Por José Eustáquio Diniz Alves.*
A Venezuela é um dos membros fundadores da OPEP e possui uma das maiores reservas de petróleo do planeta (quase 300 bilhões de barris). Porém, mesmo com toda essa riqueza mineral, o país está passando pela maior crise econômica e social de sua história. O mito do “Eldorado negro” virou a realidade da “maldição do petróleo”. Nem sempre achar hidrocarbonetos é uma boa notícia. Depende dos custos de extração e da forma como a produção e o consumo deste recurso mineral é administrado. A dependência do “ouro negro” foi uma constante na história recente da Venezuela, mas foi agravada durante o superciclo das commodities, que manteve o preço do barril de petróleo acima de US$ 100 durante um bom período.
Quase 90% das exportações venezuelanas são relacionadas ao setor petrolífero e o país se deu ao luxo de realizar várias bondades como vender o petróleo abaixo do preço de mercado a treze nações caribenhas e manter o preço interno da gasolina abaixo de 50 centavos de dólar, reduzindo as receitas da PDVSA. Viciada na receita fácil das exportações de combustíveis fósseis, A Venezuela não incentivou a economia interna e importa 70% dos bens que consome, muitos de primeira necessidade como comida, remédios, matérias primas industriais e agrícolas. O orçamento do governo também depende das receitas do petróleo.
Uma série de políticas internas equivocadas, baixa produtividade dos fatores de produção, intrincados problemas econômicos, crise cambial, má administração, persistente corrupção em todos os escalões, inflação galopante, altos níveis de violência e crise política, fizeram a Venezuela entrar em situação falimentar. Para agravar o que já estava ruim, uma crise ambiental gerou uma seca prolongada que esvaziou os reservatórios das usinas hidrelétricas provocando uma escassez de energética sem precedentes. O país ficou praticamente parado. Há relatos de cidadãos bem-vestidos procurando comida no lixo. A fome e a desnutrição se espalharam feito praga. A situação é de calamidade pública.
O gráfico acima mostra que a Venezuela tinha uma renda per capita (em ppp) bem acima da renda per capita do Brasil e da Costa Rica nas décadas de 1980 e 1990, segundo dados do FMI. No ano de 1980, a renda per capita da Venezuela era de US$ 7,9 mil, bem acima da renda do Brasil de US$ 4,8 mil e da Costa Rica com US$ 3,4 mil. Ou seja, os venezuelanos tinham uma renda mais de duas vezes maior do que os costarricenses. Mas nos anos 2000 esta diferença foi se reduzindo e, em 2015, a Costa Rica ultrapassou a Venezuela e o Brasil, sendo que a renda dos brasileiros, mesmo em recessão, deve ultrapassar a renda dos venezuelanos em 2017.
Para 2020, a Costa Rica terá uma renda média mais de 30% superior do que a Venezuela. O incrível é que a Costa Rica não tem petróleo. E o fantástico é que a Costa Rica também não tem exército e é um dos países que mais investem no meio ambiente, além de ser uma democracia com paz social e baixos níveis de violência.
O gráfico no início do artigo mostra que a presença da Venezuela na economia internacional vem diminuindo nas últimas 4 décadas. Antes do período em que de Hugo Chávez ficou no poder (1999-2013) a percentagem da economia venezuelana no PIB mundial já vinha caindo e passou de 0,9% para 0,6%. Durante o superciclo das commodities houve uma recuperação até 2008, mas voltou a cair e despencou no período do presidente Nicolas Maduro. Em 40 anos a participação da Venezuela na economia internacional vai se reduzir por um múltiplo de três. É uma das maiores quedas do mundo e a maior para um país petroleiro.
O gráfico seguinte mostra a variação anual do PIB venezuelano na atual década. Nota-se que houve crescimento somente entre 2011 e 2013 e uma grande queda em 2014, 2015 e 2016. As projeções do FMI indicam que a queda vai continuar. A Venezuela vai ter uma década perdida com redução da renda per capita e grande sofrimento da população.
Toda a crise econômica e social se reflete sobre as condições demográficas. O próximo gráfico mostra que, em 1950, a Venezuela tinha um valor da esperança de vida ao nascer próximo do valor da Costa Rica e cerca de 5 anos acima do Brasil. Mas enquanto a Costa Rica alcançou uma esperança de vida de 80 anos no atual quinquênio, a Venezuela ficou com um nível abaixo do brasileiro. Certamente o alto número de homicídios e as mortes por causa externa contribuem para reduzir a esperança de vida no Brasil e, em especial, na Venezuela.
Por fim, a figura abaixo mostra a deterioração das condições ambientais da Venezuela. A Pegada Ecológica ultrapassou a Biocapacidade a partir de 2007 e os venezuelanos agora vivem em déficit ambiental. Não é por acaso que houve uma grande crise hídrica que provocou escassez de água potável, escassez de alimentos e escassez de energia.
O fato é que a Venezuela não está em crise sozinha, mas está também puxando para a América Latina para a recessão. O sonho de uma Venezuela com alto padrão de vida, sem violência e sem pobreza está, infelizmente, cada vez mais distante.
Para o economista Víctor Álvarez, ex-ministro de Indústrias Básicas e ex-diretor da estatal petrolífera PDVSA no governo chavista, a crise atual da Venezuela é fruto da continuação de um processo extrativista iniciado no século XX e não rompido pelo governo de Hugo Chávez. Baseado no rentismo petroleiro, o modelo econômico, que no passado permitiu a acumulação capitalista, na Revolução Bolivariana foi usado para financiar programas sociais e obter apoio regional. Segundo Álvarez trata-se de um “neorrentismo socialista” que se manteve dependente do extrativismo do petróleo. Para ele, o desafio atual da Venezuela não é voltar ao “capitalismo rentista”, muito menos dar continuidade ao “neorrentismo socialista”, mas sim, construir um novo modelo menos dependente da economia extrativista. A derrocada da Venezuela também arrasta Cuba a um novo período de crise econômica.
No dia 10 de julho de 2016, mais de 35.000 venezuelanos que cruzaram a fronteira entre a Venezuela e a Colômbia (Cúcuta) no domingo com o único objetivo de fazer compras de produtos básicos nesta cidade do nordeste colombiano: papel higiênico, óleo, açúcar, farinha pão, café, leite, etc. Elas não sabem quando poderão voltar a passar pela ponte binacional, pois, há quase um ano esperavam por esse dia, desde que o presidente Nicolás Maduro decretou estado de exceção e fechou o seu lado da fronteira. As cenas mostram a situação de penúria que vive a Venezuela.
Frente a crise de abastecimento e à generalização da violência e da barbárie, cresce a pressão para fazer valer o dispositivo constitucional do referendo revogatório para encurtar o mandato do presidente Nicolás Maduro. Novas eleições só seriam convocadas se a consulta ocorresse (e o “sim” vencesse) ainda em 2016. Caso contrário, o vice de Maduro, Aristóbulo Istúriz, completaria o mandato, que expira em 2019. A oposição, com o apoio da maioria da opinião pública, deseja que o referendo seja realizado este ano. Mas as forças bolivarianas, evidentemente, desejam que seja realizado no ano que vem. Porém, a experiência brasileira está mostrando que não basta mudar o governo para que a crise seja sanada. Os desafios são muito maiores, pois trata-se de uma encruzilhada histórica e de um ponto de inflexão na possibilidade de desenvolvimento do país.
A Venezuela precisa superar o novo extrativismo e a maldição do petróleo e criar novas alternativas políticas. Como escreveu Eduardo Gudynas, no artigo “O esgotamento de um modelo” (Correio da Cidadania, 08/01/2016): “O esgotamento progressista, por um lado, permite maiores opções de reorganização da política conservadora, mas, por outro, cria cenários às vezes muito limitantes na busca da repotencialização de uma esquerda democrática e independente que possa retomar a tarefa da transformação. Este é possivelmente o problema mais crucial que se abre diante de nós todos no futuro imediato”.
Crescem os perigos da “sociedade de risco”. A falência da Venezuela vem se somar à falência e às guerras do Afeganistão, Iraque, Iêmen, Líbia, Síria, Sudão do Sul, República do Congo, Ucrânia, etc. O Brexit e Donald Trump são exemplos de que o mundo desenvolvido vai mal. A China constrói ilhas artificiais para ampliar o seu mar territorial e aumentar a presença militar, ameaçando os países vizinhos. A Coreia do Norte vive blefando com armas nucleares. Crescem os atentados terroristas, sendo que o massacre em Nice, no 14 de julho francês, é apenas o mais recente evento, mas certamente (e infelizmente) não será o último. Um atentado terrorista nas Olim-piadas do Rio seria mais uma tragédia a se somar à própria trama que tem sido a organização deste megaevento da sociedade do espetáculo e do lucro e que se soma à já crítica violência e falência do Rio de Janeiro.
Por fim, o golpe na Turquia coloca o mundo em grande estado de apreensão diante da instabilidade política, da barbárie e do crescimento das forças fundamentalistas e antidemocráticas. O Oriente Médio é o estopim, mas o mundo parece mais um barril de pólvora pronto para entrar em combustão. Talvez a Venezuela esteja apenas antecipando (e dramatizando por erros próprios) uma crise que pode se espalhar pelos diversos continentes.
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte:EcoDebate