional – PEC 32 ou Infraconstitucional (Decretos, Leis, portarias ou qualquer outro instrumento legal).

Mais um marco importante nos pilares da precarização do Estado brasileiro. Foi aprovada e sancionada, no governo Itamar Franco, a lei n0 8745/1993. Lei que rege o trabalho temporário nos serviços públicos.

Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, e dá outras providências.

Mas sofreu algumas atualizações para pior.

Em 1999, a lei n0 9848 incluiu no artigo 20, inciso III da lei n0 8745/1993 – Além da realização dos recenseamentos, outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Isso possibilitou uma manobra política/jurídica, aumentando a força de trabalho temporária no IBGE, em detrimento dos servidores (as) concursados no Regime Jurídico Único – RJU. Os efeitos são visíveis atualmente, a década a trajetória é de crescimento. Podemos observar o cenário de precarização da força de trabalho no IBGE no gráfico abaixo.

Antes da aprovação dessa lei, as contratações temporárias no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística eram realizadas com contratos por tempo indeterminado, com direitos trabalhistas, salários próximos dos servidores permanentes e garantidos pela CLT.

Com a sanção da lei n0 8745/1993, no governo Itamar Franco, a lei serviu para atender às necessidades temporárias de excepcionais de interesse público. Os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos na Lei. Foi um combustível primordial para o aumento da precarização dos direitos trabalhistas e redução gigantesca nas remunerações dos trabalhadores (as).

Suas alterações garantiram o avanço da precarização nos serviços públicos, principalmente no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, mais de 60% da mão de obra da Fundação IBGE é formada por trabalhadores (as) temporários (as). Com contrato de até 3 anos, aditado mensalmente, com poucos direitos trabalhistas, sem carteira assinada e salários aviltantes. Mas, a luta dos trabalhadores (as) e da representação sindical do IBGE (ASSIBGE-SN) foi vitoriosa. Conseguimos reajuste no benefício de alimentação e um reajuste salarial, em outubro de 2024. Os trabalhadores temporários do IBGE.
(APM e APT) passaram a receber o equivalente ao vencimento básico do início da carreira de nível intermediário – R$ 2.676,24.

A nossa luta não para aí. A reivindicação principal da ASSIBGE-SN é garantir concursos públicos no RJU, todos os anos, para o preenchimento dos cargos vagos de nível superior e nível intermediário existentes no IBGE. Sem desconsiderar a luta contra a crescente contratação temporária, terceirizações e contratações de consultores em várias áreas do IBGE.

Essa política de precarização não se restringe ao IBGE. Ela se alastrou nos serviços públicos, como erva daninha. Está no setor da Educação, Saúde, Previdência etc. Principalmente com a criação das Organizações Sociais (OS). Agora uma nova engenharia está sendo gestada, as fundações de direito público privado, em vários órgãos públicos. No caso do IBGE, a fundação IBGE+, que tem personalidade jurídica de direito público privado. Podendo captar recursos no setor público e privado, além de realizar concurso público pela CLT ou processo seletivo, pela lei n0 8745/1993. Como ficará o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e seus servidores, regidos pelo Regime Jurídico Único (RJU) estatutário, com a concretização da fundação IBGE+? Mas após grandes atos de resistência dos servidores (as) do IBGE, da representação sindical (ASSIBGE-SN) e da grande repercussão negativa na mídia. Conseguimos uma vitória parcial com a suspensão e inatividade do CNPJ da fundação IBGE+. Mas precisamos ficar atentos e vigilantes.

As fundações das universidades, FIOCRUZ e outros, têm um caráter privado. Diferente da jabuticaba criada no IBGE. Que tem caráter de direito público privado. Inclusive, suas funções se confundem com as funções do IBGE: desenvolver atividades de ensino, pesquisa e avaliação de tecnologias ligadas às áreas de pesquisas estatísticas e geográficas. Se essa engenharia for exitosa no IBGE, qualquer órgão público poderá ter sua fundação pública de estimação. Será a verdadeira farra do boi?

A lei n0 8745/1993, no governo Itamar Franco, serviu para atender às necessidades temporárias de excepcionais de interesse público. Os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos na Lei. O que ocasionou o aumento da precarização dos direitos trabalhistas e redução gigantesca nas remunerações dos trabalhadores (as) públicos temporários. Consequentemente ficou mais barato contratar trabalhadores (as) na administração pública direta e indireta.

No início da década de 90, no governo Collor de Melo, iniciou-se o projeto de privatização do parque estatal brasileiro. O discurso dos dois Fernando presidentes, Collor e FHC, era que “precisamos privatizar para pagar a dívida pública”. Grande parte do parque estatal brasileiro foi privatizada, mas o estoque da dívida pública Federal e dos Estados nunca diminuiu. Pelo contrário, o estoque da dívida pública federal não para de crescer. Além de não haver melhoria na qualidade da vida da população brasileira. Portanto, uma dívida pública sem nenhuma contrapartida, que serve para garantir lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro rentista e às grandes corporações.

Em outubro de 1994, o então presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, surfou na onda da aprovação do plano real. Passou um período nos EUA e, ao assumir a presidência em janeiro de 1995.  Um dos seus primeiros atos foi enviar ao Congresso Nacional projetos de emendas constitucionais, alterando o capítulo da Ordem Econômica em cinco itens:

  • Igualou empresa estrangeira a empresas nacionais, abrindo o subsolo às multinacionais.
  • Quebrou o monopólio da “navegação de cabotagem” abrindo os rios brasileiros às embarcações estrangeiras para escoar nossas riquezas e vendeu a “VALE DO RIO DOCE” por R$ 3 bilhões, valor pífio.
  • Quebra o monopólio das TELECOM. Vendeu a Telebrás por R$ 13 bilhões, após gastar.
    R$ 20 bilhões para saneá-la. Além de extinguir o Centro de Pesquisa das telecomunicações – CPQD.
  • Quebrou o monopólio do “GÁS CANALIZADO”. A Shell comprou a COMGÁS, maior distribuidora de gás do país.
  • Tirou da Petrobras a condição de operadora única do monopólio estatal do petróleo da União. Através da aprovação da Emenda Constitucional n0 9/1995.

O governo Bolsonaro, na figura do ministro da economia, Paulo Guedes, utiliza o mesmo discurso de Collor e FHC: Precisamos “privatizar para pagar a DÍVIDA PÚBLICA”. O estoque da dívida pública federal não para de crescer. Em dezembro de 2022, final do mandato de Bolsonaro, chegou a cerca de R$ 7,224 trilhões ou 71,7% do PIB CORRENTE. Entre 2019 e 2022, o estoque da dívida bruta do governo geral cresceu em quatro anos, de aproximadamente R$ 1,921 trilhão. Mas não parou aí, pesquisando os dados das Estatísticas Fiscais do Bacen, nas tabelas especiais, o saldo do estoque da dívida bruta do governo geral, no governo Lula, em dezembro de 2024, chegou a cerca de R$ 8,084 trilhões ou 76,1% do PIB. Um crescimento no estoque da dívida bruta do governo geral, entre janeiro de 2023 e dezembro de 2024, cerca de R$ 1,727 trilhão. Onde vamos parar?

Em novembro de 1995, foi aprovado e implementado o Proer, ou Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional, um programa econômico brasileiro elaborado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Ele permitiu ao Banco Central a utilização de recursos públicos. (Como depósitos compulsórios) para organizar e garantir a aquisição ou fusão de bancos e outras instituições financeiras em dificuldades. O programa foi voltado para o setor privado. Para os bancos públicos, o objeto do Proes (Programa de Incentivos à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária).

Na década de 90, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) aprovou a chamada lei Kandir. Um dos principais pilares da política do seu governo. Consistia em aumentar as exportações dos produtos brasileiros, através de benefícios às grandes empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados, com imunidade de ICMS, a partir da aprovação da Lei Complementar n0 87/1996.

Entre 1999 e 2018, as empresas deixaram de pagar aos Estados, a título de imunização de ICMS, principal tributo estadual, cerca de R$ 637 bilhões. Nesse período, a União repassou aos Estados, através das transferências obrigatórias consolidadas, pouco mais de R$ 45 bilhões, de acordo com dados oficiais do Tesouro Nacional. Se deflacionarmos (IPCA/IBGE) os valores entre junho de 2018 e dezembro de 2024, chegaremos a mais de R$ 907 bilhões.

Em maio de 2020, o plenário do STF homologou o acordo de compensação entre Estados e a União, das perdas de arrecadação decorrentes das isenções do ICMS dos produtos primários e semielaborados para produtos de exportação dados pela lei Complementar n0 87/1996, a chamada lei Kandir, na relação existente entre os Estados e seus Municípios, DF e a União. A União deverá repassar em parcelas anuais aos Estados e seus Municípios cerca de R$ 65 bilhões em 17 anos (2020 a 2037) de uma dívida (atualizada pelo IGP-DI até junho de 2018) de R$ 637 bilhões. Sem considerar a deflação desse valor, entre julho de 2018 e dezembro de 2024 – (R$ 908 bilhões). Isso é acordo ou lesa-pátria?

A lei Kandir imuniza as empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados (commodities) do pagamento do principal imposto estadual, o ICMS, com compensação futura pela União aos Estados, DF e Municípios, através das transferências obrigatórias. Tudo isso garantido na Constituição Federal pelo Art. 91 ADCT. Revogado pelo governo Bolsonaro, na aprovação da PEC Emergencial n0 186/2021. Convertida na Emenda Constitucional n0 109/2021.

Com a revogação do Art. 91 do ADCT e sem anulação dos efeitos da Lei Kandir, os Estados e Municípios continuarão a amargar prejuízos ainda maiores por não haver mais a compensação por parte da União das perdas de receitas de ICMS. Mas a lei Kandir continuará a dar imunidade de ICMS às empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados. Um verdadeiro negócio da China a grande setor agroexportador.

Os grandes empresários do agro, do setor da mineração, do setor energético etc., são os grandes beneficiados de imunidade de ICMS. Exportadores de produtos em dólar, euro ou outras moedas estrangeiras, sem pagamento do principal imposto estadual, o ICMS, por serem produtos primários ou semielaborados. Deixando um rastro de destruição no solo e subsolo brasileiro, pelas explorações predatórias realizadas pelas grandes empresas transnacionais e nacionais. Deixando poucas divisas no território brasileiro, pagando poucos impostos e criando muitos poucos postos de trabalho, devido ao avanço tecnológico do setor.

O Banco Central do Brasil aprovou uma medida de simplificação na área de câmbio.
A lei n0 11.371/2006 permitiu flexibilizar a exigência de cobertura cambial nas exportações, passando o Conselho Monetário Nacional (CMN) a deter competência para estabelecer o percentual dos recursos de exportação que pode ser mantido no exterior. Naquele ano, o CMN estabeleceu o percentual de 30% como limite para a manutenção desses recursos no exterior. Em 2008, o CMN permitiu que os exportadores brasileiros pudessem manter no exterior 100% dos recursos relativos ao recebimento de suas exportações. O fim da exigência de cobertura cambial constituiu importante instrumento econômico e gerencial para as empresas exportadoras, contribuindo ao mesmo tempo para uma melhor inserção do País no mercado internacional. Essas são medidas com impactos diretos na macroeconomia brasileira, em benefício do grande capital financeiro rentista e das grandes corporações empresariais. Deixando um rastro de prejuízo aos entes federativos.

Em 2003, dois pilares muito importantes em benefício do grande capital financeiro rentista e das grandes corporações privadas, contra os interesses dos trabalhadores, iniciados no governo FHC, foram aprovados. O primeiro foi a Emenda Constitucional n0 40. Emenda essa que acabou com as amarras constitucionais ao sistema financeiro nacional, revogando todo o conteúdo do artigo 192 da Constituição Federal, mantendo somente o preâmbulo do artigo, que limitava no Brasil os juros reais a não serem maiores que 12% a.a., após aprovação de uma lei complementar. Lei complementar essa, nunca aprovada. Além de estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade. A segunda foi a Emenda Constitucional n0 41, a reforma da Previdência Social do governo Lula. Decisão política que acabou com a paridade e integralidade nas remunerações e benefícios (aposentadoria e pensão) dos servidores públicos federais. A partir desse período, os servidores públicos federais, admitidos por concursos públicos, aposentaram-se com a média aritmética simples das 80 maiores remunerações. Além de impor contribuições previdenciárias aos aposentados e pensionistas, com benefícios acima do teto do INSS. Hoje, após o aumento do salário-mínimo – R$ 8.092,54.

Os ataques ao Regime de Previdência Própria Social (RPPS) dos servidores públicos federais não se resumiram a isso. Em 2012, a então presidenta Dilma Rousseff, sob o argumento de déficit previdenciário, aprovou a lei n0 12.618.   Instituindo a Previdência Complementar para servidores (as) públicos federais, admitidos a partir de 2012. Um regime com contribuição solidária, até o teto do INSS, hoje R$ 8.092,54. Acima desse valor, a contribuição previdenciária passa a ser individual.

Com contribuição definida, mas benefício incerto. Dependerá do resultado das aplicações financeiras do patrimônio da fundação FRUNPRESP no mercado financeiro.

Um regime de previdência complementar totalmente voltado aos interesses do deus mercado. O patrimônio da fundação FRUNPRESP, administrado pelos bancos, em dezembro de 2024, acumulou cerca de R$ 11,1 bilhões. Totalmente investido no mercado financeiro. Principalmente em Títulos da Dívida Pública Federal. Para piorar, o desgoverno Bolsonaro possibilitou que qualquer servidor público federal, admitido antes de 2013, pudesse aderir à Previdência Complementar (FUNPRESP). Alguns servidores, desavisados, aderiram a essa armadilha.

Em dezembro de 2024, os participantes do FRUNPRESP totalizaram cerca de 114.935 servidores públicos federais, concursados ou não – RJU. Outra armadilha em que alguns servidores públicos federais do RPPS caíram. Foi a migração do RPPS para aposentar pelo RGPS. Recebendo uma média, reajustada pelo IPCA. Mas sem paridade e integralidade nas carreiras. Havendo as reestruturações das carreiras públicas federais, esses servidores (as) serão excluídos.

Observando, no Boletim de Estatística de Pessoal – PEL, a quantidade de servidores públicos federais, em dezembro de 2024, caiu para 1.220.504 mil. Sendo 574.930 mil servidores (as) ativos do RJU. Desse total, cerca de 114.935 ou 19,99%estão sob regime previdenciário híbrido (FRUNPRESP). Até o teto do INSS (R$ 8.092,54), a contribuição é solidária. Acima desse valor, a contribuição previdenciária passa a ser individual, pela previdência complementar (FRUNPRESP). Com tendência de crescimento, em função dos próximos concursos públicos. Além de 413.535 servidores (as) aposentados e 232.039 pensionistas.

Isso significa que haverá problemas atuariais no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), como citado na Emenda Constitucional n0 103/2019 – Reforma da Previdência do desgoverno Bolsonaro. Consequentemente, poderá haver problemas nos pagamentos dos benefícios do RPPS. Com a redução do fundo previdenciário próprio, quem vai financiar as atuais e futuras aposentadorias e pensões?

Diante desse cenário, fica cristalina a desidratação dos servidores (as) públicos federais. Entre 2019 e dezembro de 2024, em pouco mais de 72 meses, o Poder Executivo Federal perdeu cerca de 53.080 servidores (as) públicos federais. Com possibilidade de incorporar mais de 67.753 mil servidores (as) públicos ao vínculo de aposentados, nos próximos anos, por se encontrarem em Abono de Permanência.

Além do avanço tecnológico, a partir do governo digital: inteligência artificial, plataformas eletrônicas e possibilidade de contratação de servidores (as) temporários para funções permanentes do Estado Brasileiro, com a possível aprovação da PEC 32 e contratações pelas fundações públicas de direito privado. Aumentando a precarização na administração pública federal, direta e indireta. Retornando ao Estado loteado das décadas de 60, 70, 80 e 90. Entregando a gestão pública aos vários atores envolvidos. O Estado brasileiro é um mero subsidiário (financiador) das políticas públicas e projetos sociais. Mas, o grande operador das políticas públicas é o mercado privado.


A presidenta Dilma Rousseff, em 2015, aprovou a lei n0 13.135, alterando o recebimento do benefício de pensão dos servidores públicos federais, que tinha um caráter vitalício. Independentemente da idade dos pensionistas. O direito à percepção de cada cota individual cessará diante de várias condições. Uma delas, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. Mas não parou por aí. A partir dessas alterações, o governo colocou alguns parâmetros de recebimento do benefício da pensão. Segundo o IBGE, as mulheres têm uma expectativa de vida maior que os homens no Brasil.A expectativa de vida das mulheres é maior devido a uma combinação de fatores biológicos, sociais e comportamentais.

Em 2023, a expectativa de vida das mulheres era de 79,7 anos, enquanto a dos homens era de 73,1 anos. O IBGE projeta que essa diferença diminuirá até 2070, quando a expectativa de vida das mulheres será de 86,1 anos e a dos homens de 81,7 anos. Usando como critério principal a idade do (a) pensionista para o período desse recebimento. Segundo o IBGE, a maior parte das pensões é paga às mulheres, por terem expectativa de vida maior. Como podemos observar, nos intervalos colocados na lei, terão como maiores beneficiárias as mulheres. Aos 43 anos, a pensionista receberá o benefício de pensão por 20 anos. Isso significa afirmar que, aos 63 anos, essa pensão cessará. Como uma pensionista (a), com idade avançada, poderá conseguir uma colocação no mercado de trabalho? Apenas as pensionistas, com idade acima de 44 anos, inclusive, têm direito à pensão vitalícia.

Outro pilar importante em direção à precarização dos serviços públicos e de seus servidores foi a aprovação, no governo Temer, da Emenda Constitucional n0 95/2016 – Denominada Emenda do Teto de Gasto ou PEC do fim do mundo. Ela limita o crescimento das despesas primárias à atualização do IPCA do ano anterior. Não podemos deixar de destacar que, entre 2015 e 2016, o PIB do Brasil caiu quase 8%.

Tudo sob a égide das despesas primárias rebaixadas que iniciou a Emenda do fim do mundo. Mas não há nenhuma limitação aos gastos financeiros, onde reside o pagamento do serviço da dívida pública federal. Está garantido o privilégio de pagamento e a sustentabilidade da dívida constitucionalmente – Art. 166, parágrafo 3, inciso II, alínea “b”.

Como podemos observar. Além de ser uma alteração constitucional restritiva ao fundo público federal, no tocante aos serviços públicos, aos servidores (as) e à própria infraestrutura do Estado. Ela aplica uma engenharia, de interesse do grande capital financeiro rentista e das grandes corporações, limitando o gasto do orçamento primário para sobrar mais recursos para o pagamento da dívida pública. Os governos liquidam valores orçamentários, mas não executam a sua totalidade. Essa diferença poderá ser destinada ao pagamento da amortização da dívida pública. Tudo garantido pela lei n0 11.943/2009 –
Art. 13. – O excesso de arrecadação e o superavit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderão ser destinados à amortização da dívida pública federal.

Em 2019, o Bolsonaro foi eleito. E aquela tentativa de aprovar a Reforma da Previdência Social, no governo Temer, barrada pela luta dos servidores públicos, mas aprovada no governo Bolsonaro. Contrarreforma essa que trouxe vários prejuízos à classe trabalhadora. Principalmente aos servidores públicos, nas três esferas de governo. Mudança nas idades das aposentadorias, alteração no recebimento do benefício de pensão. Limitando a 50% da remuneração do instituidor da pensão, mas 10% por beneficiários etc. Mas, o meu enfoque está centralizado nas alterações realizadas nos artigos 40 e 149 da Constituição Federal.

Com as alterações dos artigos 40 e 149 da Constituição Federal. O projeto de precarização e ataques aos servidores públicos e ao Fundo Próprio de Previdência Social avançaram. Cria-se o regime de previdência complementar para servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, observado o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social para o valor das aposentadorias e das pensões em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto no § 16. Aqui, a Previdência Complementar deixa de ser uma orientação aos entes federativos e passa a ser uma obrigação. Com a simples introdução do verbo instituirão, futuro presente. Além de limitar o recebimento do Abono de Permanência até a contribuição previdenciária. Deixa de ser a contribuição previdenciária integral, para ser um valor até no máximo, a contribuição integral. Tudo isso será definido por lei dos respectivos entes federativos.

Além de revogar da Constituição Federal o parágrafo 21 do artigo 40. Que garantia o direito à isenção da contribuição previdenciária aos aposentados com deficiência, até dois tetos do INSS. O que levou alguns servidores públicos, nessa condição, a contribuírem para a Previdência Social até um teto do INSS. E vedou a existência de novos regimes próprios de previdência social e criou requisitos para sua extinção e migração para o Regime Geral de Previdência Social. Aqui residem as bases para aprovação do Decreto n0 10.620/2021. Dispõe sobre a competência para a concessão e a manutenção das aposentadorias e pensões do regime próprio de previdência social da União no âmbito da administração pública federal. Ainda não revogado pelo governo Lula.

O governo Bolsonaro, prevendo o déficit atuarial no Fundo Próprio de Previdência Social dos servidores públicos, realizou alterações no artigo 149 da Constituição Federal. No parágrafo 10, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.

Não parou aí, no 10-, quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo. No parágrafo 10-A, persistindo o déficit atuarial, a contribuição dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo. Não satisfeito, avançou mais ainda nos ataques ao Fundo Próprio de Previdência Social.

No parágrafo10-B, para equacionar o déficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas. Persistindo o déficit atuarial, será instituída simultaneamente com outras medidas. Um verdadeiro cheque em branco na Constituição Federal. Um risco enorme ao Fundo de Próprio de Previdência Social dos servidores públicos.

Como podemos observar, a criação da Previdência Complementar (FRUNPRESP) e a Reforma da Presidência Social de Bolsonaro. Pavimentaram o caminho para a destruição do Regime Próprio de Previdência Social e do Regime Geral da Previdência Social. E a Total incerteza para as futuras aposentadorias da Previdência Complementar dos servidores (as) públicos federais. Já que 100% do patrimônio FRUPRESP (dezembro de 2024 – R$ 11,1 bilhões), com trajetória de crescimento, estão aplicados no mercado financeiro. Principalmente em títulos da dívida pública federal. Sob a tutela do deus mercado e as grandes corporações.

Nós, representantes sindicais e as bases de trabalhadores públicos federais, ficamos várias semanas na frente do Congresso Nacional, nos manifestando contra a tramitação da peça constitucional de reforma administrativa do governo Bolsonaro – PEC 32/2020. Tivemos uma vitória muito importante, mas parcial.

Em setembro de 2021, o relator Arthur Maia. Conseguiu aprovar o relatório final na comissão especial. Diante desse cenário, o governo Lula não tem mais ingerência para barrar a aprovação da PEC 32. Somente o plenário da Câmara dos Deputados poderá fazê-lo. No máximo, o governo Lula poderá discordar e propor a não aprovação. Indicando que a base do governo possa rejeitá-la. Quem tem o poder de aprovação ou veto é o Congresso Nacional.

O Novo Arcabouço Fiscal, uma reforma infraconstitucional aprovada pela lei complementar n0 200/2023, hierarquicamente inferior à Emenda Constitucional n0 95/2016, pode substitui-la. Porque a aprovação da Emenda Constitucional n0 126/2023 autorizou que uma lei complementar pudesse instituir o Novo Arcabouço Fiscal.

Como podemos observar, o novo Arcabouço Fiscal tem como pilar central a sustentabilidade da dívida pública o mesmo da Emenda Constitucional n0 95/2016. Garante investimentos limitados em políticas públicas ou em investimentos diretos na infraestrutura do Estado. Para manter a sustentabilidade da dívida pública, o governo precisa desidratar o orçamento primário da União. As despesas do governo federal crescerão 2,5% acima da inflação em 2025, prevê o projeto de lei do Orçamento do próximo ano, enviado ao Congresso Nacional. A expansão equivale ao teto de 2,5% de crescimento real (acima da inflação) definido pelo novo arcabouço fiscal.

Dessa forma, sobrará mais dinheiro para sustentar os lucros crescentes e vitalícios do grande capital financeiro rentista e das grandes corporações. Tudo garantido constitucionalmente pelo artigo 166, parágrafo 30, inciso II, alínea “b”. Aqui reside o principal pilar de captura do Estado brasileiro e sua população.

A Medida Provisória (MP) n0 1286/24 traz reajustes salariais de 2025 e de 2026 para 38 categorias de servidores públicos federais. Denominada “MP sobre Transformação do Estado associada à Gestão de Pessoas”. Mas institui ainda mudanças relacionadas com carreiras e cargos públicos. “Não é simplesmente um aumento de remuneração”. É, de fato, uma reestruturação de carreiras. Mais uma etapa da transformação do Estado que a gente tem feito”, disse a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, que apresentou numa live as linhas gerais da medida provisória. Após a sanção e publicação da Lei de Diretriz Orçamentária (LDO), no dia 30 de dezembro.

O governo Lula, no dia 31 de dezembro de 2024, editou a Medida Provisória n0 1286/24 que garantirá a retroatividade do reajuste a janeiro de 2025. Mas, no seu interior, repousam elementos para continuidade da Reforma Administrativa Infraconstitucional. Elementos esses que nos levarão a lutar por dias melhores, contra um Congresso Nacional totalmente reacionário e o próprio governo federal. Na disputa pela divisão do orçamento público.

O relator da PLOA/2025 tem colocado na grande mídia que somente votou o orçamento em março, após garantir junto ao governo Lula e STF, garantias do pagamento das Emendas Parlamentares, sem nenhuma interferência de outros Poderes. Não admitem interferências do Governo Federal ou do Supremo Tribunal Federal (STF) junto ao Poder Legislativo. Essa é a fala dos eleitos para dirigir, nos próximos dois anos, o Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Como podemos concluir. Os efeitos do arcabouço legal aprovado ao longo das décadas pelos governos de plantão no Palácio do Planalto são muito nefastos ao Estado brasileiro, aos serviços públicos, seus servidores (as) e à maioria da população brasileira. Não podemos nos omitir de lutar contra essas engenharias propostas e aprovadas. Principalmente a PEC 32, reforma administrativa constitucional, proposta pelo desgoverno Bolsonaro, e nem a possibilidade de alteração infraconstitucional, pautada pelo governo Lula. São processos encadeados, com um único objetivo. Garantir a sustentabilidade da dívida pública em direção ao lucro crescente e vitalício do grande capital financeiro rentista e às grandes corporações transnacionais e nacionais. Precisamos ficar muito atentos e resistentes.

Paulo Lindesay – Diretor da ASSIBGE-SN/Coordenador da Auditoria Cidadã da Dívida Núcleo RJ/
Coordenador da Auditoria Cidadã da Dívida Núcleo RJ.

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