O clube da guerra. Por Rita Coitinho.

Para os sócios do clube da guerra, a paz deve ser negociada a preços extorsivos, e até o fracasso de uma “cúpula da paz” pode ser lucrativo

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, em reunião com o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, em Kiev. 29/04/24. Foto: Presidente da Ucrânia / Flickr)

Por Rita Coitinho.

O convescote sobre a “paz na Ucrânia” ocorrido na Suíça nos dias 15 e 16 deste mês, para além do seu fracasso anunciado – onde já se viu uma negociação de paz sem os dois lados do conflito presentes? – teve ainda a humilhação final de seus organizadores, com a recusa de nações como Brasil (além de África do Sul, Arábia Saudita, Armênia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia, Índia, Indonésia, Líbia, México, Santa Sé, e a Tailândia) em assinar o documento comprometendo-se com a encenação.

O clube da guerra é liderado pelos países do G7, com participação acidental de algumas nações cujos mandatários buscam elevar o perfil diplomático do país junto à Europa e os EUA, como o Chile de Gabriel Boric, que tem tido boas posições acerca do genocídio em curso na Palestina, mas que não perde a oportunidade de distanciar-se dos processos populares em curso na América Latina que são menos “simpáticos”, por assim dizer, aos olhos do mainstream político dos EUA e da Europa. Os sócios fundadores e dirigentes são os EUA, a Alemanha, a França, a Inglaterra, o Canadá, o Japão e a Itália, com a presidência eterna para o país americano. Os demais membros da OTAN têm cotas minoritárias, embora participem com entusiasmo. São candidatos a títulos do clube os países clientes dos EUA, oscilando de acordo com a tônica dos governos de ocasião. Vão de arrasto todos aqueles que têm algum tipo de vínculo ou expectativa de receber as migalhas dos banquetes regados a pólvora, urânio-235 e plutônio-239.

Os recursos do clube abundam. Saem diretamente da indústria de armas, sob as bênçãos da velha aristocracia europeia reconvertida em prósperos burgueses fabricantes e negociantes de armamentos, recrutadores de mercenários, fornecedores de insumos militares e, é claro, banqueiros. Orbitam o clube os altos funcionários, que disputam com avidez os cargos dirigentes das estruturas internacionais que administram os negócios da guerra.

Para os sócios do clube da guerra, a paz deve ser negociada a preços extorsivos. As vidas que se perdem enquanto se prolongam os blefes não têm importância. Gaza pode arder em chamas se os negócios vindouros de terraplanagem e construção de balneários e condomínios após a anexação definitiva por Israel puderem ter a participação das empresas da família. Do mesmo modo, as vidas de ucranianos e russos e o altíssimo custo de vida do povo europeu (imposto pelas restrições ao gás e outras mercadorias russas), são apenas um males necessários. São os mais pobres que sentem frio, jamais os altos funcionários e famílias de negócios.

A Ucrânia deve, assim, “lutar até o último ucraniano” pela vitória do clube. Quando Emmanuel Macron bradou que a Europa deveria armar a Ucrânia ou mesmo enviar soldados, estava certamente contabilizando os bilhões de euros envolvidos nessa operação. Também muito preocupados com a continuidade dos negócios estão os porta-vozes da OTAN, para quem não existe saída para a guerra sem a rendição completa do inimigo. Nas reuniões do clube da guerra não devem faltar ideias ousadas para prolongar os combates e aumentar os lucros. Ampliemos os exércitos! Bombardeemos civis! Que tal vitimar crianças em uma praia da Crimeia? Quantas bombas serão? Oh, isso não é nada, precisamos gastar mais munição, a roda da economia precisa girar.

E como gira! São exorbitantes as cifras: em 2023, os países da OTAN tiveram gastos militares de 1,341 trilhão de dólares. Também em 2023, 91,4 bilhões foram  gastos em armamento nuclear. O relatório da International Campaign to Abolish Nuclear Weapons mostra que os países que dispõem de arsenal nuclear mantêm contratos com empresas para a produção de armas nucleares no valor de 387 bilhões de dólares, alguns dois quais firmados até o ano de 2040. Para obter e manter esses contratos, essas empresas investem pesadamente em propaganda. Só nos EUA e na França, em 2023, essas empresas gastaram a cifra 118 milhões de dólares em lobby.

Os conflitos armados são fontes quase inesgotáveis de lucros. As dificuldades para se obter acordos de paz são fabricadas pelos mensageiros do clube da guerra. Se, como até as pedras sabem, não existe acordo de paz sem a participação de todas as partes de um conflito, qual a serventia de uma “Cúpula da paz” para a guerra que envolve Ucrânia e Rússia sem a Rússia? Nenhuma. Apenas a criação de mais um factóide e uma grande movimentação de funcionários diplomáticos, com altíssimos lucros para o setor hoteleiro e de eventos da cidade escolhida para o teatro. Como se vê, até o fracasso de uma “cúpula da paz” (ou seria cúpula da guerra?) pode ser lucrativo, a depender do ramo de negócios.

(*) Rita Coitinho é socióloga e doutora em Geografia, autora do livro “Entre Duas Américas – EUA ou América Latina?”, especialista em assuntos da integração latino-americana.

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

 

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