A Outra Poesia de Raul Fitipaldi.
Ia se reduzindo, aos poucos
Começou a fazer um poço no jardim
Não muito amplo mas fundo
À noite da fuga, noite de chuva e tédio
Se meteu dentro acariciando-se com a umidade
Conheceu as primeiras minhocas e afastou ovos de coruja
Às duas horas um morcego se deteve à beira da sua calva
Nada fez, o olhou e arquejou as asas retirando-se as gotas de orvalho
Despejando rastos de chuva da meia-noite voou até a telha vã do galpão
O homem gostou da verticalidade e afundou-se até que o topo do cabelo
Raspasse a grama crescida do jardim desordenado e sem flores
Quando se fizeram as oito uma roda de carro lhe apertou um pouco a cabeça
Mas sem afundá-la já que estava acolchoada pela veluda trama da terra
Duas horas depois o sol começou a cair a pleno sobre a careca escondida
Um par de crianças arriscou a dar um pulinho no raro morrinho do pátio
E o homem afundado gostou do toque e das cócegas dadas pelos pneus gastos
Ao meio-dia, quando decidiu comer suas primeiras raízes frescas de bananeira
Uma pesada cadeira de rodas lhe apertou os maxilares com o peso do corpo que trafegava
O homem compreendeu que era o presente que se apoiava nele
Não se ofendeu nem quis ir mais fundo na terra
Apenas se abaixou um pouquinho para não ser notado
A partir de então se arrisca menos a ver o sol e prefere
Apreciar a macia brancura da lua e o titilar geado das estrelas
Mas, respira e tem esperanças de andar solto pela relva.
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Raul Fitipaldi é Jornalista, co-fundador da Cooperativa Comunicacional Sul e do Portal Desacato.